O período democrático pós-Estado Novo testemunhou a volta de Vargas ao poder, seu suicídio e a consolidação da industrialização no Brasil.
JK discursando diante de Benedito Valadares e Getúlio Vargas, em 12 de maio de 1940. |
Introdução
O período entre as décadas de 1940 e 1960 foi marcado por
mudanças intensas no cenário internacional. Com o fim da Segunda Guerra
Mundial, as principais potências vitoriosas - Estados Unidos e União Soviética
- enfrentaram o desafio de reorganizar o mundo dentro dos novos parâmetros
estabelecidos após o conflito. Inicialmente, essa reorganização ocorreu de
forma conjunta, mas logo se transformou em um amplo antagonismo. No contexto
dos países capitalistas, foi sob a liderança dos Estados Unidos que ocorreu
essa reestruturação, com a emergência dos EUA como a principal potência
mundial, tanto do ponto de vista militar quanto econômico.
Geopoliticamente, a nova ordem mundial foi moldada pela
luta entre as duas superpotências pelo controle ou fortalecimento de suas
esferas de influência. Essa disputa se desenrolou não apenas nas regiões
diretamente envolvidas na guerra, como Europa e Ásia, mas também em áreas que,
embora distantes dos conflitos, poderiam se tornar palco de novas disputas de
poder, como foi o caso da América Latina.
Do ponto de vista estratégico dos Estados Unidos no
pós-guerra, essa disputa resultou na Doutrina Truman e no início da Guerra Fria
em 1947. No entanto, do ponto de vista econômico, os EUA buscaram promover a
retomada do fluxo internacional de capital e comércio exterior, aproveitando
sua posição privilegiada entre as nações capitalistas para impulsionar uma
maior expansão. Para alcançar esse objetivo, era essencial combater as
principais características da economia global no período entre as guerras, como
o protecionismo, o nacionalismo econômico e as práticas de trocas bilaterais.
Desde o início da década de 1940, as principais lideranças norte-americanas já
buscavam discutir os rumos econômicos do pós-guerra, negociando com a
Inglaterra. Essas negociações culminaram no histórico Acordo de Bretton Woods,
assinado em Nova York em 1944 por representantes de mais de quarenta países.
Como resultado dessas negociações, surgiram duas
instituições fundamentais para a economia global nos anos seguintes: o Fundo
Monetário Internacional (FMI), responsável pela estabilização das taxas de
câmbio e estímulo ao comércio internacional, e o Banco Internacional para a
Reconstrução e Desenvolvimento (atual Banco Mundial), que visava resolver os
problemas de liquidez em dólares do novo sistema econômico, especialmente
relacionados à reconstrução europeia.
No contexto da América Latina, essa nova ordem econômica
internacional encontrou resistência. Os países latino-americanos desejavam
intensificar a cooperação econômica estabelecida com os Estados Unidos durante
a Segunda Guerra Mundial, buscando manter ou aumentar seu nível de
desenvolvimento por meio da industrialização. No entanto, essas desenvolvidos,
acreditando que as regras do livre mercado seriam suficientes para beneficiar a
todos.
Nesse contexto internacional, o Brasil também passou por
intensas transformações nas décadas de 1940 e 1950. Além do retorno à
democracia política após a guerra, o país experimentou um período inédito de
democracia em sua história.
Entre 1945 e 1964, a economia brasileira passou por grandes
mudanças estruturais e registrou um crescimento significativo, com taxas anuais
em torno de 6%. Houve uma mudança expressiva na contribuição de cada setor
econômico para o produto nacional, com destaque para o desempenho dinâmico da
indústria (9,1% ao ano) em comparação com a agricultura (4,6% ao ano). Esse
período marcou a consolidação do processo de industrialização no país,
representando uma transição do modelo agroexportador para o industrial, tanto
em termos de acumulação de capital quanto na participação relativa de cada
setor no crescimento do PIB.
Para compreender essa importante fase no cenário político e
econômico brasileiro a partir da década de 1940, é essencial analisar as
peculiaridades de cada governante do período, bem como os projetos e ações
desenvolvidos por eles em benefício da sociedade brasileira como um todo. É
essa perspectiva que iremos explorar nos próximos tópicos.
Este foi um período de profundas transformações, no qual o
Brasil desempenhou um papel ativo e enfrentou desafios e oportunidades que
moldaram seu futuro político, social e econômico. Ao compreendermos o contexto
internacional e as dinâmicas internas do Brasil nesse período, podemos
desvendar os caminhos percorridos pelo país rumo à sua modernização e
desenvolvimento.
Agora, convidamos você a embarcar nessa jornada de descobertas e aprofundamento sobre o Brasil nas décadas de 1940 e 1960.
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Saiba mais
A
partir de Bretton Woods, o dólar foi estabelecido como moeda forte do sistema
financeiro internacional. Foi definido que o dólar seria a moeda de troca
internacional e que o governo dos EUA garantiria que ele poderia ser convertido
em ouro. Isso significava na época que 35 dólares seria equivalente a uma onça
troy (unidade de peso equivalente a 31 gramas) de ouro. Isso deu uma enorme
vantagem ao imperialismo norte-americano, que só se pode explicar pela sua
forte hegemonia.
Polarização ideológica, Movimento Sindical e Transição Democrática: os rumos do Brasil
Desde sua formação nas décadas de 1930 e 1940, o
sindicalismo brasileiro foi marcado pela tutela do Estado sobre sua existência,
ação e organização. A Revolução de 1930 representou um marco inicial na
política trabalhista, impulsionando a promulgação de leis e decretos-lei no
campo do Direito do Trabalho.
A ideologia que sustentava as aspirações do movimento de
1930 buscava um equilíbrio entre os interesses das diferentes classes e frações
de classes, colocando o bem geral da nação acima delas. A ideologia populista
implementada alimentava a ilusão de que a incorporação dos órgãos sindicais ao
Estado permitiria a participação das camadas populares na cena política por
meio dessas instituições.
Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, os sindicatos
passaram a ser controlados pelo Estado. Para atingir esse objetivo, Vargas
criou o Ministério do Trabalho em 1930 e estabeleceu uma série de normas, como
o decreto 19.770 de 1931. Essas medidas incluíam o controle financeiro do
Ministério sobre os recursos dos sindicatos, a participação do Estado nas
assembleias sindicais, restrições a atividades políticas e ideológicas, veto à
filiação de trabalhadores a organizações sindicais internacionais, proibição da
sindicalização de funcionários públicos, definição do sindicato como órgão de
colaboração e cooperação com o Estado, e limitações à participação de operários
estrangeiros nos sindicatos.
Em 1932, foram promulgadas leis sociais e trabalhistas que
estabeleciam critérios de aposentadoria, jornada de trabalho de 8 horas e
proteção ao trabalho das mulheres. Essas conquistas foram resultado de anos de
luta dos trabalhadores, liderados por comunistas e sindicalistas. As leis
implementadas pelo governo Vargas tinham o objetivo de criar uma base social
operária para o Estado.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada em
1943, incorporou diversas vantagens trabalhistas conquistadas pelos sindicatos
e as estendeu para todas as categorias profissionais, independentemente de
estarem organizadas. No entanto, a estrutura sindical mantinha-se no
corporativismo, impedindo a articulação entre sindicatos de diferentes
categorias e subordinando-os ao Estado.
A Constituição de 1937 e a CLT confirmaram a Lei de
Sindicalização de 1931. Um elemento fundamental dessa nova estrutura foi o
imposto sindical, que consistia no pagamento obrigatório de um dia de salário
por ano por todo trabalhador, sindicalizado ou não. Esse imposto gerava grandes
recursos financeiros para o Estado e as corporações, porém, sua destinação
estava voltada para a beneficência e a função administrativa, excluindo fundos
de greve e propaganda política. Essa relação de dependência entre o movimento
operário e o Estado foi estabelecida.
A estrutura sindical construída durante o Estado Novo
permaneceu no período pós-guerra, conhecido como nacional desenvolvimentista, de 1945 a 1964.
Nesse período, o Estado se associou ao grande capital internacional para
promover a industrialização e um projeto nacional de infraestrutura,
consolidando assim o modo de produção capitalista baseado na indústria. A
classe operária ganhou cada vez mais importância, principalmente nos grandes
centros, sendo o ABC paulista o núcleo mais dinâmico desse movimento.
Apesar das leis
restritivas impostas por Vargas, o período do getulismo foi marcado por
intensas greves e uma crescente luta sindical. Nos anos 1940, o movimento
sindical voltou a ganhar força, mesmo diante das restrições impostas pelo
Estado Novo, que persistiram após o fim desse período em 1945. Foi somente nos
anos 1960 que a luta sindical atingiu seu ápice, com enormes manifestações
grevistas e a criação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) durante o III
Congresso Sindical Nacional.
O sindicalismo
brasileiro, ao longo de sua história, tem enfrentado desafios e resistido à
tutela estatal sobre sua autonomia e organização. Apesar das limitações
impostas, os sindicatos e os trabalhadores persistem em lutar por melhores
condições de trabalho, direitos e representatividade. A trajetória sindical no
Brasil reflete a busca contínua por uma transição para a democracia plena, em
que os trabalhadores tenham voz ativa e participação efetiva na construção de
um país mais justo e igualitário.
Figura 1 - Essa faixa estava presente na celebração do Dia do Trabalhador no estádio municipal do Pacaembú, em São Paulo, 1944. Fonte: História Ilustrada, 2015. |
Após a queda do Estado Novo, o Presidente do Supremo
Tribunal Federal, José Linhares, assumiu temporariamente a presidência da
República em 1945. Foi um período de transição democrática acordado entre os
militares e a oposição liberal, com eleições marcadas para 2 de dezembro
daquele ano e a promessa de uma nova Constituição.
No entanto, essa transição democrática não abriu espaço
para o avanço do pensamento comunista. Assim que assumiu a presidência, José
Linhares ordenou o saque das sedes do Partido Comunista do Brasil (PCB),
alegando ser uma medida necessária para a estabilidade política exigida pelo
agitado cenário da época. Além disso, substituiu interventores varguistas por
representantes liberais, consolidando a mudança de rumo político.
O segundo semestre de 1945 foi marcado por uma acirrada
disputa entre o candidato liberal Eduardo Gomes, pela União Democrática
Nacional (UDN), e seu opositor, Eurico Gaspar Dutra, do Partido Social
Democrático (PSD). A maioria da classe média urbana e do empresariado liberal
apoiava a bandeira udenista, e os eleitores urbanos pareciam concordar, graças
ao lema peculiar "vote no Brigadeiro, que ele é solteiro!".
No entanto, a intervenção política de Getúlio Vargas foi
decisiva para influenciar o resultado das eleições em favor de Dutra. Quatro
dias antes das eleições, Vargas fez um pronunciamento público convocando o
eleitorado operário a votar em Dutra, ao qual Eduardo Gomes respondeu de forma
incisiva, declarando que "não precisa dos votos de marmiteiros". A
referência aos operários era clara. O resultado eleitoral de 1945 foi
surpreendente, pois Dutra venceu as eleições com 55% dos votos, enquanto
Eduardo Gomes conquistou apenas o eleitorado de alguns Estados nordestinos.
Getúlio Vargas foi um dos grandes vencedores das eleições
de 1945, não apenas pelo seu papel na vitória de Dutra, mas também por se
beneficiar da legislação eleitoral. Ele concorreu simultaneamente ao Senado em
cinco Estados e a deputado federal em nove. Acabou sendo eleito senador pelo
Rio Grande do Sul e por São Paulo, além de deputado em outros sete Estados. Vargas
optou por assumir o cargo de senador pelo PSD do Rio Grande do Sul,
consolidando sua posição política no cenário nacional.
Dos
Anos de Autoritarismo à Volta de Vargas
A Quarta República, também conhecida como Era Populista,
marcou um significativo período na história do Brasil, iniciado em 1946 com a
posse de Eurico Gaspar Dutra e encerrado em 1964 com o Golpe Civil-Militar que
deu início à Ditadura Militar. Essa fase política foi caracterizada por
intensas tensões políticas e pela implementação de políticas de desenvolvimento
no país. Durante esse período, o Brasil testemunhou uma série de desafios e
transformações que moldaram sua trajetória.
Os
Desafios da Era Dutra: Constituição, Economia e Conflitos Sociais (1946-1951)
No
final de janeiro de 1946, Eurico Gaspar Dutra assumiu a presidência e deu
início aos trabalhos da Constituinte. Em setembro, a nova Constituição
brasileira foi promulgada, afastando-se dos princípios da Carta de 1937 e
adotando um formato mais liberal-democrático. O Brasil foi definido como uma
República federativa, estabelecendo-se as atribuições da União, dos Estados e
dos municípios, assim como as responsabilidades dos três poderes: Executivo,
Legislativo e Judiciário.
No
que diz respeito ao capítulo sobre a ordem social e econômica, foram
estabelecidos critérios para o aproveitamento de recursos minerais e de energia
elétrica. Na esfera social, foram enumerados os benefícios mínimos que a
legislação deveria garantir, semelhantes aos previstos na Constituição de 1934.
Como novidade, previu-se a participação dos trabalhadores nos lucros das
empresas, desde que regulamentada por lei. No entanto, essa medida acabou se
tornando inefetiva, uma vez que nenhuma legislação específica foi aprovada
durante a vigência da Constituição.
No
campo sindical, o imposto sindical e a figura do "pelego" foram
mantidos. Os sindicatos não perderam sua função social e continuaram a
desempenhar o papel de mediadores entre os operários e o Estado. A
regulamentação das greves não demorou a chegar, com um decreto-lei emitido por
Dutra que restringia significativamente o direito de greve, definindo a maioria
das profissões como atividades essenciais ao Estado.
Enquanto
na Europa a Guerra Fria influenciava a política externa do bloco ocidental, no
Brasil, o Supremo Tribunal Federal proibiu o Partido Comunista Brasileiro
(PCB). Alegava-se que os comunistas iam contra os princípios democráticos da
Constituição, e o PCB era frequentemente associado à União Soviética, o novo
rival das democracias europeias. A repressão aumentou, sindicatos desobedientes
foram extintos e os demais foram controlados e intervencionados minuciosamente.
Em maio de 1948, os deputados, senadores e vereadores eleitos pelo PCB perderam
seus mandatos.
No
aspecto econômico, durante a primeira metade do governo de Dutra, adotou-se um
modelo liberal-ortodoxo, seguindo os princípios do Acordo de Bretton Woods e a
política do governo Truman dos Estados Unidos. Para combater a alta inflação
causada pela emissão excessiva de moeda durante o Estado Novo, o ministro da
Fazenda, Pedro Luís Correia e Castro, flexibilizou o controle cambial. Embora não
tenha sido uma política cambial totalmente ortodoxa, já que a taxa de câmbio
permaneceu fixa devido aos acordos de Bretton Woods, facilitou-se o acesso à
moeda estrangeira.
A manutenção da taxa de câmbio fixa teve várias consequências, como a perda de mercado das exportações brasileiras (exceto café) no exterior devido à inflação interna e à taxa de câmbio fixa, que elevava os preços dos produtos brasileiros. No entanto, a combinação de uma taxa de câmbio valorizada com o controle das importações (para barrar produtos supérfluos ou similares aos nacionais) a partir de 1947 teve um triplo efeito favorável à industrialização por substituição de importações: subsídio às importações de bens de capital e intermediários, protecionismo contra a importação de produtos concorrentes e aumento da lucratividade da produção para o mercado interno.
Dutra incentivou a expansão da moeda, pois estava prestes a lançar o Plano SALTE, aprovado pelo Congresso em maio de 1947. O plano econômico tinha como objetivo estimular o desenvolvimento dos setores relacionados à saúde, alimentação, transporte e energia, daí a sigla SALTE. Apesar da realização de algumas obras, como a construção da rodovia Presidente Dutra, que liga o Rio de Janeiro a São Paulo, o plano carecia de um planejamento preciso. Parecia mais uma política de estímulo econômico rápido do que um programa de longo prazo.
No entanto, no geral, a economia
brasileira teve um bom desempenho durante esse período. No entanto, o bom
desempenho econômico não se traduziu em uma distribuição equitativa dos frutos
do crescimento. O governo Dutra foi caracterizado pela restrição dos salários,
especialmente do salário mínimo, que ficou congelado ao longo do período.
Dessa forma, o governo Dutra abriu espaço para o crescimento do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), consolidando gradualmente sua posição junto à classe trabalhadora, uma vez que o PCB estava ilegalizado e seus representantes tiveram seus mandatos cassados. Ao mesmo tempo, Vargas fortaleceu sua imagem como "pai dos pobres", um projeto político que ele vinha construindo desde o final do Estado Novo. Isso reforçou a política trabalhista e abriu caminho para seu retorno ao poder.
Saiba mais
Segundo
alguns economistas, os setores ou departamentos da economia seriam dois: O
Departamento I, produtor de bens de capital e de bens intermediários, isto é,
os bens de produção e também aquele em que se encontra a indústria pesada ou de
base, incluindo a indústria química, de aço, de cimento, etc. O Departamento
II, produtor de bens de consumo (bens de consumo de luxo, os duráveis e os bens
de consumo simples, os não duráveis).
Getúlio
Vargas: O Segundo Mandato e os Conflitos Sociais (1951-1954)
Após assumir a presidência em 31 de janeiro de 1951,
Getúlio Vargas enfrentou tentativas fracassadas da UDN de impugnar sua eleição.
Alegavam que apenas o candidato com maioria absoluta dos votos poderia ser
considerado vencedor, embora essa exigência não estivesse prevista na
legislação da época.
Essa situação revelou as contradições dos liberais, que,
inicialmente defensores da legalidade democrática, não conseguiram conquistar a
maioria nas eleições mais importantes. Como resultado, passaram a contestar os
resultados eleitorais com argumentos duvidosos ou a apelar cada vez mais para a
intervenção militar.
Vargas iniciou seu governo buscando desempenhar, dentro de
um regime democrático, um papel que já havia exercido anteriormente: o de
árbitro diante das diversas forças sociais. Ele tentou atrair a UDN e formou um
ministério conservador, com predominância de membros do PSD. No entanto, para o
cargo de ministro da Guerra, nomeou um general ligado à corrente nacionalista
do Exército.
A menção a essa corrente dentro do Exército indicava que as
divergências de opinião entre os membros das Forças Armadas haviam se
cristalizado ao longo do tempo em perspectivas conflitantes. Essas perspectivas
estavam relacionadas às divisões que ocorriam na sociedade e tinham uma
dimensão específica no contexto da instituição militar. A divisão fundamental
se dava entre os nacionalistas e os entreguistas, abrangendo tanto a política
econômica interna quanto a posição do Brasil nas relações internacionais.
Vale destacar que os nacionalistas defendiam um
desenvolvimento baseado na industrialização, enfatizando a necessidade de criar
um sistema econômico autônomo e independente do sistema capitalista
internacional. Isso envolvia conceder ao Estado um papel importante como
regulador da economia e como investidor em setores estratégicos, como petróleo,
siderurgia, transporte e comunicações. Embora não rejeitassem o capital
estrangeiro, impunham muitas restrições a ele, seja por motivos econômicos,
seja por acreditar que investimentos estrangeiros em setores estratégicos
colocariam em risco a soberania nacional.
Por outro lado, os opositores dos nacionalistas defendiam
uma intervenção estatal menor na economia, não dando tanta prioridade à
industrialização, e sustentavam que o progresso do país dependia de uma
abertura controlada ao capital estrangeiro. Também defendiam uma postura
rigorosa de combate à inflação, por meio do controle da emissão de moeda e do
equilíbrio dos gastos governamentais.
Enquanto os nacionalistas e os liberais conservadores
travavam uma luta política tanto no cenário civil quanto no militar, Getúlio
Vargas buscava conquistar o apoio das classes trabalhadoras urbanas. Essa seria
sua base de sustentação caso os militares optassem por deixar os quartéis e
marchar em direção ao Palácio do Catete. Vargas procurou flexibilizar a
participação sindical, aproximando-se, se necessário, dos movimentos
trabalhistas, inclusive dos comunistas.
O Segundo Governo Vargas foi um período marcado por um
intenso crescimento e transformações na economia brasileira, impulsionado pela
industrialização. Durante esse período, foram adotadas uma série de iniciativas
pelo governo que não apenas contribuíram para o crescimento econômico
momentâneo, mas também estabeleceram as bases para as mudanças estruturais que
viriam nos anos seguintes.
Quando Vargas assumiu o governo, teve que tomar medidas
para combater a inflação, que já atingia a taxa anual de 12%, considerada
bastante alta em comparação com os 2% registrados em 1947. Apesar das políticas
fiscais e monetárias restritivas adotadas, a inflação persistiu, em grande
parte devido ao aumento das receitas em moeda estrangeira provenientes do café,
que, quando convertidas em cruzeiros, resultavam na expansão da massa monetária
e, por fim, na manutenção da inflação.
Além disso, a eclosão da Guerra da Coreia exigiu que o
governo contraísse empréstimos externos, uma vez que se previa o aumento dos
preços dos produtos importados, prejudicando o balanço de pagamentos. É
importante ressaltar que, entre 1950 e 1952, a inflação não ultrapassou os 12%.
No entanto, o governo adotou o modelo nacional-desenvolvimentista, no qual os
investimentos públicos deveriam impulsionar a industrialização do Brasil.
Nesse sentido, houve flexibilização do crédito e expansão
dos gastos públicos. Vargas promoveu a abertura de linhas de crédito para os
setores de transporte e energia, aumentou a capacidade portuária nacional e
disponibilizou energia para regiões menos desenvolvidas, como o Nordeste. O
Banco do Brasil tornou-se o motor do crescimento nacional, pelo menos até junho
de 1952, quando foi criado o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico). Essa iniciativa foi fruto da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
para o Desenvolvimento Econômico (CMBEU).
A partir de 1952, o BNDE assumiu a responsabilidade pela
industrialização brasileira, contando com o apoio do Eximbank e do Tesouro
Nacional para garantir os investimentos necessários. A CMBEU foi resultado de negociações
entre o Brasil e os Estados Unidos, ainda no governo de Eurico Gaspar Dutra,
com o objetivo de ampliar o financiamento para a modernização da infraestrutura
brasileira. Em 1953, a inflação atingiu os 20% ao ano em alguns momentos.
Determinado a seguir a lógica do desenvolvimentismo
nacional, Vargas adotou uma política de manutenção dos preços do café em
patamares elevados, o que irritou os importadores dos Estados Unidos. Em
outubro de 1953, Vargas definiu, por meio da Lei 2004/53, as atribuições do
Conselho Nacional do Petróleo, que seria responsável pela administração da nova
empresa estatal do setor petrolífero, a Petrobras.
A campanha para aprovar a lei que estabelecia o monopólio
do petróleo causou grande comoção nacional (pois
representava a consolidação do controle nacional sobre esse recurso
estratégico), e Vargas também decretou a Instrução nº 70 da SUMOC, abandonando
o sistema de taxa de câmbio fixa estabelecido pelos acordos de Bretton Woods.
Em abril de 1954, optou-se pela criação da Eletrobrás, uma empresa estatal no
setor energético.
A reação dos
Estados Unidos foi imediata. O Secretário de Estado, John Foster Dulles,
instruiu a embaixada dos EUA no Brasil a pressionar o governo de Vargas a
respeitar a proposta original de criação da Petrobras, que previa a
participação de acionistas privados, tanto nacionais como estrangeiros,
conforme acordado na CMBEU. No entanto, essas pressões não tiveram sucesso. A
Instrução nº 70 da SUMOC, por sua vez, estabeleceu um sistema de múltiplas taxas
de câmbio, visando impulsionar a industrialização por meio da substituição de
importações.
Enquanto muitos
brasileiros clamavam "o petróleo é nosso", alguns poucos condenavam a
participação do Estado em todos os setores da economia. Nessa conjuntura, a UDN
fez uma exceção e apoiou a campanha nacionalista, defendendo o monopólio
estatal do petróleo. As acusações de Carlos Lacerda ecoavam estridentemente nos
ouvidos de Vargas, aumentando a insatisfação entre os militares.
O segundo governo
de Getúlio Vargas foi marcado por um intenso embate entre nacionalistas e
conservadores liberais, tanto no âmbito político civil quanto no militar.
Enquanto isso, Vargas buscava ampliar seu apoio entre as classes trabalhadoras
urbanas, que se tornariam o sustentáculo de seu governo caso os militares
decidissem abandonar os quartéis e marchar em direção ao Palácio do Catete.
Esse período
ficou registrado como um momento de significativo crescimento econômico e
transformações estruturais no Brasil. A industrialização se tornou a principal
força impulsionadora, e o governo de Vargas implementou medidas que
fortaleceram a economia nacional, mesmo diante de pressões internacionais.
Figura 2 - A História da Campanha o Petróleo é Nosso. Fonte: GGN, 2013 |
Os discursos de Vargas ecoavam críticas ao capitalismo
ganancioso e à especulação estrangeira, talvez buscando encontrar um inimigo
externo para fortalecer as alianças internas. No entanto, essa estratégia não
obteve sucesso, pois em 1953 eclodiram greves em várias cidades brasileiras,
como Belém, Rio de Janeiro, Santos e São Paulo. Trabalhadores dos setores
têxtil, marítimo, vidreiro e marceneiro estavam insatisfeitos com a crescente
inflação, que resultava em um aumento do custo de vida.
Diante dessa crise, Vargas nomeou João Goulart como
Ministro do Trabalho em junho de 1953, atribuindo-lhe a tarefa de mediar entre
trabalhadores e empresários. Em fevereiro de 1954, Goulart autorizou um aumento
de 100% no salário mínimo. A oposição interpretou esse gesto como uma forma de
angariar apoio político e rapidamente consolidou sua frente de combate.
A UDN, liderando a oposição formal, não perdeu a
oportunidade de intensificar seu embate contra Vargas. Carlos Lacerda utilizou
seu jornal, a Tribuna da Imprensa, para lançar uma ampla campanha contra o
governo, e a UDN prontamente apoiou sua causa. As tensões também se acentuaram
no ambiente militar. Enquanto a Aeronáutica não poupava esforços para condenar
o nacionalismo varguista, um grupo de oficiais de alta patente do Exército, sob
a liderança do general Golbery do Couto e Silva, lançou o manifesto dos
coronéis, acusando Vargas de promover uma divisão política capaz de fragmentar
a nação.
Vargas cedeu parcialmente às constantes condenações em
relação ao aumento de 100% no salário mínimo, respondendo com a demissão de
João Goulart. Essa foi uma solução de compromisso, pois se ele deixasse de
conceder o aumento, perderia o apoio dos sindicatos. Por outro lado, se
mantivesse Goulart como Ministro do Trabalho, não haveria paz no meio militar.
Faltava apenas um pretexto para desencadear a queda de
Vargas. O frenesi político da época levou os aliados de Getúlio a sugerir um
golpe fatal contra Lacerda. Gregório Fortunato, conhecido como o "anjo
negro" de Vargas por sua participação no fuzilamento de integralistas em
1938, foi encarregado dessa tarefa mórbida: assassinar Carlos Lacerda.
No fatídico dia 5 de agosto de 1954, Fortunato e seus
comparsas dirigiram-se à rua Tonelero, onde residia Carlos Lacerda, mas, devido
a um imperdoável descuido, acabaram assassinando o Major Rubens Vaz, que
pertencia à Aeronáutica. Nada poderia ser pior para Vargas. Ele perdeu o apoio
das Forças Armadas e se viu obrigado a renunciar. Poucos dias depois, em 24 de
agosto de 1954, Vargas optou por tirar a própria vida.
Deixou para o público uma carta-testamento, Na
carta-testamento, Vargas expôs as razões que o levaram a cometer esse ato
trágico. Ele mencionou os inimigos internos e externos, como o capital
estrangeiro, as pressões contra o monopólio da Petrobras e a ferrenha oposição
da UDN e dos militares. Não por acaso, Vargas também enalteceu os esforços em
prol das garantias trabalhistas e da defesa do Estado.
Com sua partida, Vargas deixou um legado complexo e
controverso na história política brasileira. Sua trajetória como líder
populista e defensor dos trabalhadores é lembrada por muitos como um período de
avanços sociais e econômicos, mas também é marcada por conflitos e tensões que
culminaram em seu trágico fim.
O suicídio de Vargas abalou o país e provocou uma comoção
nacional. Sua morte não apenas encerrou um capítulo importante na história
política brasileira, como também desencadeou mudanças significativas no cenário
político do país. Os eventos que se seguiram à sua partida levaram a uma
reorganização das forças políticas e pavimentaram o caminho para uma nova era
na política brasileira.
Getúlio Vargas, com sua figura enigmática e polêmica,
continua sendo objeto de estudo e debate até os dias atuais. Sua influência e
legado deixaram marcas profundas na sociedade brasileira, sendo um dos
personagens mais emblemáticos da história do país. Sua vida e seu fim trágico
são testemunhos de um período conturbado e crucial na construção da identidade
política e social do Brasil.
Crise Política e Sucessão
Conturbada: O Brasil após o Governo Vargas
Após
o trágico suicídio de Vargas, o vice-presidente Café Filho assumiu a
presidência e governou de 1954 a 1955. Durante seu breve mandato, Café Filho
formou seu ministério com membros da UDN. Em um curto espaço de tempo, ele
nomeou dois ministros da Fazenda: Eugênio Gudin, um economista ultraliberal, e
José Maria Whitaker, um banqueiro representante da cafeicultura paulista.
Eugênio
Gudin era considerado o oposto do governo Vargas, sendo um crítico das
propostas desenvolvimentistas defendidas por Vargas. Ele defendia uma política
econômica clássica de estabilização, priorizando o combate à inflação por meio
do controle da emissão monetária e do crédito, além da redução dos gastos
governamentais para controlar os déficits públicos. Sua política em relação ao
café não atendeu às expectativas otimistas dos cafeicultores.
Uma
das principais ações de Gudin foi a implementação da Instrução 113 da Sumoc,
que permitia que empresas estrangeiras instaladas no país importassem máquinas
e equipamentos sem a necessidade de cobertura cambial. Além disso, ele buscou
reduzir os gastos públicos, especialmente em investimentos, e implementou uma
política rigorosa de contração monetária e de crédito. O resultado dessas ações
foi uma falta de liquidez na economia, que desencadeou uma crise bancária e um
aumento de falências e concordatas no Rio de Janeiro e em São Paulo.
As
concessões feitas por Café Filho em troca do apoio de Jânio Quadros, governador
de São Paulo, para a sucessão presidencial resultaram na queda de Gudin em 4 de
abril de 1955 e na nomeação de José Maria Whitaker, um banqueiro paulista, para
o cargo de ministro da Fazenda. Assumindo o cargo, Whitaker enfrentou uma crise
bancária ainda mais séria decorrente da política contracionista de Gudin.
Sua
principal ação foi recuperar a liquidez da economia por meio da atuação do
Banco do Brasil, já que seu antecessor havia limitado a capacidade de
empréstimos. No entanto, ele foi exonerado do cargo antes de conseguir
implementar uma reforma cambial que visava unificar as diversas taxas cambiais
existentes, e tampouco conseguiu proteger os interesses da cafeicultura.
As
eleições presidenciais marcadas para 3 de outubro de 1955 geraram grandes
expectativas, com os grupos contrários aos seguidores de Vargas fazendo de tudo
para impedir seu retorno ao poder. O principal alvo era Juscelino Kubitschek,
candidato do PSD e governador de Minas Gerais.
Esses
grupos contrários ao projeto getulista lutavam para que JK desistisse de sua
candidatura. No entanto, apesar das pressões dos militares, das manobras de
Café Filho e dos discursos de Carlos Lacerda, a campanha de Juscelino
Kubitschek seguiu com muito sucesso, contando com a bem-organizada seção
estadual do PSD de Minas Gerais e o inegável carisma do candidato.
Saiba mais
A
Política fiscal e monetária contracionista tem por objetivo combater a inflação
e manter o equilíbrio das contas públicas. É uma política defendida por economistas
liberais conservadores.
JK tinha fama de ser um excelente administrador. Durante
seu mandato como prefeito da capital do estado, ele demonstrou uma gestão
modernizadora e realizou várias obras em um curto espaço de tempo, sendo
conhecido como o "prefeito furacão". As propostas de Juscelino
Kubitschek visavam dar continuidade ao projeto desenvolvimentista de Vargas,
buscando intensificar a industrialização por meio do Processo de Substituições
de Importações (PSI).
Nas eleições presidenciais, Juscelino (PSD/PTB) saiu
vitorioso com pouco menos de 36% dos votos. Metade dos estados do Nordeste
preferiu a candidatura de Juarez Távora, apoiado pela UDN, que obteve 30% dos
votos, enquanto Ademar de Barros, do PSP, ficou com 25% e Plínio Salgado, do
PRP, obteve os 9% restantes.
A estreita margem de vitória de JK irritou a oposição. Após
a morte do general Canrobert, em novembro de 1955, o coronel Mamede, que havia
lutado contra o nacionalismo getulista ao lado de Canrobert, fez declarações
ofensivas contra a vitória de Juscelino. Alegava-se uma suposta fragilidade na
legalidade, o que foi prontamente apoiado pela UDN. Acusavam Juscelino de ter
angariado votos comunistas, apesar da ilegalidade do PCB. Estimava-se que cerca
de 6% dos votos para a chapa de Juscelino vieram dos setores comunistas,
levantando questionamentos sobre a legalidade das eleições de 1955.
Em novembro de 1955, Café Filho sofreu um ataque cardíaco.
O presidente da Câmara, Carlos Luz, assumiu a presidência interinamente.
Durante esse período, o general Lott, então ministro da Guerra, instigou a
punição de Mamede, mas tal medida só poderia ser autorizada pelo Presidente da
República. Carlos Luz ignorou o caso de Mamede, o que levou à demissão de Lott
de seu cargo, porém não resultou em uma renúncia à legalidade. Assim começou o
episódio conhecido como novembrada, ou golpe preventivo.
O general Lott reuniu tropas do Exército para garantir a
legalidade da transição política, enquanto a Marinha e a Aeronáutica se
opuseram a ele. No dia 11 de novembro de 1955, as forças de Lott prevaleceram,
e Carlos Luz e Lacerda se refugiaram a bordo do navio Tamandaré. Embarcaram
para Santos, onde cogitaram resistir à posse de Juscelino. Esses foram os
últimos estertores políticos ouvidos na Baía de Guanabara.
O Congresso Nacional decidiu empossar Nereu Ramos, então
presidente do Senado, até que Juscelino assumisse a presidência. Mais uma vez,
respeitava-se a linha de sucessão presidencial. Em janeiro de 1956, Juscelino
Kubitschek assumiu a presidência, sendo o último presidente eleito a governar o
país a partir do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.
A ascensão de Juscelino Kubitschek à presidência marcou um
novo capítulo na história política do Brasil. Sua gestão ficou conhecida como
um período de intensas transformações e avanços, impulsionando o
desenvolvimento econômico e social do país.
Durante seu mandato, Juscelino implementou o ambicioso
Plano de Metas, que visava promover o crescimento industrial, a modernização da
infraestrutura e o avanço tecnológico. Grandes obras foram realizadas, como a
construção de Brasília, a inauguração de rodovias e a promoção da indústria
automobilística, que impulsionou o setor produtivo e gerou empregos.
Além disso, Juscelino buscava fortalecer a integração
regional e internacional do Brasil. Ele estabeleceu relações diplomáticas com
diversos países, ampliando os laços comerciais e a cooperação bilateral. Sua
política externa ativa e diplomática rendeu ao Brasil maior visibilidade no
cenário internacional.
No campo social, Juscelino também implementou medidas
importantes, como a criação da Petrobras, visando o aproveitamento dos recursos
naturais do país, e a promoção da educação e cultura, com investimentos na
construção de escolas e incentivo às artes e à cultura brasileira.
Apesar das críticas e desafios enfrentados, Juscelino
Kubitschek deixou um legado significativo para o país. Seu governo ficou
marcado pela visão progressista, pelo estímulo ao desenvolvimento econômico e
pela promoção de mudanças estruturais importantes.
Em suma, Juscelino Kubitschek foi um presidente visionário
e determinado, que deixou sua marca na história do Brasil. Seu compromisso com
o progresso e o bem-estar social do país continuam sendo lembrados e celebrados
até os dias de hoje.
Juscelino Kubitschek: O Brasil em
Transformação - Parte I
O
governo liderado por Café Filho enfrentou uma grave crise política que se
revelou mais ameaçadora do que a instabilidade econômico-financeira que o
Brasil vinha enfrentando. O governo de Café Filho, influenciado pela UDN,
interrompeu o projeto de industrialização iniciado por Vargas, que havia dado
ênfase às estatais. Por sua vez, Juscelino Kubitschek planejava retomar esse
projeto, porém com algumas modificações.
A
proposta de Juscelino era desenvolver a industrialização com base em bens de
consumo duráveis, ao contrário do governo Vargas, que havia focado na indústria
de base. É importante destacar que Juscelino se beneficiou da recuperação
econômica dos países europeus, que já haviam se recuperado plenamente após a
Segunda Guerra Mundial.
Apesar
de manter uma aliança com os Estados Unidos, Juscelino buscava obter apoio
norte-americano por meio de iniciativas diplomáticas incisivas. Além disso,
abriu a economia brasileira para investimentos estrangeiros europeus,
despertando interesse tanto das empresas quanto do governo dos Estados Unidos.
Juscelino
não parecia interessado em realizar ajustes na economia. No início de seu
mandato, economistas como Lucas Lopes e Roberto Campos sugeriram um programa de
estabilização monetária e ajuste cambial semelhante ao de Eugênio Gudin, no
entanto, Juscelino descartou essa proposta, pois estava decidido a liderar uma fase
de grandes investimentos e industrialização.
Durante
seu mandato, Juscelino Kubitschek implementou o lema "cinquenta anos em
cinco", que também foi central em sua campanha. Esse lema representava o
Plano Nacional de Desenvolvimento, conhecido como Plano de Metas, que
estabelecia uma série de objetivos concretos a serem alcançados até o final de
seu governo.
No
período entre 1951 e 1953, durante o governo Vargas, iniciou-se a atividade de
planejamento no país. Foi estabelecida a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
(CMBEU) com o objetivo de desenvolver projetos a serem financiados pelo
Eximbank e pelo BIRD. Mais tarde, em 1953, foi criado o Grupo Misto BNDE-CEPAL,
que se tornaria a base do Plano de Metas, composto por 31 metas, incluindo a
construção de Brasília.
O trabalho desse grupo consistia em realizar um
levantamento detalhado dos principais desafios enfrentados pela economia
brasileira, especialmente nos setores de transporte, energia e alimentação.
Além disso, buscavam identificar áreas com demanda reprimida, que não poderiam
ser supridas por meio de importações devido à escassez de divisas no país. Com
base nesse diagnóstico, as comissões propunham projetos e planos específicos
para superar esses desafios, considerando as necessidades decorrentes da
introdução de novos setores industriais, como a indústria automobilística.
Saiba mais
A
CEPAL é uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas e sua sede está em
Santiago do Chile. Foi fundada para contribuir com o desenvolvimento econômico
da América Latina, coordenar as ações encaminhadas à sua promoção e reforçar as
relações econômicas dos países entre si e com as outras nações do mundo.
Posteriormente, seu trabalho foi ampliado aos países do Caribe e se incorporou
o objetivo de promover o desenvolvimento social.
Expansão
do Setor Automobilístico no Brasil: Um Marco do Plano de Metas de Juscelino
Kubitschek
Até
então, o setor automobilístico no Brasil enfrentava dificuldades para se
expandir devido às restrições às importações. Os automóveis que circulavam
pelas estradas brasileiras dependiam inteiramente de importações, como os
conhecidos "Ford Pé de Bode" ou "Ford Bigode", montados
aqui pela companhia norte-americana desde 1929. No entanto, uma grande
transformação ocorreu com o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek,
impulsionando significativamente a indústria de automóveis, caminhões e
motores.
Para
coordenar o plano, Juscelino estabeleceu o Conselho do Desenvolvimento
Econômico. Além disso, foram criados grupos de trabalho responsáveis pelo
estudo de metas específicas, bem como grupos executivos voltados para a
implementação efetiva dos projetos, promovendo a articulação entre a
administração pública e o setor privado. Esses grupos eram compostos por
técnicos, especialistas e executivos empresariais familiarizados com cada ramo,
alguns dos quais haviam participado da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos.
A
política econômica de Juscelino era essencialmente desenvolvimentista, mas ele
reconhecia os benefícios que o capital estrangeiro poderia trazer ao seu Plano
de Metas. O Estado não seria o único responsável pela industrialização,
conforme defendido pelos nacional-desenvolvimentistas, mas atuaria como um
indutor do mercado. Em outras palavras, o financiamento do Plano de Metas seria
sustentado por um tripé econômico: investimentos públicos na infraestrutura,
como transporte, comunicações e energia; investimentos estrangeiros diretos na
produção de bens duráveis; e investimentos privados nacionais nos bens não
duráveis. Nesse sentido, a ideia era incentivar, em vez de restringir, o
ingresso de capital externo.
É
importante ressaltar o papel da Instrução 113 da SUMOC, que facilitou o
ingresso de bens de capital das matrizes para as filiais no Brasil,
beneficiando os projetos de Juscelino. A importação de equipamentos sem
cobertura cambial impulsionou os setores de transporte e comunicações, sendo a
indústria automobilística um exemplo notável.
Logo no início de seu governo, Juscelino estabeleceu o
Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), uma agência destinada a
estimular e incentivar o capital privado, nacional ou estrangeiro, a investir
na produção de veículos leves e pesados no Brasil. Essa medida contribuiu
significativamente para o desenvolvimento do setor automobilístico durante seu
mandato.
Figura 3 - JK explica seu Plano de Metas durante a conferência “O Desenvolvimento Econômico e as Metas do Governo” no Clube Militar. Rio de Janeiro, 1959. Fonte: Memorial da Democracia, 2019 |
A Era Juscelino Kubitschek: Avanços
e Transformações - Parte II
O Plano de Metas desempenhou um papel crucial ao
impulsionar o Processo de Substituição de Importações (PSI), especialmente no
setor de bens duráveis e em áreas relevantes dos bens de capital, como a
fabricação de máquinas-ferramenta e equipamentos personalizados, com destaque
para o setor pesado de energia.
Empresas multinacionais rapidamente assumiram um domínio
significativo na indústria de transformação do Brasil, particularmente nos
setores mais dinâmicos. Essa presença estrangeira maciça resultou em uma
economia brasileira altamente aberta e com forte influência internacional.
Essa situação gera uma conclusão paradoxal em relação à
economia brasileira: embora o processo de industrialização baseado na
substituição de importações tenha consolidado o mecanismo de reserva de
mercado, que limitava a importação de produtos similares produzidos
internamente, ao mesmo tempo, resultou em uma abertura sem precedentes ao
capital estrangeiro.
Vale destacar que a avaliação da implementação do Plano de
Metas revela um desempenho geralmente positivo em relação às metas setoriais. A
maioria delas alcançou taxas de realização satisfatórias em comparação às
previsões estabelecidas.
A confluência da Instrução 113 com o GEIA ensejou a
estabelecimento de conglomerados automobilísticos multinacionais. A região do
ABC paulista presenciou a irrupção imponente da General Motors, Ford, Willys
Overland e, de modo mais emblemático, da Volkswagen. O paradigma arcaico de
transporte ferroviário movido a carvão foi paulatinamente substituído pelo
paradigmático modelo viário movido a petróleo.
Do ponto de vista numérico, é inquestionável a magnitude do
crescimento industrial naquele período: a produção industrial expandiu-se em
80%. O Produto Interno Bruto registrou uma taxa anual de crescimento de 7%. O
Produto Interno Bruto per capita superou três vezes a média da América Latina.
O país prosperou, entretanto não sem suportar custos avultados.
Todavia, é premente observar que o mercado brasileiro ainda
se mostrava relativamente exíguo, insuficiente para a sustentação das
magnitudes produtivas exigidas pela manufatura de bens de elevada tecnologia.
Nesse contexto, as indústrias enveredaram pela produção de mercadorias mais
leves, relegando às importações aquelas mais pesadas e especializadas. Isso
implica que o desenvolvimento industrial de nações em desenvolvimento
ultrapassava, em certa medida, o seu histórico papel de meros supridores de
alimentos e matérias-primas.
Essa conjuntura materializou-se em desequilíbrios na
balança de pagamentos do país, uma vez que os superávits comerciais
converteram-se em déficits a partir de 1958 (o saldo comercial decorre da
discrepância entre exportações e importações). Essa discrepância refletiu-se,
parcialmente, no aumento das despesas com o serviço da dívida externa a partir
de 1957, resultado dos investimentos e empréstimos estrangeiros acumulados
naquela década.
O cenário agravou-se devido à brevidade dos prazos de
vencimento dos empréstimos externos, em um contexto de conflitos entre o
governo, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, culminando no
rompimento em 1959. Esses órgãos internacionais contrapunham-se aos pilares do
Plano de Substituição de Importações, quais sejam, a proteção à indústria
nacional e o controle de importações, além de reprovar a condução da política
macroeconômica governamental, caracterizada por vultosos déficits fiscais e uma
política monetária expansionista que negligenciava as crescentes taxas de
inflação, atingindo um patamar de 25% ao ano.
Para ter uma perspectiva, a dívida externa saltou de 1,517
bilhões de dólares para 2,223 bilhões de dólares em um lapso de mero
quatriênio, evidenciando um acréscimo expressivo. Quanto à concentração de
renda, a região metropolitana de São Paulo tornou-se responsável por quase
metade do valor da produção industrial do país.
Esse conjunto de antinomias traduziu-se na desaceleração do
ímpeto de crescimento industrial a partir de 1962, configur Essas
circunstâncias complexas e conflitantes culminaram na desaceleração do ímpeto
de crescimento industrial a partir de 1962, configurando, assim, a primeira
crise econômica brasileira motivada por fatores internos. Diferentemente das
crises anteriores, que tiveram suas origens em causas externas com impactos
internos, essa crise revelou-se como uma expressão intrínseca dos desafios e
contradições enfrentados pelo país em seu processo de desenvolvimento.
Essa conjuntura econômica adversa serviu como um alerta
contundente sobre a necessidade de reformulações estratégicas e políticas mais
equilibradas para enfrentar os desafios do crescimento sustentável. O Brasil
precisava buscar alternativas para promover o aumento da produção interna, a
diversificação econômica e a redução da dependência de importações de bens de
alta tecnologia.
A crise também evidenciou a importância de uma gestão
financeira mais cautelosa, com maior controle dos déficits fiscais e das taxas
de inflação, bem como uma abordagem mais equilibrada nas relações com
organismos internacionais, buscando conciliar as demandas internas com as
pressões e expectativas globais.
Portanto, o episódio do período da conjunção da Instrução
113 com o GEIA e suas consequências econômicas e financeiras complexas
representou um marco histórico no desenvolvimento do Brasil, revelando a
necessidade de uma abordagem estratégica mais abrangente e sustentável para
impulsionar o crescimento e superar os desafios inerentes ao processo de
industrialização e inserção global do país.
Conclusão
Após uma análise minuciosa dos períodos democráticos no
Brasil, desde o fim do Estado Novo em 1945 até o governo de Juscelino
Kubitschek, é possível destacar a importância desse estudo para compreender os
desdobramentos políticos e econômicos do país nessa época.
Durante este artigo, foram abordados temas como a transição
democrática na década de 1940, analisando a trajetória dos sindicatos e as
transformações sociais que ocorreram nesse período. Além disso, foram
explorados os governos de Dutra, o retorno de Vargas ao poder e os eventos
políticos e econômicos que levaram ao trágico desfecho de seu suicídio, bem
como o governo de Café Filho.
Um dos pontos centrais dessa unidade foi o estudo do
governo de Juscelino Kubitschek e seu projeto desenvolvimentista baseado no
Plano de Metas. Essa abordagem permitiu compreender o contexto em que o Brasil
se encontrava e as estratégias adotadas para impulsionar o desenvolvimento
econômico e social do país.
A consolidação da industrialização por substituição de
importações foi outro aspecto relevante explorado nessa unidade. Foi possível
compreender os resultados desse processo e suas contradições no governo de
Juscelino Kubitschek, durante o período de 1956 a 1961.
Portanto, ao longo deste artigo, tivemos a oportunidade de
ampliar o conhecimento sobre a história política e econômica do Brasil,
compreendendo a evolução dos eventos e suas consequências na sociedade
brasileira. Esse conhecimento proporciona uma base sólida para a compreensão
dos desafios e das oportunidades que o país enfrentou nesse período e auxilia
na reflexão sobre os caminhos futuros para o desenvolvimento nacional.
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FAUSTO, Boris.
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Florianópolis,n 3, p. 103-119, 2007.
LACERDA, Antônio
Corrêa, et al. Economia Brasileira. São Paulo: 2ª ed. Editora Saraiva, 2006
MARTINS, Luis Carlos dos Passos. A grande imprensa “liberal” carioca e a política econômica do segundo governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento. Porto Alegre: ediPUCRS, 2016. Disponível na Biblioteca Virtual Universitária.
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