O Brasil: Do fim da Ditadura Vargas à Era JK (1956-1961)

O período democrático pós-Estado Novo testemunhou a volta de Vargas ao poder, seu suicídio e a consolidação da industrialização no Brasil.

JK discursando diante de Benedito Valadares e Getúlio Vargas, em 12 de maio de 1940.
JK discursando diante de Benedito Valadares e Getúlio Vargas, em 12 de maio de 1940.

Introdução

O período entre as décadas de 1940 e 1960 foi marcado por mudanças intensas no cenário internacional. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as principais potências vitoriosas - Estados Unidos e União Soviética - enfrentaram o desafio de reorganizar o mundo dentro dos novos parâmetros estabelecidos após o conflito. Inicialmente, essa reorganização ocorreu de forma conjunta, mas logo se transformou em um amplo antagonismo. No contexto dos países capitalistas, foi sob a liderança dos Estados Unidos que ocorreu essa reestruturação, com a emergência dos EUA como a principal potência mundial, tanto do ponto de vista militar quanto econômico.

Geopoliticamente, a nova ordem mundial foi moldada pela luta entre as duas superpotências pelo controle ou fortalecimento de suas esferas de influência. Essa disputa se desenrolou não apenas nas regiões diretamente envolvidas na guerra, como Europa e Ásia, mas também em áreas que, embora distantes dos conflitos, poderiam se tornar palco de novas disputas de poder, como foi o caso da América Latina.

Do ponto de vista estratégico dos Estados Unidos no pós-guerra, essa disputa resultou na Doutrina Truman e no início da Guerra Fria em 1947. No entanto, do ponto de vista econômico, os EUA buscaram promover a retomada do fluxo internacional de capital e comércio exterior, aproveitando sua posição privilegiada entre as nações capitalistas para impulsionar uma maior expansão. Para alcançar esse objetivo, era essencial combater as principais características da economia global no período entre as guerras, como o protecionismo, o nacionalismo econômico e as práticas de trocas bilaterais. Desde o início da década de 1940, as principais lideranças norte-americanas já buscavam discutir os rumos econômicos do pós-guerra, negociando com a Inglaterra. Essas negociações culminaram no histórico Acordo de Bretton Woods, assinado em Nova York em 1944 por representantes de mais de quarenta países.

Como resultado dessas negociações, surgiram duas instituições fundamentais para a economia global nos anos seguintes: o Fundo Monetário Internacional (FMI), responsável pela estabilização das taxas de câmbio e estímulo ao comércio internacional, e o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (atual Banco Mundial), que visava resolver os problemas de liquidez em dólares do novo sistema econômico, especialmente relacionados à reconstrução europeia.

No contexto da América Latina, essa nova ordem econômica internacional encontrou resistência. Os países latino-americanos desejavam intensificar a cooperação econômica estabelecida com os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, buscando manter ou aumentar seu nível de desenvolvimento por meio da industrialização. No entanto, essas desenvolvidos, acreditando que as regras do livre mercado seriam suficientes para beneficiar a todos.

Nesse contexto internacional, o Brasil também passou por intensas transformações nas décadas de 1940 e 1950. Além do retorno à democracia política após a guerra, o país experimentou um período inédito de democracia em sua história.

Entre 1945 e 1964, a economia brasileira passou por grandes mudanças estruturais e registrou um crescimento significativo, com taxas anuais em torno de 6%. Houve uma mudança expressiva na contribuição de cada setor econômico para o produto nacional, com destaque para o desempenho dinâmico da indústria (9,1% ao ano) em comparação com a agricultura (4,6% ao ano). Esse período marcou a consolidação do processo de industrialização no país, representando uma transição do modelo agroexportador para o industrial, tanto em termos de acumulação de capital quanto na participação relativa de cada setor no crescimento do PIB.

Para compreender essa importante fase no cenário político e econômico brasileiro a partir da década de 1940, é essencial analisar as peculiaridades de cada governante do período, bem como os projetos e ações desenvolvidos por eles em benefício da sociedade brasileira como um todo. É essa perspectiva que iremos explorar nos próximos tópicos.

Este foi um período de profundas transformações, no qual o Brasil desempenhou um papel ativo e enfrentou desafios e oportunidades que moldaram seu futuro político, social e econômico. Ao compreendermos o contexto internacional e as dinâmicas internas do Brasil nesse período, podemos desvendar os caminhos percorridos pelo país rumo à sua modernização e desenvolvimento.

Agora, convidamos você a embarcar nessa jornada de descobertas e aprofundamento sobre o Brasil nas décadas de 1940 e 1960.

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A partir de Bretton Woods, o dólar foi estabelecido como moeda forte do sistema financeiro internacional. Foi definido que o dólar seria a moeda de troca internacional e que o governo dos EUA garantiria que ele poderia ser convertido em ouro. Isso significava na época que 35 dólares seria equivalente a uma onça troy (unidade de peso equivalente a 31 gramas) de ouro. Isso deu uma enorme vantagem ao imperialismo norte-americano, que só se pode explicar pela sua forte hegemonia.

 

Polarização ideológica, Movimento Sindical e Transição Democrática: os rumos do Brasil

Desde sua formação nas décadas de 1930 e 1940, o sindicalismo brasileiro foi marcado pela tutela do Estado sobre sua existência, ação e organização. A Revolução de 1930 representou um marco inicial na política trabalhista, impulsionando a promulgação de leis e decretos-lei no campo do Direito do Trabalho.

A ideologia que sustentava as aspirações do movimento de 1930 buscava um equilíbrio entre os interesses das diferentes classes e frações de classes, colocando o bem geral da nação acima delas. A ideologia populista implementada alimentava a ilusão de que a incorporação dos órgãos sindicais ao Estado permitiria a participação das camadas populares na cena política por meio dessas instituições.

Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, os sindicatos passaram a ser controlados pelo Estado. Para atingir esse objetivo, Vargas criou o Ministério do Trabalho em 1930 e estabeleceu uma série de normas, como o decreto 19.770 de 1931. Essas medidas incluíam o controle financeiro do Ministério sobre os recursos dos sindicatos, a participação do Estado nas assembleias sindicais, restrições a atividades políticas e ideológicas, veto à filiação de trabalhadores a organizações sindicais internacionais, proibição da sindicalização de funcionários públicos, definição do sindicato como órgão de colaboração e cooperação com o Estado, e limitações à participação de operários estrangeiros nos sindicatos.

Em 1932, foram promulgadas leis sociais e trabalhistas que estabeleciam critérios de aposentadoria, jornada de trabalho de 8 horas e proteção ao trabalho das mulheres. Essas conquistas foram resultado de anos de luta dos trabalhadores, liderados por comunistas e sindicalistas. As leis implementadas pelo governo Vargas tinham o objetivo de criar uma base social operária para o Estado.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada em 1943, incorporou diversas vantagens trabalhistas conquistadas pelos sindicatos e as estendeu para todas as categorias profissionais, independentemente de estarem organizadas. No entanto, a estrutura sindical mantinha-se no corporativismo, impedindo a articulação entre sindicatos de diferentes categorias e subordinando-os ao Estado.

A Constituição de 1937 e a CLT confirmaram a Lei de Sindicalização de 1931. Um elemento fundamental dessa nova estrutura foi o imposto sindical, que consistia no pagamento obrigatório de um dia de salário por ano por todo trabalhador, sindicalizado ou não. Esse imposto gerava grandes recursos financeiros para o Estado e as corporações, porém, sua destinação estava voltada para a beneficência e a função administrativa, excluindo fundos de greve e propaganda política. Essa relação de dependência entre o movimento operário e o Estado foi estabelecida.

A estrutura sindical construída durante o Estado Novo permaneceu no período pós-guerra, conhecido como nacional desenvolvimentista, de 1945 a 1964. Nesse período, o Estado se associou ao grande capital internacional para promover a industrialização e um projeto nacional de infraestrutura, consolidando assim o modo de produção capitalista baseado na indústria. A classe operária ganhou cada vez mais importância, principalmente nos grandes centros, sendo o ABC paulista o núcleo mais dinâmico desse movimento.

Apesar das leis restritivas impostas por Vargas, o período do getulismo foi marcado por intensas greves e uma crescente luta sindical. Nos anos 1940, o movimento sindical voltou a ganhar força, mesmo diante das restrições impostas pelo Estado Novo, que persistiram após o fim desse período em 1945. Foi somente nos anos 1960 que a luta sindical atingiu seu ápice, com enormes manifestações grevistas e a criação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) durante o III Congresso Sindical Nacional.

O sindicalismo brasileiro, ao longo de sua história, tem enfrentado desafios e resistido à tutela estatal sobre sua autonomia e organização. Apesar das limitações impostas, os sindicatos e os trabalhadores persistem em lutar por melhores condições de trabalho, direitos e representatividade. A trajetória sindical no Brasil reflete a busca contínua por uma transição para a democracia plena, em que os trabalhadores tenham voz ativa e participação efetiva na construção de um país mais justo e igualitário.

Figura 1 - Essa faixa estava presente na celebração do Dia do Trabalhador no estádio municipal do Pacaembú, em São Paulo, 1944. Fonte: História Ilustrada, 2015.
Figura 1 - Essa faixa estava presente na celebração do Dia do Trabalhador no estádio municipal do Pacaembú, em São Paulo, 1944. Fonte: História Ilustrada, 2015.

Após a queda do Estado Novo, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, assumiu temporariamente a presidência da República em 1945. Foi um período de transição democrática acordado entre os militares e a oposição liberal, com eleições marcadas para 2 de dezembro daquele ano e a promessa de uma nova Constituição.

No entanto, essa transição democrática não abriu espaço para o avanço do pensamento comunista. Assim que assumiu a presidência, José Linhares ordenou o saque das sedes do Partido Comunista do Brasil (PCB), alegando ser uma medida necessária para a estabilidade política exigida pelo agitado cenário da época. Além disso, substituiu interventores varguistas por representantes liberais, consolidando a mudança de rumo político.

O segundo semestre de 1945 foi marcado por uma acirrada disputa entre o candidato liberal Eduardo Gomes, pela União Democrática Nacional (UDN), e seu opositor, Eurico Gaspar Dutra, do Partido Social Democrático (PSD). A maioria da classe média urbana e do empresariado liberal apoiava a bandeira udenista, e os eleitores urbanos pareciam concordar, graças ao lema peculiar "vote no Brigadeiro, que ele é solteiro!".

No entanto, a intervenção política de Getúlio Vargas foi decisiva para influenciar o resultado das eleições em favor de Dutra. Quatro dias antes das eleições, Vargas fez um pronunciamento público convocando o eleitorado operário a votar em Dutra, ao qual Eduardo Gomes respondeu de forma incisiva, declarando que "não precisa dos votos de marmiteiros". A referência aos operários era clara. O resultado eleitoral de 1945 foi surpreendente, pois Dutra venceu as eleições com 55% dos votos, enquanto Eduardo Gomes conquistou apenas o eleitorado de alguns Estados nordestinos.

Getúlio Vargas foi um dos grandes vencedores das eleições de 1945, não apenas pelo seu papel na vitória de Dutra, mas também por se beneficiar da legislação eleitoral. Ele concorreu simultaneamente ao Senado em cinco Estados e a deputado federal em nove. Acabou sendo eleito senador pelo Rio Grande do Sul e por São Paulo, além de deputado em outros sete Estados. Vargas optou por assumir o cargo de senador pelo PSD do Rio Grande do Sul, consolidando sua posição política no cenário nacional.

Dos Anos de Autoritarismo à Volta de Vargas

A Quarta República, também conhecida como Era Populista, marcou um significativo período na história do Brasil, iniciado em 1946 com a posse de Eurico Gaspar Dutra e encerrado em 1964 com o Golpe Civil-Militar que deu início à Ditadura Militar. Essa fase política foi caracterizada por intensas tensões políticas e pela implementação de políticas de desenvolvimento no país. Durante esse período, o Brasil testemunhou uma série de desafios e transformações que moldaram sua trajetória.

Os Desafios da Era Dutra: Constituição, Economia e Conflitos Sociais (1946-1951)

No final de janeiro de 1946, Eurico Gaspar Dutra assumiu a presidência e deu início aos trabalhos da Constituinte. Em setembro, a nova Constituição brasileira foi promulgada, afastando-se dos princípios da Carta de 1937 e adotando um formato mais liberal-democrático. O Brasil foi definido como uma República federativa, estabelecendo-se as atribuições da União, dos Estados e dos municípios, assim como as responsabilidades dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

No que diz respeito ao capítulo sobre a ordem social e econômica, foram estabelecidos critérios para o aproveitamento de recursos minerais e de energia elétrica. Na esfera social, foram enumerados os benefícios mínimos que a legislação deveria garantir, semelhantes aos previstos na Constituição de 1934. Como novidade, previu-se a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, desde que regulamentada por lei. No entanto, essa medida acabou se tornando inefetiva, uma vez que nenhuma legislação específica foi aprovada durante a vigência da Constituição.

No campo sindical, o imposto sindical e a figura do "pelego" foram mantidos. Os sindicatos não perderam sua função social e continuaram a desempenhar o papel de mediadores entre os operários e o Estado. A regulamentação das greves não demorou a chegar, com um decreto-lei emitido por Dutra que restringia significativamente o direito de greve, definindo a maioria das profissões como atividades essenciais ao Estado.

Enquanto na Europa a Guerra Fria influenciava a política externa do bloco ocidental, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal proibiu o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Alegava-se que os comunistas iam contra os princípios democráticos da Constituição, e o PCB era frequentemente associado à União Soviética, o novo rival das democracias europeias. A repressão aumentou, sindicatos desobedientes foram extintos e os demais foram controlados e intervencionados minuciosamente. Em maio de 1948, os deputados, senadores e vereadores eleitos pelo PCB perderam seus mandatos.

No aspecto econômico, durante a primeira metade do governo de Dutra, adotou-se um modelo liberal-ortodoxo, seguindo os princípios do Acordo de Bretton Woods e a política do governo Truman dos Estados Unidos. Para combater a alta inflação causada pela emissão excessiva de moeda durante o Estado Novo, o ministro da Fazenda, Pedro Luís Correia e Castro, flexibilizou o controle cambial. Embora não tenha sido uma política cambial totalmente ortodoxa, já que a taxa de câmbio permaneceu fixa devido aos acordos de Bretton Woods, facilitou-se o acesso à moeda estrangeira.

A manutenção da taxa de câmbio fixa teve várias consequências, como a perda de mercado das exportações brasileiras (exceto café) no exterior devido à inflação interna e à taxa de câmbio fixa, que elevava os preços dos produtos brasileiros. No entanto, a combinação de uma taxa de câmbio valorizada com o controle das importações (para barrar produtos supérfluos ou similares aos nacionais) a partir de 1947 teve um triplo efeito favorável à industrialização por substituição de importações: subsídio às importações de bens de capital e intermediários, protecionismo contra a importação de produtos concorrentes e aumento da lucratividade da produção para o mercado interno.

Dutra incentivou a expansão da moeda, pois estava prestes a lançar o Plano SALTE, aprovado pelo Congresso em maio de 1947. O plano econômico tinha como objetivo estimular o desenvolvimento dos setores relacionados à saúde, alimentação, transporte e energia, daí a sigla SALTE. Apesar da realização de algumas obras, como a construção da rodovia Presidente Dutra, que liga o Rio de Janeiro a São Paulo, o plano carecia de um planejamento preciso. Parecia mais uma política de estímulo econômico rápido do que um programa de longo prazo.

No entanto, no geral, a economia brasileira teve um bom desempenho durante esse período. No entanto, o bom desempenho econômico não se traduziu em uma distribuição equitativa dos frutos do crescimento. O governo Dutra foi caracterizado pela restrição dos salários, especialmente do salário mínimo, que ficou congelado ao longo do período.

Dessa forma, o governo Dutra abriu espaço para o crescimento do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), consolidando gradualmente sua posição junto à classe trabalhadora, uma vez que o PCB estava ilegalizado e seus representantes tiveram seus mandatos cassados. Ao mesmo tempo, Vargas fortaleceu sua imagem como "pai dos pobres", um projeto político que ele vinha construindo desde o final do Estado Novo. Isso reforçou a política trabalhista e abriu caminho para seu retorno ao poder.

 

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Segundo alguns economistas, os setores ou departamentos da economia seriam dois: O Departamento I, produtor de bens de capital e de bens intermediários, isto é, os bens de produção e também aquele em que se encontra a indústria pesada ou de base, incluindo a indústria química, de aço, de cimento, etc. O Departamento II, produtor de bens de consumo (bens de consumo de luxo, os duráveis e os bens de consumo simples, os não duráveis).

Getúlio Vargas: O Segundo Mandato e os Conflitos Sociais (1951-1954)

Após assumir a presidência em 31 de janeiro de 1951, Getúlio Vargas enfrentou tentativas fracassadas da UDN de impugnar sua eleição. Alegavam que apenas o candidato com maioria absoluta dos votos poderia ser considerado vencedor, embora essa exigência não estivesse prevista na legislação da época.

Essa situação revelou as contradições dos liberais, que, inicialmente defensores da legalidade democrática, não conseguiram conquistar a maioria nas eleições mais importantes. Como resultado, passaram a contestar os resultados eleitorais com argumentos duvidosos ou a apelar cada vez mais para a intervenção militar.

Vargas iniciou seu governo buscando desempenhar, dentro de um regime democrático, um papel que já havia exercido anteriormente: o de árbitro diante das diversas forças sociais. Ele tentou atrair a UDN e formou um ministério conservador, com predominância de membros do PSD. No entanto, para o cargo de ministro da Guerra, nomeou um general ligado à corrente nacionalista do Exército.

A menção a essa corrente dentro do Exército indicava que as divergências de opinião entre os membros das Forças Armadas haviam se cristalizado ao longo do tempo em perspectivas conflitantes. Essas perspectivas estavam relacionadas às divisões que ocorriam na sociedade e tinham uma dimensão específica no contexto da instituição militar. A divisão fundamental se dava entre os nacionalistas e os entreguistas, abrangendo tanto a política econômica interna quanto a posição do Brasil nas relações internacionais.

Vale destacar que os nacionalistas defendiam um desenvolvimento baseado na industrialização, enfatizando a necessidade de criar um sistema econômico autônomo e independente do sistema capitalista internacional. Isso envolvia conceder ao Estado um papel importante como regulador da economia e como investidor em setores estratégicos, como petróleo, siderurgia, transporte e comunicações. Embora não rejeitassem o capital estrangeiro, impunham muitas restrições a ele, seja por motivos econômicos, seja por acreditar que investimentos estrangeiros em setores estratégicos colocariam em risco a soberania nacional.

Por outro lado, os opositores dos nacionalistas defendiam uma intervenção estatal menor na economia, não dando tanta prioridade à industrialização, e sustentavam que o progresso do país dependia de uma abertura controlada ao capital estrangeiro. Também defendiam uma postura rigorosa de combate à inflação, por meio do controle da emissão de moeda e do equilíbrio dos gastos governamentais.

Enquanto os nacionalistas e os liberais conservadores travavam uma luta política tanto no cenário civil quanto no militar, Getúlio Vargas buscava conquistar o apoio das classes trabalhadoras urbanas. Essa seria sua base de sustentação caso os militares optassem por deixar os quartéis e marchar em direção ao Palácio do Catete. Vargas procurou flexibilizar a participação sindical, aproximando-se, se necessário, dos movimentos trabalhistas, inclusive dos comunistas.

O Segundo Governo Vargas foi um período marcado por um intenso crescimento e transformações na economia brasileira, impulsionado pela industrialização. Durante esse período, foram adotadas uma série de iniciativas pelo governo que não apenas contribuíram para o crescimento econômico momentâneo, mas também estabeleceram as bases para as mudanças estruturais que viriam nos anos seguintes.

Quando Vargas assumiu o governo, teve que tomar medidas para combater a inflação, que já atingia a taxa anual de 12%, considerada bastante alta em comparação com os 2% registrados em 1947. Apesar das políticas fiscais e monetárias restritivas adotadas, a inflação persistiu, em grande parte devido ao aumento das receitas em moeda estrangeira provenientes do café, que, quando convertidas em cruzeiros, resultavam na expansão da massa monetária e, por fim, na manutenção da inflação.

Além disso, a eclosão da Guerra da Coreia exigiu que o governo contraísse empréstimos externos, uma vez que se previa o aumento dos preços dos produtos importados, prejudicando o balanço de pagamentos. É importante ressaltar que, entre 1950 e 1952, a inflação não ultrapassou os 12%. No entanto, o governo adotou o modelo nacional-desenvolvimentista, no qual os investimentos públicos deveriam impulsionar a industrialização do Brasil.

Nesse sentido, houve flexibilização do crédito e expansão dos gastos públicos. Vargas promoveu a abertura de linhas de crédito para os setores de transporte e energia, aumentou a capacidade portuária nacional e disponibilizou energia para regiões menos desenvolvidas, como o Nordeste. O Banco do Brasil tornou-se o motor do crescimento nacional, pelo menos até junho de 1952, quando foi criado o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico). Essa iniciativa foi fruto da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico (CMBEU).

A partir de 1952, o BNDE assumiu a responsabilidade pela industrialização brasileira, contando com o apoio do Eximbank e do Tesouro Nacional para garantir os investimentos necessários. A CMBEU foi resultado de negociações entre o Brasil e os Estados Unidos, ainda no governo de Eurico Gaspar Dutra, com o objetivo de ampliar o financiamento para a modernização da infraestrutura brasileira. Em 1953, a inflação atingiu os 20% ao ano em alguns momentos.

Determinado a seguir a lógica do desenvolvimentismo nacional, Vargas adotou uma política de manutenção dos preços do café em patamares elevados, o que irritou os importadores dos Estados Unidos. Em outubro de 1953, Vargas definiu, por meio da Lei 2004/53, as atribuições do Conselho Nacional do Petróleo, que seria responsável pela administração da nova empresa estatal do setor petrolífero, a Petrobras.

A campanha para aprovar a lei que estabelecia o monopólio do petróleo causou grande comoção nacional (pois representava a consolidação do controle nacional sobre esse recurso estratégico), e Vargas também decretou a Instrução nº 70 da SUMOC, abandonando o sistema de taxa de câmbio fixa estabelecido pelos acordos de Bretton Woods. Em abril de 1954, optou-se pela criação da Eletrobrás, uma empresa estatal no setor energético.

A reação dos Estados Unidos foi imediata. O Secretário de Estado, John Foster Dulles, instruiu a embaixada dos EUA no Brasil a pressionar o governo de Vargas a respeitar a proposta original de criação da Petrobras, que previa a participação de acionistas privados, tanto nacionais como estrangeiros, conforme acordado na CMBEU. No entanto, essas pressões não tiveram sucesso. A Instrução nº 70 da SUMOC, por sua vez, estabeleceu um sistema de múltiplas taxas de câmbio, visando impulsionar a industrialização por meio da substituição de importações.

Enquanto muitos brasileiros clamavam "o petróleo é nosso", alguns poucos condenavam a participação do Estado em todos os setores da economia. Nessa conjuntura, a UDN fez uma exceção e apoiou a campanha nacionalista, defendendo o monopólio estatal do petróleo. As acusações de Carlos Lacerda ecoavam estridentemente nos ouvidos de Vargas, aumentando a insatisfação entre os militares.

O segundo governo de Getúlio Vargas foi marcado por um intenso embate entre nacionalistas e conservadores liberais, tanto no âmbito político civil quanto no militar. Enquanto isso, Vargas buscava ampliar seu apoio entre as classes trabalhadoras urbanas, que se tornariam o sustentáculo de seu governo caso os militares decidissem abandonar os quartéis e marchar em direção ao Palácio do Catete.

Esse período ficou registrado como um momento de significativo crescimento econômico e transformações estruturais no Brasil. A industrialização se tornou a principal força impulsionadora, e o governo de Vargas implementou medidas que fortaleceram a economia nacional, mesmo diante de pressões internacionais.

Figura 2 - A História da Campanha o Petróleo é Nosso. Fonte:  GGN, 2013
Figura 2 - A História da Campanha o Petróleo é Nosso. Fonte:  GGN, 2013

Os discursos de Vargas ecoavam críticas ao capitalismo ganancioso e à especulação estrangeira, talvez buscando encontrar um inimigo externo para fortalecer as alianças internas. No entanto, essa estratégia não obteve sucesso, pois em 1953 eclodiram greves em várias cidades brasileiras, como Belém, Rio de Janeiro, Santos e São Paulo. Trabalhadores dos setores têxtil, marítimo, vidreiro e marceneiro estavam insatisfeitos com a crescente inflação, que resultava em um aumento do custo de vida.

Diante dessa crise, Vargas nomeou João Goulart como Ministro do Trabalho em junho de 1953, atribuindo-lhe a tarefa de mediar entre trabalhadores e empresários. Em fevereiro de 1954, Goulart autorizou um aumento de 100% no salário mínimo. A oposição interpretou esse gesto como uma forma de angariar apoio político e rapidamente consolidou sua frente de combate.

A UDN, liderando a oposição formal, não perdeu a oportunidade de intensificar seu embate contra Vargas. Carlos Lacerda utilizou seu jornal, a Tribuna da Imprensa, para lançar uma ampla campanha contra o governo, e a UDN prontamente apoiou sua causa. As tensões também se acentuaram no ambiente militar. Enquanto a Aeronáutica não poupava esforços para condenar o nacionalismo varguista, um grupo de oficiais de alta patente do Exército, sob a liderança do general Golbery do Couto e Silva, lançou o manifesto dos coronéis, acusando Vargas de promover uma divisão política capaz de fragmentar a nação.

Vargas cedeu parcialmente às constantes condenações em relação ao aumento de 100% no salário mínimo, respondendo com a demissão de João Goulart. Essa foi uma solução de compromisso, pois se ele deixasse de conceder o aumento, perderia o apoio dos sindicatos. Por outro lado, se mantivesse Goulart como Ministro do Trabalho, não haveria paz no meio militar.

Faltava apenas um pretexto para desencadear a queda de Vargas. O frenesi político da época levou os aliados de Getúlio a sugerir um golpe fatal contra Lacerda. Gregório Fortunato, conhecido como o "anjo negro" de Vargas por sua participação no fuzilamento de integralistas em 1938, foi encarregado dessa tarefa mórbida: assassinar Carlos Lacerda.

No fatídico dia 5 de agosto de 1954, Fortunato e seus comparsas dirigiram-se à rua Tonelero, onde residia Carlos Lacerda, mas, devido a um imperdoável descuido, acabaram assassinando o Major Rubens Vaz, que pertencia à Aeronáutica. Nada poderia ser pior para Vargas. Ele perdeu o apoio das Forças Armadas e se viu obrigado a renunciar. Poucos dias depois, em 24 de agosto de 1954, Vargas optou por tirar a própria vida.

Deixou para o público uma carta-testamento, Na carta-testamento, Vargas expôs as razões que o levaram a cometer esse ato trágico. Ele mencionou os inimigos internos e externos, como o capital estrangeiro, as pressões contra o monopólio da Petrobras e a ferrenha oposição da UDN e dos militares. Não por acaso, Vargas também enalteceu os esforços em prol das garantias trabalhistas e da defesa do Estado.

Com sua partida, Vargas deixou um legado complexo e controverso na história política brasileira. Sua trajetória como líder populista e defensor dos trabalhadores é lembrada por muitos como um período de avanços sociais e econômicos, mas também é marcada por conflitos e tensões que culminaram em seu trágico fim.

O suicídio de Vargas abalou o país e provocou uma comoção nacional. Sua morte não apenas encerrou um capítulo importante na história política brasileira, como também desencadeou mudanças significativas no cenário político do país. Os eventos que se seguiram à sua partida levaram a uma reorganização das forças políticas e pavimentaram o caminho para uma nova era na política brasileira.

Getúlio Vargas, com sua figura enigmática e polêmica, continua sendo objeto de estudo e debate até os dias atuais. Sua influência e legado deixaram marcas profundas na sociedade brasileira, sendo um dos personagens mais emblemáticos da história do país. Sua vida e seu fim trágico são testemunhos de um período conturbado e crucial na construção da identidade política e social do Brasil.

Crise Política e Sucessão Conturbada: O Brasil após o Governo Vargas

Após o trágico suicídio de Vargas, o vice-presidente Café Filho assumiu a presidência e governou de 1954 a 1955. Durante seu breve mandato, Café Filho formou seu ministério com membros da UDN. Em um curto espaço de tempo, ele nomeou dois ministros da Fazenda: Eugênio Gudin, um economista ultraliberal, e José Maria Whitaker, um banqueiro representante da cafeicultura paulista.

Eugênio Gudin era considerado o oposto do governo Vargas, sendo um crítico das propostas desenvolvimentistas defendidas por Vargas. Ele defendia uma política econômica clássica de estabilização, priorizando o combate à inflação por meio do controle da emissão monetária e do crédito, além da redução dos gastos governamentais para controlar os déficits públicos. Sua política em relação ao café não atendeu às expectativas otimistas dos cafeicultores.

Uma das principais ações de Gudin foi a implementação da Instrução 113 da Sumoc, que permitia que empresas estrangeiras instaladas no país importassem máquinas e equipamentos sem a necessidade de cobertura cambial. Além disso, ele buscou reduzir os gastos públicos, especialmente em investimentos, e implementou uma política rigorosa de contração monetária e de crédito. O resultado dessas ações foi uma falta de liquidez na economia, que desencadeou uma crise bancária e um aumento de falências e concordatas no Rio de Janeiro e em São Paulo.

As concessões feitas por Café Filho em troca do apoio de Jânio Quadros, governador de São Paulo, para a sucessão presidencial resultaram na queda de Gudin em 4 de abril de 1955 e na nomeação de José Maria Whitaker, um banqueiro paulista, para o cargo de ministro da Fazenda. Assumindo o cargo, Whitaker enfrentou uma crise bancária ainda mais séria decorrente da política contracionista de Gudin.

Sua principal ação foi recuperar a liquidez da economia por meio da atuação do Banco do Brasil, já que seu antecessor havia limitado a capacidade de empréstimos. No entanto, ele foi exonerado do cargo antes de conseguir implementar uma reforma cambial que visava unificar as diversas taxas cambiais existentes, e tampouco conseguiu proteger os interesses da cafeicultura.

As eleições presidenciais marcadas para 3 de outubro de 1955 geraram grandes expectativas, com os grupos contrários aos seguidores de Vargas fazendo de tudo para impedir seu retorno ao poder. O principal alvo era Juscelino Kubitschek, candidato do PSD e governador de Minas Gerais.

Esses grupos contrários ao projeto getulista lutavam para que JK desistisse de sua candidatura. No entanto, apesar das pressões dos militares, das manobras de Café Filho e dos discursos de Carlos Lacerda, a campanha de Juscelino Kubitschek seguiu com muito sucesso, contando com a bem-organizada seção estadual do PSD de Minas Gerais e o inegável carisma do candidato.

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A Política fiscal e monetária contracionista tem por objetivo combater a inflação e manter o equilíbrio das contas públicas. É uma política defendida por economistas liberais conservadores.

JK tinha fama de ser um excelente administrador. Durante seu mandato como prefeito da capital do estado, ele demonstrou uma gestão modernizadora e realizou várias obras em um curto espaço de tempo, sendo conhecido como o "prefeito furacão". As propostas de Juscelino Kubitschek visavam dar continuidade ao projeto desenvolvimentista de Vargas, buscando intensificar a industrialização por meio do Processo de Substituições de Importações (PSI).

Nas eleições presidenciais, Juscelino (PSD/PTB) saiu vitorioso com pouco menos de 36% dos votos. Metade dos estados do Nordeste preferiu a candidatura de Juarez Távora, apoiado pela UDN, que obteve 30% dos votos, enquanto Ademar de Barros, do PSP, ficou com 25% e Plínio Salgado, do PRP, obteve os 9% restantes.

A estreita margem de vitória de JK irritou a oposição. Após a morte do general Canrobert, em novembro de 1955, o coronel Mamede, que havia lutado contra o nacionalismo getulista ao lado de Canrobert, fez declarações ofensivas contra a vitória de Juscelino. Alegava-se uma suposta fragilidade na legalidade, o que foi prontamente apoiado pela UDN. Acusavam Juscelino de ter angariado votos comunistas, apesar da ilegalidade do PCB. Estimava-se que cerca de 6% dos votos para a chapa de Juscelino vieram dos setores comunistas, levantando questionamentos sobre a legalidade das eleições de 1955.

Em novembro de 1955, Café Filho sofreu um ataque cardíaco. O presidente da Câmara, Carlos Luz, assumiu a presidência interinamente. Durante esse período, o general Lott, então ministro da Guerra, instigou a punição de Mamede, mas tal medida só poderia ser autorizada pelo Presidente da República. Carlos Luz ignorou o caso de Mamede, o que levou à demissão de Lott de seu cargo, porém não resultou em uma renúncia à legalidade. Assim começou o episódio conhecido como novembrada, ou golpe preventivo.

O general Lott reuniu tropas do Exército para garantir a legalidade da transição política, enquanto a Marinha e a Aeronáutica se opuseram a ele. No dia 11 de novembro de 1955, as forças de Lott prevaleceram, e Carlos Luz e Lacerda se refugiaram a bordo do navio Tamandaré. Embarcaram para Santos, onde cogitaram resistir à posse de Juscelino. Esses foram os últimos estertores políticos ouvidos na Baía de Guanabara.

O Congresso Nacional decidiu empossar Nereu Ramos, então presidente do Senado, até que Juscelino assumisse a presidência. Mais uma vez, respeitava-se a linha de sucessão presidencial. Em janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek assumiu a presidência, sendo o último presidente eleito a governar o país a partir do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.

A ascensão de Juscelino Kubitschek à presidência marcou um novo capítulo na história política do Brasil. Sua gestão ficou conhecida como um período de intensas transformações e avanços, impulsionando o desenvolvimento econômico e social do país.

Durante seu mandato, Juscelino implementou o ambicioso Plano de Metas, que visava promover o crescimento industrial, a modernização da infraestrutura e o avanço tecnológico. Grandes obras foram realizadas, como a construção de Brasília, a inauguração de rodovias e a promoção da indústria automobilística, que impulsionou o setor produtivo e gerou empregos.

Além disso, Juscelino buscava fortalecer a integração regional e internacional do Brasil. Ele estabeleceu relações diplomáticas com diversos países, ampliando os laços comerciais e a cooperação bilateral. Sua política externa ativa e diplomática rendeu ao Brasil maior visibilidade no cenário internacional.

No campo social, Juscelino também implementou medidas importantes, como a criação da Petrobras, visando o aproveitamento dos recursos naturais do país, e a promoção da educação e cultura, com investimentos na construção de escolas e incentivo às artes e à cultura brasileira.

Apesar das críticas e desafios enfrentados, Juscelino Kubitschek deixou um legado significativo para o país. Seu governo ficou marcado pela visão progressista, pelo estímulo ao desenvolvimento econômico e pela promoção de mudanças estruturais importantes.

Em suma, Juscelino Kubitschek foi um presidente visionário e determinado, que deixou sua marca na história do Brasil. Seu compromisso com o progresso e o bem-estar social do país continuam sendo lembrados e celebrados até os dias de hoje.

Juscelino Kubitschek: O Brasil em Transformação - Parte I

O governo liderado por Café Filho enfrentou uma grave crise política que se revelou mais ameaçadora do que a instabilidade econômico-financeira que o Brasil vinha enfrentando. O governo de Café Filho, influenciado pela UDN, interrompeu o projeto de industrialização iniciado por Vargas, que havia dado ênfase às estatais. Por sua vez, Juscelino Kubitschek planejava retomar esse projeto, porém com algumas modificações.

A proposta de Juscelino era desenvolver a industrialização com base em bens de consumo duráveis, ao contrário do governo Vargas, que havia focado na indústria de base. É importante destacar que Juscelino se beneficiou da recuperação econômica dos países europeus, que já haviam se recuperado plenamente após a Segunda Guerra Mundial.

Apesar de manter uma aliança com os Estados Unidos, Juscelino buscava obter apoio norte-americano por meio de iniciativas diplomáticas incisivas. Além disso, abriu a economia brasileira para investimentos estrangeiros europeus, despertando interesse tanto das empresas quanto do governo dos Estados Unidos.

Juscelino não parecia interessado em realizar ajustes na economia. No início de seu mandato, economistas como Lucas Lopes e Roberto Campos sugeriram um programa de estabilização monetária e ajuste cambial semelhante ao de Eugênio Gudin, no entanto, Juscelino descartou essa proposta, pois estava decidido a liderar uma fase de grandes investimentos e industrialização.

Durante seu mandato, Juscelino Kubitschek implementou o lema "cinquenta anos em cinco", que também foi central em sua campanha. Esse lema representava o Plano Nacional de Desenvolvimento, conhecido como Plano de Metas, que estabelecia uma série de objetivos concretos a serem alcançados até o final de seu governo.

No período entre 1951 e 1953, durante o governo Vargas, iniciou-se a atividade de planejamento no país. Foi estabelecida a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU) com o objetivo de desenvolver projetos a serem financiados pelo Eximbank e pelo BIRD. Mais tarde, em 1953, foi criado o Grupo Misto BNDE-CEPAL, que se tornaria a base do Plano de Metas, composto por 31 metas, incluindo a construção de Brasília.

O trabalho desse grupo consistia em realizar um levantamento detalhado dos principais desafios enfrentados pela economia brasileira, especialmente nos setores de transporte, energia e alimentação. Além disso, buscavam identificar áreas com demanda reprimida, que não poderiam ser supridas por meio de importações devido à escassez de divisas no país. Com base nesse diagnóstico, as comissões propunham projetos e planos específicos para superar esses desafios, considerando as necessidades decorrentes da introdução de novos setores industriais, como a indústria automobilística.

Saiba mais

A CEPAL é uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas e sua sede está em Santiago do Chile. Foi fundada para contribuir com o desenvolvimento econômico da América Latina, coordenar as ações encaminhadas à sua promoção e reforçar as relações econômicas dos países entre si e com as outras nações do mundo. Posteriormente, seu trabalho foi ampliado aos países do Caribe e se incorporou o objetivo de promover o desenvolvimento social.

Expansão do Setor Automobilístico no Brasil: Um Marco do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek

Até então, o setor automobilístico no Brasil enfrentava dificuldades para se expandir devido às restrições às importações. Os automóveis que circulavam pelas estradas brasileiras dependiam inteiramente de importações, como os conhecidos "Ford Pé de Bode" ou "Ford Bigode", montados aqui pela companhia norte-americana desde 1929. No entanto, uma grande transformação ocorreu com o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, impulsionando significativamente a indústria de automóveis, caminhões e motores.

Para coordenar o plano, Juscelino estabeleceu o Conselho do Desenvolvimento Econômico. Além disso, foram criados grupos de trabalho responsáveis pelo estudo de metas específicas, bem como grupos executivos voltados para a implementação efetiva dos projetos, promovendo a articulação entre a administração pública e o setor privado. Esses grupos eram compostos por técnicos, especialistas e executivos empresariais familiarizados com cada ramo, alguns dos quais haviam participado da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos.

A política econômica de Juscelino era essencialmente desenvolvimentista, mas ele reconhecia os benefícios que o capital estrangeiro poderia trazer ao seu Plano de Metas. O Estado não seria o único responsável pela industrialização, conforme defendido pelos nacional-desenvolvimentistas, mas atuaria como um indutor do mercado. Em outras palavras, o financiamento do Plano de Metas seria sustentado por um tripé econômico: investimentos públicos na infraestrutura, como transporte, comunicações e energia; investimentos estrangeiros diretos na produção de bens duráveis; e investimentos privados nacionais nos bens não duráveis. Nesse sentido, a ideia era incentivar, em vez de restringir, o ingresso de capital externo.

É importante ressaltar o papel da Instrução 113 da SUMOC, que facilitou o ingresso de bens de capital das matrizes para as filiais no Brasil, beneficiando os projetos de Juscelino. A importação de equipamentos sem cobertura cambial impulsionou os setores de transporte e comunicações, sendo a indústria automobilística um exemplo notável.

Logo no início de seu governo, Juscelino estabeleceu o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), uma agência destinada a estimular e incentivar o capital privado, nacional ou estrangeiro, a investir na produção de veículos leves e pesados no Brasil. Essa medida contribuiu significativamente para o desenvolvimento do setor automobilístico durante seu mandato.

Figura 3 -  JK explica seu Plano de Metas durante a conferência “O Desenvolvimento Econômico e as Metas do Governo” no Clube Militar. Rio de Janeiro, 1959. Fonte: Memorial da Democracia, 2019
Figura 3 -  JK explica seu Plano de Metas durante a conferência “O Desenvolvimento Econômico e as Metas do Governo” no Clube Militar. Rio de Janeiro, 1959. Fonte: Memorial da Democracia, 2019

A Era Juscelino Kubitschek: Avanços e Transformações - Parte II

O Plano de Metas desempenhou um papel crucial ao impulsionar o Processo de Substituição de Importações (PSI), especialmente no setor de bens duráveis e em áreas relevantes dos bens de capital, como a fabricação de máquinas-ferramenta e equipamentos personalizados, com destaque para o setor pesado de energia.

Empresas multinacionais rapidamente assumiram um domínio significativo na indústria de transformação do Brasil, particularmente nos setores mais dinâmicos. Essa presença estrangeira maciça resultou em uma economia brasileira altamente aberta e com forte influência internacional.

Essa situação gera uma conclusão paradoxal em relação à economia brasileira: embora o processo de industrialização baseado na substituição de importações tenha consolidado o mecanismo de reserva de mercado, que limitava a importação de produtos similares produzidos internamente, ao mesmo tempo, resultou em uma abertura sem precedentes ao capital estrangeiro.

Vale destacar que a avaliação da implementação do Plano de Metas revela um desempenho geralmente positivo em relação às metas setoriais. A maioria delas alcançou taxas de realização satisfatórias em comparação às previsões estabelecidas.

A confluência da Instrução 113 com o GEIA ensejou a estabelecimento de conglomerados automobilísticos multinacionais. A região do ABC paulista presenciou a irrupção imponente da General Motors, Ford, Willys Overland e, de modo mais emblemático, da Volkswagen. O paradigma arcaico de transporte ferroviário movido a carvão foi paulatinamente substituído pelo paradigmático modelo viário movido a petróleo.

Do ponto de vista numérico, é inquestionável a magnitude do crescimento industrial naquele período: a produção industrial expandiu-se em 80%. O Produto Interno Bruto registrou uma taxa anual de crescimento de 7%. O Produto Interno Bruto per capita superou três vezes a média da América Latina. O país prosperou, entretanto não sem suportar custos avultados.

Todavia, é premente observar que o mercado brasileiro ainda se mostrava relativamente exíguo, insuficiente para a sustentação das magnitudes produtivas exigidas pela manufatura de bens de elevada tecnologia. Nesse contexto, as indústrias enveredaram pela produção de mercadorias mais leves, relegando às importações aquelas mais pesadas e especializadas. Isso implica que o desenvolvimento industrial de nações em desenvolvimento ultrapassava, em certa medida, o seu histórico papel de meros supridores de alimentos e matérias-primas.

Essa conjuntura materializou-se em desequilíbrios na balança de pagamentos do país, uma vez que os superávits comerciais converteram-se em déficits a partir de 1958 (o saldo comercial decorre da discrepância entre exportações e importações). Essa discrepância refletiu-se, parcialmente, no aumento das despesas com o serviço da dívida externa a partir de 1957, resultado dos investimentos e empréstimos estrangeiros acumulados naquela década.

O cenário agravou-se devido à brevidade dos prazos de vencimento dos empréstimos externos, em um contexto de conflitos entre o governo, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, culminando no rompimento em 1959. Esses órgãos internacionais contrapunham-se aos pilares do Plano de Substituição de Importações, quais sejam, a proteção à indústria nacional e o controle de importações, além de reprovar a condução da política macroeconômica governamental, caracterizada por vultosos déficits fiscais e uma política monetária expansionista que negligenciava as crescentes taxas de inflação, atingindo um patamar de 25% ao ano.

Para ter uma perspectiva, a dívida externa saltou de 1,517 bilhões de dólares para 2,223 bilhões de dólares em um lapso de mero quatriênio, evidenciando um acréscimo expressivo. Quanto à concentração de renda, a região metropolitana de São Paulo tornou-se responsável por quase metade do valor da produção industrial do país.

Esse conjunto de antinomias traduziu-se na desaceleração do ímpeto de crescimento industrial a partir de 1962, configur Essas circunstâncias complexas e conflitantes culminaram na desaceleração do ímpeto de crescimento industrial a partir de 1962, configurando, assim, a primeira crise econômica brasileira motivada por fatores internos. Diferentemente das crises anteriores, que tiveram suas origens em causas externas com impactos internos, essa crise revelou-se como uma expressão intrínseca dos desafios e contradições enfrentados pelo país em seu processo de desenvolvimento.

Essa conjuntura econômica adversa serviu como um alerta contundente sobre a necessidade de reformulações estratégicas e políticas mais equilibradas para enfrentar os desafios do crescimento sustentável. O Brasil precisava buscar alternativas para promover o aumento da produção interna, a diversificação econômica e a redução da dependência de importações de bens de alta tecnologia.

A crise também evidenciou a importância de uma gestão financeira mais cautelosa, com maior controle dos déficits fiscais e das taxas de inflação, bem como uma abordagem mais equilibrada nas relações com organismos internacionais, buscando conciliar as demandas internas com as pressões e expectativas globais.

Portanto, o episódio do período da conjunção da Instrução 113 com o GEIA e suas consequências econômicas e financeiras complexas representou um marco histórico no desenvolvimento do Brasil, revelando a necessidade de uma abordagem estratégica mais abrangente e sustentável para impulsionar o crescimento e superar os desafios inerentes ao processo de industrialização e inserção global do país.

Conclusão

Após uma análise minuciosa dos períodos democráticos no Brasil, desde o fim do Estado Novo em 1945 até o governo de Juscelino Kubitschek, é possível destacar a importância desse estudo para compreender os desdobramentos políticos e econômicos do país nessa época.

Durante este artigo, foram abordados temas como a transição democrática na década de 1940, analisando a trajetória dos sindicatos e as transformações sociais que ocorreram nesse período. Além disso, foram explorados os governos de Dutra, o retorno de Vargas ao poder e os eventos políticos e econômicos que levaram ao trágico desfecho de seu suicídio, bem como o governo de Café Filho.

Um dos pontos centrais dessa unidade foi o estudo do governo de Juscelino Kubitschek e seu projeto desenvolvimentista baseado no Plano de Metas. Essa abordagem permitiu compreender o contexto em que o Brasil se encontrava e as estratégias adotadas para impulsionar o desenvolvimento econômico e social do país.

A consolidação da industrialização por substituição de importações foi outro aspecto relevante explorado nessa unidade. Foi possível compreender os resultados desse processo e suas contradições no governo de Juscelino Kubitschek, durante o período de 1956 a 1961.

Portanto, ao longo deste artigo, tivemos a oportunidade de ampliar o conhecimento sobre a história política e econômica do Brasil, compreendendo a evolução dos eventos e suas consequências na sociedade brasileira. Esse conhecimento proporciona uma base sólida para a compreensão dos desafios e das oportunidades que o país enfrentou nesse período e auxilia na reflexão sobre os caminhos futuros para o desenvolvimento nacional.

 

Bibliografia

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MARTINS, Luis Carlos dos Passos. A grande imprensa “liberal” carioca e a política econômica do segundo governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento. Porto Alegre: ediPUCRS, 2016. Disponível na Biblioteca Virtual Universitária.

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