Primeira Guerra Mundial: Análise histórica de um conflito marcante

Primeira Guerra Mundial e o surgimento de um novo mundo

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Primeira grande guerra


1. A indústria ganha o mundo

A Revolução Industrial, que ocorreu no século XVlll, pode-se falar que, fundamentalmente, ela consistiu na introdução de máquinas no processo produtivo, inaugurando a era da economia dominada pelas fábricas. Com isso, o mundo nunca mais foi o mesmo: o trabalho se tornou muito mais produtivo, permitindo a feitura de uma quantidade gigantesca de mercadorias em pouco tempo, o que era impossível com o trabalho artesanal. Essas mercadorias ficaram mais baratas, já que eram feitas em larga escala, e com isso os hábitos de consumo da humanidade se transformaram. As cidades cresceram e a população urbana ultrapassou a rural. O trabalho assalariado se tornou a forma predominante de emprego. Por tudo isso, o capitalismo atingiu níveis nunca antes imaginados de crescimento.

Porém, como você deve se lembrar, esse processo foi iniciado pela Inglaterra. Podemos dizer então que essa “Primeira Revolução Industrial” foi uma revolução inglesa. No século XIX, vários outros países da Europa e do mundo começaram a copiar esse modelo que, afinal, deu tão “certo” para os britânicos. Esse processo de internacionalização da indústria é o que pode ser chamado de Segunda Revolução Industrial.

Ele foi acompanhado também de inovações tecnológicas. Na “primeira” Revolução Industrial, a grande novidade eram as máquinas a vapor e a principal indústria inglesa era a têxtil. Já em meados do século XIX, com a Segunda Revolução Industrial, um novo ramo da indústria se tornou o mais lucrativo: os setores de ferro (metalúrgico) e aço (siderúrgico), isto é, a “indústria pesada”. Essas atividades são as bases da indústria ferroviária, automobilística e bélica. Os combustíveis também haviam mudado, pois o petróleo começou a ser usado e explorado em larga escala. As máquinas a vapor começaram a dar lugar para máquinas com motor a explosão – o mesmo usado, por exemplo, num carro. E os transportes também mudaram, com o crescimento das ferrovias e das embarcações de grande porte.

Esse conjunto de transformações decorrentes da internacionalização da Revolução Industrial ajudou a mudar o mundo. Países como França, Bélgica, Rússia e partes da atual Itália começaram a construir seus próprios parques industriais. Fora do “velho continente”, o Japão também embarcou nessa tendência. O país passava no século XIX pela Era Meiji, um período de centralização política em torno no imperador, modernização econômica e “ocidentalização” na cultura. No entanto, duas nações em particular merecem nossa atenção neste momento: os Estados Unidos e a Alemanha.

2. Estados Unidos: capitalismo nascido da guerra

Os Estados Unidos conquistaram sua independência bem no final do século XVIII, após vencer uma guerra contra a antiga metrópole, a Inglaterra. As treze colônias originais haviam se tornado, assim, treze estados de um único país, submetidos a uma única Constituição – que, aliás, é a mesma até os dias de hoje.

Porém, essas colônias tinham entre si diferenças econômicas e sociais muito grandes. Essas desavenças tinham sido “deixadas de lado” no contexto da guerra de independência, pois havia um objetivo maior: vender os ingleses. No entanto, ao longo do século XIX as diferenças se tornariam cada vez mais inconciliáveis. Vamos entender porque isso aconteceu e quais os impactos para a história do país. Aliás, dica importante: para a leitura dos próximos parágrafos, vai ajudar bastante manter um mapa dos Estados Unidos aberto para consulta! Vamos lá então.

Desde a época colonial, os estados do Norte dos Estados Unidos – pense, por exemplo, em Massachusetts, onde estava o importantíssimo porto de Boston – tinham características mais burguesas, mais voltadas ao comércio. Durante o período de guerra de independência, os norte-americanos não estavam, obviamente, importando mercadorias de seus inimigos ingleses. Consequentemente, essas colônias (agora estados) do Norte precisaram se industrializar para suprir as necessidades do país por bens manufaturados.

Quando a guerra acabou e as relações diplomáticas foram reestabelecidas, o Congresso americano preferiu manter uma política que estimulasse esse florescimento burguês industrial, estabelecendo, por exemplo, tarifas de importação altas para os produtos ingleses. Assim, no início do século XIX, os Estados Unidos começavam a realizar sua revolução industrial. Guarde essa informação.

Também nessa virada do século XVIII para o XIX, o Estado americano começou a se expandir num processo que ficou conhecido como “Marcha para o Oeste”. Até aquele momento, o país era composto apenas pelas treze colônias originais, todas coladas no litoral, às margens do Oceano Atlântico. Conforme a população do país crescia e começava a se espalhar para o Oeste, novos estados foram surgindo: Kentucky em 1792, Tennessee em 1796, Ohio em 1803, Mississipi em 1817 e assim por diante.

Outras etapas da expansão foram menos espontâneas. Uma enorme faixa de território que ia de norte a sul do atual país foi comprada em 1806 dos franceses – essa região se chamava “Louisiana francesa”, mas não confundir com o atual estado americano homônimo, que representa um pedaço minúsculo do que era a Louisiana adquirida no século XIX.

Vastas regiões também foram pegas do México: o atual Texas foi conquistado em 1845 e a região onde hoje está, por exemplo, o estado da Califórnia foi comprada dos mexicanos em 1848. E, é claro, não se pode esquecer que todas essas etapas de expansão foram marcadas pela tomada do território indígena e o massacre das populações nativas. Afinal, pouquíssimas dessas regiões era “desabitadas” quando os norte-americanos decidiram dominá-las.

Desse modo, na metade do século XIX, os Estados Unidos tinham mais ou menos o tamanho e a quantidade de estados que possui hoje. O país tinha completado sua expansão territorial, tornando-se um gigante que dominava os “dois litorais”: o do Atlântico e do Pacífico.

Com um país daquele tamanho, surgiram alguns problemas. O principal deles era o seguinte: o que fazer com esses novos territórios? Como administrá-los? Qual deveria ser seu modelo político e econômico?

As opiniões ficaram divididas. Lembra-se do norte industrializado? Os políticos ligados àquela região queriam que a população dos novos estados se tornasse, acima de tudo, um mercado consumidor, capaz de absorver as mercadorias produzidas pelas fábricas em grande quantidade. Portanto, defendiam um modelo que privilegiasse o mercado interno, as pequenas propriedades rurais (formando uma espécie de “classe média” com poder de compra) e, especialmente, a mão-de-obra assalariada.

Já os políticos ligados às regiões mais rurais, agroexportadoras e escravistas, várias delas nos estados do Sul dos Estado Unidos, queriam reproduzir este modelo nos novos estados. Quando falamos desse “sul”, pense, por exemplo, nas duas Carolinas e a Georgia, ou estados fundados após a independência, como o Mississipi.

Como você pode deduzir, os dois modelos eram antagônicos. Uma hora ou outra, um dos lados teria que ceder – ou sair perdedor.

Em 1820, essa briga já começava a ficar evidente no Congresso americano. Naquele ano foi criado o chamado “Compromisso do Missouri”, lei que criava uma linha imaginária cortando os Estados Unidos horizontalmente e determinava que não poderiam haver estados escravistas para norte daquele marco. Era uma forma de tentar satisfazer os dois “modelos de país”.

Mais tarde outro atrito surgiu, dessa vez com relação à política alfandegária. O Norte defendia regras mais protecionistas, pois queria que seus produtos industrializados tivessem acesso privilegiado ao mercado interno. Já o Sul defendia uma postura de “portas abertas” para os produtos europeus, especialmente ingleses. Era mais um tema em que uma única política nacional nunca funcionaria para as duas metades do país.

A situação ficou realmente insustentável na década de 1850, quando começou no Norte a campanha abolicionista. Os políticos ligados aos setores mais burgueses e industriais queriam tornar regra constitucional – isto é, válida para todos os estados – a proibição da escravidão. Os grandes latifundiários sulistas, que dependiam dos negros cativos como base de toda a sua economia, evidentemente não aceitaram isso. Havia um problema adicional: a Europa estava em pleno processo de industrialização naquela época, precisando como nunca de matérias-primas como o algodão cultivados nas plantations norte-americanas. Logo, os sulistas queriam expandir o máximo possível suas terras para aproveitar essa janela de oportunidade. Cada minuto gasto negociando com o Norte uma “autorização” para colocar ou não mão-de-obra escrava nos territórios adquiridos após a Marcha para Oeste representava para os latifundiários milhares de dólares a menos em exportações.

Com a vitória em 1860 do presidente antiescravista Abraham Lincoln, do Partido Republicano, os sulistas decidiram tomar uma medida drástica: antes mesmo da posse do novo mandatário fizeram uma secessão, isto é, uma separação e fundaram um novo país, os Estados Confederados da América, com capital na cidade de Richmond, na Virgínia. Lincoln não aceitou e declarou guerra ao “novo país” para reanexá-lo aos Estados Unidos. Seu motivo mais estrutural era, obviamente, a perda de territórios e mercados, o que faria muito mal à burguesia nortista.

Começava assim, em 1861, a Guerra Civil Americana ou Guerra de Secessão. Em 1865, a União acabaria vencendo os Confederados. No meio do processo, a escravidão foi abolida definitivamente:

Lincoln havia assinado durante a guerra, no dia 1º de janeiro de 1863, o Ato de Emancipação. Com a vitória em 1865 e a consequente reunificação do país, o ato se transformou na 13ª emenda à Constituição Americana, banindo a escravidão de todos os estados.

Para além do inquestionável benefício “ético”, digamos assim, trazido pelo fim da escravidão, havia também um benefício econômico para o ainda jovem capitalismo norte-americano: toda aquela massa de cidadãos negros, até ontem mantidos como escravos, agora poderia aderir ao trabalho assalariado e, assim, se tornariam consumidores, donos de uma renda própria. Isso foi fundamental para dar um empurrão na indústria americana na segunda metade do século XIX.

No início do século XX, nosso “vizinho do Norte” já era, portanto, uma potência: a burguesia tinha consolidado uma economia de modelo industrial após a vitória na Guerra Civil e sua influência regional, nas Américas, era também um fato consumado.

Os Estados Unidos estavam prontos para, quando chegasse o momento, influenciar decisivamente nos rumos da Primeira Guerra Mundial.

3. Alemanha: Unificação a ferro e sangue

O segundo país cuja história não podemos deixar de analisar é a Alemanha. A começar por um dado que você talvez não saiba: durante quase todo o século XIX, não existia uma Alemanha.

No início do século XIX, após a queda de Napoleão, o território hoje ocupado pela Alemanha era composto por um conjunto de 39 reinos germânicos, cada um com governo próprio, fronteira, leis etc. 

Eles formavam a Confederação Alemã, órgão que reunia representantes de cada um desses reinos numa Assembleia (chamada de Dieta), com sede na cidade de Frankfurt. Esse era o máximo que havia de união entre as regiões da “futura Alemanha”: um parlamento no qual algumas políticas comuns entre reinos poderiam ser negociadas.

Um desses reinos era a Prússia, localizada onde hoje é o nordeste da Alemanha. Desde o início do século, o governo prussiano se dedicava a desenvolver a indústria local, aproveitando que tinha grandes reservas de minério disponíveis. Ajudava também o fato de que esse governo era composto por uma espécie de “aristocracia-burguesa”, os junkers, que não viviam da renda da terra como a nobreza tradicional. A Prússia embarcou, portanto, na Segunda Revolução Industrial, criando empresas estatais estratégicas e aproveitando para construir uma infraestrutura de estradas, portos e, especialmente, ferrovias.

Na década de 1830, quando a economia prussiana já estava bem desenvolvida, começaram a aparecer os problemas. Como o território germânico estava fragmentado em vários de reinos, era muito difícil fazer negócios ou, por exemplo, escoar a produção industrial para os vizinhos. A solução parecia ser a criação de um acordo comercial.

Assim, em 1834 foi criado o Zollverein, uma união aduaneira liderada pela Prússia. Isso autorizou a livre circulação de mercadorias (isto é, sem impostos) entre os reinos germânicos, permitindo que a produção das indústrias prussianas fosse escoada mais facilmente. Na década de 1850, todos os estados germânicos já faziam parte desse acordo.

No entanto, em algum tempo o Zollverein já não era mais suficiente. Como os reinos germânicos não estavam unificados de fato – não eram parte de um mesmo país – era impossível para a Prússia criar leis, abrir filiais de empresas estatais, construir ferrovias etc. fora do seu próprio território.

Portanto, na década seguinte, a Prússia começaria uma campanha de anexação de fato dos demais reinos germânicos, transformando toda a região em um único enorme país com capital em Berlim. Esse processo, que durou até 1871, é o que chamamos de “Unificação Alemã”.

É importante lembrar disso porque a mentalidade “revanchista” que se formou nos franceses após esse episódio nos ajudará a entender alguns dos eventos da Primeira Guerra Mundial.

Agora que analisamos em mais detalhes os casos dos Estados Unidos e da Alemanha na Segunda Revolução Industrial, vamos entender o que aconteceu com o mundo para que estourasse, em 1914, a Primeira Guerra Mundial.

4. O casamento entre crise e imperialismo

Recapitulando, vimos até agora que a Segunda Revolução Industrial levou a uma expansão enorme do capitalismo para novas regiões do mundo. Isso ocorreu em especial na Europa, com destaque para a Alemanha, que apareceu como potência unificada só em 1871, e nos Estados Unidos pós-Guerra de Secessão (1861-1865). Quais foram as consequências dessa expansão incrível da indústria?

Se você está atento ao que vimos até agora, talvez tenha percebido um problema recorrente na história de todo país que embarca numa jornada industrial: em algum tempo, ele começa a sofrer com a sobreprodução. Como a atividade fabril produz mercadorias em enorme quantidade, chega um momento em que o mercado consumidor “normal” de uma nação não dá mais conta de absorver um volume tão grande de produtos.

Pense, por exemplo, no setor de construção de estradas de ferro, que cresceu muito no século XIX. Em algum momento esse mercado ficará saturado, pois não há mais lugares precisando de uma nova ferrovia. Outro exemplo: a indústria têxtil produz tecidos, que se tornam, digamos, camisetas. Porém, com a melhoria constante das máquinas, chega-se num ponto em que as fábricas estão colocando no mercado mais camisetas do que a população de um determinado país consegue ou deseja comprar por mês. Aplique esse tipo de exemplo para qualquer mercadoria e você perceberá o tamanho do problema no qual a Europa industrial se meteu.

Na segunda metade do século XIX, em particular a partir da década de 1870, os países capitalistas avançados enfrentaram uma enorme crise de sobreprodução. Essa crise é chamada por muitos historiadores de Primeira Grande Depressão. O capitalismo industrial vivia sua primeira queda verdadeiramente global.

Como a origem da crise era a sobreprodução, só havia uma maneira de resolver o problema: ampliar o mercado consumidor.

A primeira estratégia para alcançar esse objetivo foi “eliminar a concorrência”. 

Isso quer dizer que as práticas capitalistas de países como Inglaterra, França, Alemanha etc. se tornaram cada vez mais protecionistas, isto é, voltadas a garantir por meio de leis e impostos que as empresas nacionais teriam privilégio – ou, às vezes, exclusividade – sobre os produtos importados.

Isso significou uma mudança tremenda. Até aquele momento, a ideologia que predominava no continente era a do liberalismo econômico, sempre intimamente associado ao “espírito” empreendedor do capitalismo. O liberalismo, como você sabe, defende valores como o livre mercado, uma concorrência livre entre empresas e, muito especialmente, a não-intervenção do Estado na economia.

Frente aos novos desafios impostos pela crise de sobreprodução do final do século XIX, esse manual liberal de economia foi praticamente jogado fora e o capitalismo entrou na sua fase monopolista. Num ambiente em que “faltam consumidores”, a economia capitalista se organizou para formar oligopólios que tentavam garantir o máximo possível de mercados “cativos”.

No clássico A era dos impérios, o historiador britânico Eric Hobsbawm descreve essa reorganização econômica. Dois avisos: “oligopólio” significa um grupo de poucas empresas que detém a maior parcela de algum setor da economia; e “cartel” é a prática de empresas de um mesmo ramo combinarem preços, lesando os consumidores. Portanto, é uma prática recorrente nas situações de oligopólio. 

Diferentemente dos imperialistas do passado, que apenas exploraram os povos conquistados, os ingleses, franceses, belgas do século XIX acreditavam que estariam, na verdade, cumprindo seu dever moral ao tirar africanos e asiáticos da “barbárie” em que viviam. Essa ideologia recebeu inclusive o nome de “o fardo do homem branco” – isto é, o preço de solidariedade que o homem branco europeu precisava pagar por se constituir como a região mais civilizada do mundo.

Esse tipo de justificativa só podia prosperar porque o século XIX foi também uma época de desenvolvimento das teorias raciais pseudocientíficas. Inspirados na teoria da evolução darwinista, intelectuais da época desenvolveram um tipo de “darwinismo social”, afirmando que as diferentes culturas e “raças” também se dividiam em mais e menos “evoluídas”, especialmente com relação as suas capacidades mentais. Desse modo, um negro africano, inferior por natureza, precisava ser “ajudado” por um branco se quisesse “evoluir” para sobreviver à seleção natural. Por isso a ação do colonizador, mesmo com todas as suas motivações econômicas, podia ser vista por muitos como um trabalho quase de caridade.

Logo, no início do século XX, uma coisa estava clara para a maioria dos estadistas da Europa: qualquer solução possível para aquela concorrência imperialista teria que passar pela via militar. A época das possibilidades diplomáticas, comerciais, já tinha passado.

Como sabemos, foi exatamente o que aconteceu: em 1914, as potências imperialistas entraram na Primeira Guerra Mundial.

5. A grande guerra (1914-1918)

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Uma guerra violenta


O estopim da Primeira Guerra Mundial aconteceu numa região inesperada, distante dos grandes centros capitalistas europeus. Mas naquelas circunstâncias de tensão extrema, era o suficiente para ativar um efeito dominó que levou todo o mundo capitalista ao campo de batalha.

O príncipe Franz Ferdinand, herdeiro do trono Austro-Húngaro, estava em Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina que, na época, era uma região anexada ao império austríaco. O príncipe estava numa espécie de “campanha publicitária” pregando a ideia de que os austríacos e as populações eslavas daquela região eram “parceiros”. Seu objetivo era conter a onda nacionalista que crescia na região, pregando que territórios como a Sérvia e própria Bósnia-Herzegovina deveriam ser independentes em relação ao Império.

No dia 28 de junho, num desfile em carro aberto, o príncipe foi morto por um nacionalista sérvio, membro de um grupo extremista chamado “Mão Negra” que lutava pela expulsão dos austríacos dos Bálcãs. Isso possibilitaria a unificação das populações eslavas numa única grande nação, a “Grande Sérvia”.

Como retaliação, a Áustria declarou guerra à Sérvia. Seu objetivo real era, evidentemente, avançar sobre o país e conquistar mais territórios sob pretexto de estar “caçando os assassinos do príncipe”. Aliás, este é mais um momento daqueles em que um mapa da Europa ajudará bastante! Veja aí: o Império Austro-Húngaro era aliado do Império Turco-Otomano. Portanto, essa declaração de guerra à Sérvia era uma forma de eliminar, pela conquista territorial, aquele “empecilho” no meio do caminho entre os dois impérios, fechando o contato territorial entre eles. Isso permitiria circulação muito mais livre de soldados, mercadorias, construção de ferrovias etc.

E, não vamos nos esquecer, o Império Austro-Húngaro era aliado do Império Alemão. Logo, uma vitória austríaca sobre os sérvios formaria um longo “corredor” entre Alemanha, Áustria, os países dos Bálcãs e o Império Turco Otomano, que controlava o Oriente Médio. Por esse longo corredor, tudo poderia circular, muito especialmente petróleo, tirado de regiões como o Iraque e levado diretamente para Berlim.

Resumindo: uma vitória dos austríacos sobre os sérvios, naquele contexto, significaria que em pouco tempo os alemães teriam acesso livre a novos mercados e às maiores reservas de combustível fóssil do mundo.

É claro que todos os países que não eram parte desse “time” se arrepiaram. Rússia, França e Inglaterra declararam guerra ao bloco liderado pela Alemanha. Os dois primeiros países tinham motivos bastante concretos, pois faziam fronteira com os inimigos. Já a Inglaterra tinha razões mais econômicas: se os alemães saíssem vitoriosos, seu posto de maior potência capitalista do mundo seria roubada.

A Itália, porém, mudaria de lado alguns meses após o início da guerra.

Mais importante do que decorar essa “lista” de países, o essencial é perceber como a Europa estava polarizada em dois blocos e como isso foi decisivo. Embora cada nação tivesse seus objetivos particulares, suas decisões eram influenciadas pela linha geral adotada pelo bloco em que ele estivesse. O historiador Christopher Clark, num ótimo livro traduzido há relativamente pouco tempo para o português, fala melhor sobre esse assunto:

““A polarização do sistema geopolítico na Europa foi uma condição prévia essencial para a guerra que eclodiu em 1914. Era quase impossível prever que uma crise nas relações austro-sérvias, por mais grave que fosse, poderia arrastar a Europa para uma guerra continental. A bifurcação em dois blocos de alianças não causou a guerra; na verdade, contribuiu tanto para sofrear como para escalar os conflitos nos anos pré-guerra. Sem os dois blocos, porém, o conflito não teria começado como começou. O sistema bipolar estruturou o ambiente no qual as decisões cruciais foram tomadas” (CLARK, Christopher. Os sonâmbulos. Como eclodiu a Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Cia das Letras, 2014, p.151)

Portanto, esse “sistema bipolar” europeu não foi o causador da guerra, mas quando a guerra se tornou inevitável ele forçou quase todo o continente a embarcar junto num conflito que, em outras circunstâncias, poderia ser bem mais localizado.

A Primeira Guerra Mundial pode ser dividia em basicamente três fases.

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Muitos soldados mortos


As forças da Entente e da Aliança eram mais ou menos equilibradas. Ficou impossível avançar e os soldados dos dois lados foram obrigados a cavar trincheiras para se abrigar das bombas e balas de metralhadoras. Começava assim a segunda fase da guerra, a mais longa: a “guerra de trincheiras”, entre 1915 e 1917. Foi o período mais letal da guerra, pois os jovens soldados eram mortos não só por causa das ações do inimigo, mas também como decorrência das terríveis condições de higiene das trincheiras e das constantes falhas no abastecimento de comida, o que causava desnutrições. Nesses três anos, a Europa abandonou qualquer imagem “heroica” que ainda restava das guerras do passado. As guerras modernas não eram lutadas com honra e montando cavalos, mas sim no dia-a-dia tedioso e imundo das trincheiras na França.

 

Você sabia?

Esses dois trechos bastante conhecidos, tirados de depoimentos de combatentes reunidos por Modris Eksteins no livro clássico “A sagração da primavera”, dão uma boa ideia das condições enfrentadas pelos garotos europeus mandados para as trincheiras:

“Uma certa ferocidade surge dentro de você, uma absoluta indiferença para com tudo o que existe no mundo, exceto o seu dever de lutar. Você está comendo uma crosta de pão, e um homem é atingido e morto na trincheira perto de você. Você olha calmamente para ele por um momento e continua a comer o seu pão. Por que não?” / “Aqui desapareceu para sempre o cavalheirismo. Como todos os sentimentos nobres e pessoais, ele teve de ceder o lugar ao novo ritmo da batalha e ao poder da máquina. Aqui a nova Europa se revelou pela primeira vez no combate.” (EKSTEINS, Modris. A sagração da primavera.  Rio de Janeiro: Rocco, 1992.)

No front oriental, isto é, na linha de batalha entre os alemães, os austríacos e os turcos contra a Rússia, a situação era diferente. Houve avanço alemão durante esses anos, e os russos sofreram muitas baixas. Isso ajuda a explicar em parte porque eclodiu em 1917 uma revolução socialista no país – mas veremos isso em outra unidade.

Naquele ano, a sorte da Entente mudou, especialmente com a entrada dos Estados Unidos. Isso provocou um desequilíbrio de forças que levou, finalmente, à derrota final dos alemães em 1918. Esse período de avanço da Entente foi a terceira e última fase do conflito.

Mas por que os norte-americanos esperaram tanto para entrar no conflito? E por que mudaram de ideia? A principal explicação é econômica. Os americanos passaram toda a Primeira Guerra lucrando. Eles vendiam bens industriais para os Europeus, como armas, veículos, uniformes, alimentos enlatados, enfim, tudo aquilo de que precisam os países em guerra, com suas indústrias esgotadas ou bombardeadas. Também fizeram muitos empréstimos para os governos combatentes.

Porém, com a saída da Rússia em 1917, após a Revolução Bolchevique, os alemães poderiam concentrar forças no front ocidental e teriam assim uma chance real de vitória. Se isso ocorresse, todo esse investimento e esses empréstimos não seriam pagos nunca mais pela Inglaterra e pela França, os maiores credores. Os Estados Unidos decidiram então entrar no conflito e assegurar que a Tríplice Entente a venceria. De toda forma, a Primeira Guerra foi uma oportunidade incomparável de crescimento para a economia norte-americana.

6. Considerações finais: o legado da guerra

É impossível condensar aqui todos os impactos da Primeira Guerra Mundial, mas vamos ver alguns dos principais. Comecemos pela própria Europa: todos os grandes impérios do século XIX foram varridos pela guerra. O 2º Reich alemão, O Império Austro-Húngaro, o Império Turco-Otomano, todos estavam no lado perdedor da guerra. O Império Russo dos Romanov também se desfez, mas por outro motivo: a revolução socialistas de 1917, que estudaremos na próxima aula. A queda desses antigos territoriais deu a chance de que vários países independentes surgissem. Um em particular é muito importante: a Iugoslávia, que unificava regiões eslavas que antes eram do império austríaco (incluindo a Bósnia, onde a guerra havia começado) e também a Sérvia.

O sonho do 2º Reich chegava ao fim. Os alemães foram derrotados e obrigados a assinar o humilhante Tratado de Versalhes. Parte desse empenho em derrubar completamente a Alemanha era cortesia dos franceses, que tinham a chance de “dar o troco” após a humilhação que sofreram em 1871 na Guerra Franco-Prussiana. Esse tratado e as condições em q a Alemanha foi jogada serão essenciais para que, mais para frente, possamos entender os motivos da ascensão nazista.

Por fim, os Estados Unidos puderam despontar como potência mundial e começaram a ultrapassar a pujança industrial da Inglaterra. Donos de uma indústria já muito bem desenvolvida, montada, como vimos, ao longo de todo o século XIX, eles puderam financiar durante pelo menos uma década a reconstrução dos países europeus que estavam com seus parques industriais e sua infraestrutura (estradas, ferrovias, pontes, hospitais etc.) destruídos.  Esse crescimento impressionante dos anos 1920 também levaria a crises e reformulações políticas nos Estados Unidos.

De todo modo, a Primeira Guerra Mundial foi uma espécie de “introdução” ao século XX. Ela influenciou decisivamente tudo o que ocorreu depois e acabou, de certa forma, dando o “tom” de uma época que, como sabemos, foi marcada por décadas de catástrofes e conflitos sangrentos.

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