O Embate entre Democracia e Totalitarismo na Política

Os regimes totalitários tiveram um papel marcante no século XX, deixando profundas marcas socioculturais.

Anarquismo- Fonte: Pixbay, 2023
Anarquismo- Fonte: Pixbay, 2023

Resumo

Este artigo científico aborda os temas relevantes da democracia e do totalitarismo, explorando suas conexões com a política contemporânea e suas repercussões socioculturais. Ao longo do texto, serão discutidos os diferentes paradigmas políticos, desde os autores clássicos até a crítica ao Estado capitalista e a ascensão dos conservadores. Será enfatizada a importância da noção de democracia em nossa sociedade atual, presente nos meios de comunicação e nos debates políticos. Além disso, será dedicada uma atenção especial aos regimes totalitários que marcaram o século XX, analisando suas características e o impacto duradouro que deixaram na sociedade.

Introdução

A política é um campo vasto de estudos que abrange diversas linhas de pensamento e atuação. Ao longo de nossa trajetória acadêmica, fomos apresentados aos pensadores clássicos e às diferentes perspectivas críticas em relação ao Estado capitalista. Nesse contexto, a noção de democracia tem ganhado destaque, despertando debates intensos em nossa contemporaneidade.

A democracia, conceito central em muitas sociedades atuais, é frequentemente discutida nos noticiários de televisão, nos meios digitais e nas arenas políticas que acompanhamos. A sua relevância reside na busca pela participação cidadã, na garantia dos direitos fundamentais e no estabelecimento de mecanismos de representatividade. No entanto, para compreender plenamente a importância da democracia, é fundamental explorar suas relações com outros sistemas políticos, em especial o totalitarismo.

Os regimes totalitários, caracterizados por um controle absoluto do Estado sobre a sociedade, tiveram um papel marcante no século XX, deixando profundas marcas socioculturais. Compreender suas características, estruturas e consequências é essencial para uma análise aprofundada da política contemporânea.

Neste artigo científico, propomos explorar os temas próximos dos nossos dias, que têm se mantido em evidência na arena política e midiática. Buscaremos entender as bases da democracia e as discussões que a envolvem, bem como analisar os regimes totalitários que moldaram o passado recente da humanidade. Dessa forma, poderemos refletir sobre as implicações socioculturais desses sistemas políticos e compreender sua relevância em nosso contexto atual.

Metodologia

Para alcançar os objetivos propostos, este estudo baseia-se em uma revisão bibliográfica sistemática, consultando obras de renomados pensadores políticos, históricos e sociólogos. A análise comparativa de diferentes perspectivas teóricas permitirá uma abordagem crítica e embasada sobre os temas em questão. Além disso, serão utilizadas fontes contemporâneas, como artigos acadêmicos e reportagens, para contextualizar os debates atuais em torno da democracia e do totalitarismo.

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Robert Michels e a oligarquia

Robert Michels, sociólogo alemão nascido em 1876, destacou-se como um dos principais estudiosos do comportamento das elites intelectuais e dos partidos democráticos. Sua obra mais conhecida, "Sociologia dos Partidos Políticos", teve como objetivo analisar e compreender como os partidos políticos, que inicialmente são concebidos dentro dos princípios da democracia, acabam se transformando em instituições oligárquicas. Além disso, Michels adotava a perspectiva de democracia baseada na participação popular.

Uma das características distintivas de Michels em relação a outros estudiosos dos partidos políticos foi o momento em que escreveu sua obra. Ele estava imerso em um período de intensa atividade partidária, o que proporcionou uma abordagem mais realista sobre a noção de democracia. Sua proximidade direta com os partidos políticos também contribuiu para essa visão mais pragmática.

Michels explorou a dinâmica interna dos partidos políticos e observou que, à medida que se tornam mais complexos e hierarquizados, há uma tendência de concentração do poder nas mãos de uma pequena elite. Esse fenômeno, conhecido como "Lei de Ferro da Oligarquia", sustenta que, mesmo nas organizações que buscam a participação e a representação igualitária, as estruturas de poder tendem a favorecer a ascensão de uma elite governante.

A abordagem de Michels trouxe à tona uma reflexão crítica sobre os desafios e limitações da democracia representativa. Ao investigar as transformações dos partidos políticos em instituições oligárquicas, ele levantou questões importantes sobre a viabilidade da verdadeira participação popular e a preservação dos princípios democráticos.

Vale destacar que, o trabalho de Robert Michels foi fundamental para compreendermos as dinâmicas políticas que podem minar a democracia dentro dos próprios partidos políticos. Suas contribuições lançaram luz sobre a necessidade de se pensar em mecanismos de controle e transparência que permitam uma participação mais ampla e igualitária no processo político, buscando fortalecer os ideais democráticos e evitar a concentração excessiva de poder nas mãos de poucos.

Figura 1 – Robert MichelsFonte: Ssociologos, 2023
Figura 1 – Robert Michels Fonte: Sociólogos, 2023

Michels como Analista de Realismo e Utopia na Política Democrática

Ao discutir as ideias de realismo e utopia, é inevitável mencionar a contribuição de Robert Michels, cujas análises abrangem uma gama de conceitos relacionados à democracia, revolução e fascismo. Michels, como pensador utópico, direciona suas reflexões para uma análise aprofundada sobre esses temas, enquanto, como pensador realista, observa os limites das abordagens democráticas liberais, socialistas, sindicalistas e anarquistas.

No entendimento de Michels, a democracia é definida como a "soberania da vontade das massas nas decisões que afetam a comunidade", igualando, assim, democracia à soberania popular. Ele enxerga a democracia direta como o modelo ideal, capaz de expressar plenamente a vontade popular. No entanto, Michels reconhece que a democracia direta pode ser inviável em países ou regiões com grandes grupos populacionais, o que leva à necessidade de escolher representantes.

Os representantes, por sua vez, desempenham o papel de representar a massa social. Assim, os desejos do povo devem ser refletidos na vontade individual do representante, de modo que os governados possam controlar seus governantes. No entanto, é importante ressaltar que, muitas vezes, as vontades gerais não podem ser adequadamente transmitidas ou representadas, o que dificulta o controle das massas sobre seus líderes.

Além de suas reflexões sobre a democracia, Michels também apresenta influências do pensamento socialista ao associar a democracia à necessidade de uma revolução social como única forma de empoderar as massas e alcançar a vontade geral. Influenciado principalmente pelo Partido Social-Democrata Alemão, do qual fez parte por um longo tempo, Michels alinhou-se aos que apoiavam processos revolucionários e greves generalizadas.

O posicionamento político de Michels nesse momento reflete seu compromisso em buscar formas alternativas de empoderamento popular e alcançar uma sociedade mais igualitária. Sua análise crítica sobre as limitações das estruturas democráticas e seu engajamento com movimentos socialistas e revolucionários destacam a importância de repensar constantemente os sistemas políticos e buscar soluções que permitam uma maior participação e representação das massas.

Dessa forma, Robert Michels se consolida como um pensador que transita entre o realismo e a utopia, levantando questões relevantes sobre a democracia e oferecendo insights valiosos para a compreensão dos desafios e possibilidades presentes nos sistemas políticos contemporâneos. Suas contribuições continuam a inspirar debates e reflexões sobre a necessidade de se alcançar uma democracia mais participativa e verdadeiramente representativa.

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O Pensamento Revolucionário de Robert Michels

Figura 2 – Karl MarxFonte: Wikipedia, 2023
Figura 2 – Karl Marx Fonte: Wikipedia, 2023

O pensamento de Robert Michels é moldado por diversas influências, sendo o marxismo uma das mais significativas. Sua compreensão da luta de classes como o motor da história é fortemente inspirada por Marx e seus herdeiros intelectuais. Essa visão é alimentada pela consciência das classes, uma ideia que encontra respaldo no Manifesto do Partido Comunista de 1848.

Para Michels, a revolução do proletariado é a única possibilidade real de transformação da sociedade. Ele argumenta que medidas reformistas ou negociações entre as diferentes classes sociais são insuficientes para promover mudanças efetivas. Nesse sentido, Michels se destaca ao buscar fundamentos teóricos em Marx e aplicá-los ao seu contexto de estudo.

Outras importantes influências no pensamento de Michels são Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto, dois renomados cientistas políticos italianos associados à teoria das elites. Mosca estabelece as bases do elitismo ao afirmar que toda sociedade é caracterizada por uma minoria detentora de poder em detrimento da maioria. Por sua vez, Pareto analisa as interações sociais entre diferentes classes de elite, destacando que as elites se confrontam e se sucedem no exercício do poder.

Inspirado por essas perspectivas, Michels ousa estabelecer conexões entre a visão elitista e o pensamento de Karl Marx. Ele entende que a sucessão das elites e a imposição de poder da maioria sobre as minorias são fatores que influenciam o processo da luta de classes. Essa abordagem proporciona uma compreensão mais abrangente dos mecanismos sociais que impulsionam as transformações históricas.

No entanto, é importante destacar que a visão de Michels sobre a revolução apresenta contradições, já que há aproximações com o fascismo italiano. Ao definir o conceito de revolução, ele adota uma abordagem generalista, incluindo tanto a Revolução Francesa como a expansão fascista na Itália. Segundo Michels, o termo abarca a ideia de uma transformação radical do estado das coisas, independentemente da classe social envolvida, dos meios utilizados (legais, armados ou econômicos) ou da posição ocupada (alta ou baixa).

Assim, o pensamento de Robert Michels se caracteriza pela busca de um entendimento complexo das dinâmicas sociais, combinando elementos do marxismo com influências da teoria das elites. Sua análise crítica das estruturas de poder e sua visão ampla sobre a revolução despertam reflexões fundamentais para compreender os processos históricos e políticos. A abordagem multidimensional de Michels contribui para uma compreensão mais ampla das lutas de poder e das transformações sociais ao longo da história.

Você sabia

Consoante à discussão erudita de Norberto Bobbio (1998) em sua enciclopédia política, a expressão Fascismo ostenta uma plêiade de concepções, cujas vezes se antepõem em contraditório, fruto de um infindável emaranhado de definições, advindo da complexidade intrínseca do assunto e de seu impacto inelutável no curso da história. Entretanto, ao se debruçar sobre esse fato paradigmático, urge a necessidade de alinhavar três usos preeminentes da aludida terminologia: o que tangencia o fulcro original do vocábulo, emergido no Fascismo italiano, com sua insofismável relevância histórica particularizada; um segundo que se relaciona à esfera internacional, no momento em que o nazismo engendrou-se e enraizou-se na Alemanha, abarcando particularidades ideológicas singulares; e, por fim, o terceiro que abarca todos os movimentos e regimes que compactuam com o Fascismo histórico.

A Análise Profunda de Robert Michels: Democracia e Oligarquia

Ao prosseguir com sua análise, Robert Michels aborda a questão da democracia, levantando a impossibilidade da existência de uma democracia autêntica na qual os desejos dos liderados sejam plenamente compreendidos pelos líderes. Segundo Michels, o sistema democrático acaba por dar lugar a uma oligarquia, uma organização dirigida por pessoas cujos interesses, valores e decisões tornam-se cada vez mais conservadores e adaptados ao meio. Gradualmente, essas lideranças se distanciam das preferências do povo, voltando-se mais para a preservação do poder do que para as demandas sociais. Assim, elas se libertam da influência das massas populares (RIBEIRO, 2012).

É importante ressaltar que o conceito de oligarquia proposto por Michels não foi amplamente debatido pelo próprio autor. Sua definição e análise foram realizadas de forma densa em diversos de seus escritos. Ao longo de sua obra, Michels tece considerações sobre o aburguesamento dos dirigentes políticos, destacando como muitos socialistas se acomodaram à medida que seus objetivos reformistas começaram a se concretizar. Ele alerta para os efeitos prejudiciais dessa acomodação nos movimentos sociais, pois os líderes passam a utilizar a máquina pública como uma ferramenta para sua ascensão social. Nesse sentido, o autor também critica a existência de burocracias eficientes, pois estas podem permitir que bons funcionários se vejam como peças essenciais e insubstituíveis em detrimento da causa coletiva.

Em suma, Michels chama a atenção para o perigo de colocar os interesses daqueles que ocupam os postos de liderança no topo das organizações acima da vontade geral. É relevante ressaltar que o pensamento do autor é permeado por lacunas, ambiguidades e inconsistências que tornam complexa a compreensão de sua obra. No entanto, suas reflexões nos convidam a questionar a dinâmica das estruturas de poder e a importância de um controle democrático efetivo para evitar a ascensão de oligarquias que distanciam-se dos anseios populares.

Reflexões sobre o Anarquismo no Brasil: Uma Perspectiva Histórica

O anarquismo emerge como uma ideologia vinculada aos movimentos populares das classes operárias no Brasil, desde meados do século XIX. Caracterizado por uma postura crítica e uma estratégia voltada para alimentar os processos de mudança e transformação social, o anarquismo não possui uma visão uniforme, variando de acordo com diferentes autores e correntes teóricas (SIMÃO, 1989; PEDRO, 2012).

As ideias anarquistas abrangem visões sobre o ser humano e a sociedade em sua existência atual, bem como as possibilidades de modificar os modos de existência. A preocupação central do anarquismo reside no indivíduo, que é visto tanto como uma unidade em si mesmo quanto como parte de um grupo social. Daí emerge um dos principais questionamentos anarquistas: devem-se preservar as liberdades dentro das sociedades ou fora delas?

Nesse sentido, a resposta proposta é a autogestão em uma democracia direta, capaz de substituir as estruturas de poder existentes, seja na esfera econômica, nas organizações sociais ou na esfera política. Isso implica na eliminação da propriedade privada, das classes sociais, do Estado, do exército e da igreja (SIMÃO, 1989).

A visão anarquista vai além dos processos de autogestão e da atuação nos planos econômicos e de luta de classes. Ela busca fundamentar-se na necessidade de alterar as condições materiais e mentais de vida, rompendo com dogmas estabelecidos. Nesse contexto, a educação desempenha um papel fundamental, pois é capaz de romper com visões pré-existentes e abrir espaço para novas perspectivas de mundo.

Os anarquistas encontraram na organização dos sindicatos operários um terreno fértil para sua atuação. Foi nesses espaços que ocorreram as primeiras tentativas organizacionais de autogestão, sendo também locais de propagação de ideias, onde maiorias privilegiadas ou minorias silenciadas não se faziam presentes.

O principal objetivo dessas organizações era mobilizar os trabalhadores dentro das empresas, permitir a livre escolha dos representantes sindicais e promover greves que pudessem culminar em uma grande greve geral com potencial revolucionário (SIMÃO, 1989).

O anarco-sindicalismo pode ser compreendido tanto como uma doutrina quanto como um instrumento de luta. Como doutrina, os trabalhadores se veem como parte integrante das sociedades que desejam melhorar e desenvolver. Como luta, o objetivo principal é a derrubada do sistema capitalista por meio de uma greve geral, na qual o sistema seria substituído pela autogestão.

O movimento anarquista brasileiro se distanciou em alguns aspectos dos princípios marxistas, uma vez que acreditava que o caminho para a revolução social estava na eliminação dos contratos coercitivos de trabalho assalariado. Sua atuação se concentrava na sociedade civil, defendendo o acesso irrestrito aos direitos da democracia e buscando a universalização da cidadania. Enquanto isso, os marxistas direcionavam seus esforços para a transformação social atuando diretamente nos quadros do Estado.

Na história brasileira, durante o período da Primeira República, os sindicatos desempenharam um papel de destaque no movimento operário. Eles se posicionavam contra as práticas de gestão empresarial e a organização dos proletários em partidos políticos. O anarquismo, com sua visão de autogestão e luta direta, encontrou eco nesses sindicatos, que se tornaram espaços de resistência e de articulação de demandas trabalhistas.

Apesar de sua relevância e influência no movimento operário brasileiro, é importante reconhecer que o anarquismo enfrentou desafios e contradições ao longo do tempo. Suas ideias e práticas foram alvo de repressão e perseguição por parte das autoridades, e as diferentes correntes anarquistas muitas vezes divergiam em relação a estratégias e táticas.

No entanto, o anarquismo deixou um legado significativo no Brasil, inspirando gerações de trabalhadores e ativistas a lutar por uma sociedade baseada na liberdade, igualdade e autogestão. Suas reflexões sobre a sociedade, a educação e a organização social continuam sendo relevantes para os debates contemporâneos sobre a busca por uma sociedade mais justa e igualitária.

Assim, os apontamentos sobre o anarquismo no Brasil nos convidam a refletir sobre a importância de se questionar as estruturas de poder, a buscar formas alternativas de organização social e a defender os direitos e liberdades individuais. É um convite para pensarmos criticamente sobre as relações de poder em nossa sociedade e explorarmos possibilidades de transformação social que estejam em sintonia com os ideais anarquistas de autonomia, solidariedade e justiça.

Figura 3 – Operários e Anarquistas marchando em 1917 Fonte: Wikipedia, 2023
Figura 3 – Operários e Anarquistas marchando em 1917 Fonte: Wikipedia, 2023

Você sabia

O lapso temporal que abarca a denominada Primaz República, ou seja, a República Ancestral, estende-se desde a proclamação da República do Brasil em 1889 até o transcorrer do ano de 1930. O desdobramento republicano no solo pátrio foi impregnado pelos influxos do liberalismo e do positivismo, configurando-se como fruto de um consórcio entre as hostes militares e os detentores de latifúndios cafeeiras. Aprofundando-se nesse ínterim histórico, uma leitura elucidativa pode ser realizada no seguinte compêndio: GOMES, Ângela; FERREIRA, Marieta. Primaz República: um escrutínio historiográfico. In: Estudos Históricos, volume 2, número 4, páginas 244-289, 1989.

Disponível aqui: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2287/1426

É importante ressaltar que o movimento anarquista não se restringe exclusivamente aos sindicatos ou aos trabalhadores. Trata-se de uma organização de indivíduos que se opõem ao capitalismo e buscam o fim do Estado, almejando uma nova ordem social baseada na autogestão, sem o objetivo de substituir os governantes. Sua verdadeira meta é a abolição das classes sociais, buscando a igualdade entre os seres humanos.

Uma das críticas centrais do movimento anarquista foi direcionada ao rumo tomado pela Revolução Russa, que, segundo esses grupos, se distanciou do verdadeiro ideal comunista ao não abolir o Estado e fortalecer o poder econômico, alimentando assim o antagonismo com o sistema capitalista.

Na história do movimento sindical brasileiro, houve momentos de crise em relação aos seus princípios básicos e às demandas sociais. Um desses momentos ocorreu quando o governo federal, em 1926, solicitou a participação dos sindicatos na elaboração de um código trabalhista, o que gerou discordância entre vários grupos que criticavam a aproximação com a estrutura estatal, resultando até mesmo no declínio de algumas organizações sindicais.

O ressurgimento do movimento anarquista ocorreu durante o período do Regime Militar no Brasil, sendo fortemente influenciado pelos movimentos libertários ocorridos na Europa em 1968. Nessa fase da história, os movimentos anarquistas lutavam principalmente contra o regime ditatorial presente no Brasil e defendiam o Estado Democrático de Direito.

No entanto, nesse momento, havia pouca adesão por parte dos trabalhadores. A maioria das pessoas que se identificavam com o movimento era composta por estudantes e intelectuais das ciências humanas. A atuação desses grupos ocorria principalmente em centros culturais e em publicações periódicas. Além disso, foram realizados muitos cursos sobre o tema na época, especialmente na Bahia, em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Dessa forma, o movimento anarcossindical se expandiu por meio de grupos universitários e intelectuais que romperam ideologicamente com o sistema dominante e buscaram disseminar essa visão social entre os trabalhadores. A intenção era unir teoria e prática, levando as ideias anarquistas aos operários e promovendo a conscientização e a luta por uma sociedade baseada na liberdade, igualdade e autogestão.

A compreensão da história e a emergência dos regimes totalitários

Hannah Arendt, eminente intelectual de ascendência judaica, oriunda da Alemanha, desponta como uma das mentes mais proeminentes e influentes do século XX. Em virtude de sua breve detenção pelo regime nazista, em meados da década de 1930, Arendt optou pelo exílio nos Estados Unidos, onde, além de sua notável contribuição teórico-política, exerceu atividades jornalísticas e docentes, conquistando uma posição de destaque e exercendo influência sobre um vasto círculo de pensadores.

Figura 4 – Hannah Arendt Fonte: Estado da arte, 2023
Figura 4 – Hannah Arendt Fonte: Estado da arte, 2023

Arendt, uma ardorosa defensora das concepções de pluralismo, insurgia-se perante a democracia representativa, preferindo abraçar a ideia de conselhos ou democracia direta como geradores da liberdade e igualdade entre os indivíduos. Em sua obra, encontramos críticas incisivas voltadas a luminares do pensamento como Platão, Aristóteles, Maquiavel e Montesquieu.

De maneira independente, ela erigiu sua própria teoria política, cujo fulcro repousa na análise do totalitarismo e na defesa de debates políticos abertos, erguendo-se assim como um dos pilares do pensamento político moderno. Com uma abrangente gama de fontes referenciadas, Arendt incorporou suas experiências pessoais como refugiada, jornalista e professora em suas reflexões.

Arendt, todavia, nutria certa aversão ao rótulo de filósofa, buscando transcender tal classificação por meio de uma inquisição incansável acerca das dimensões políticas e uma tentativa de desvelar a verdadeira natureza da política.

Ao argumentar que a filosofia política, ao longo da história, havia perdido sua essência, Arendt empreendeu uma árdua jornada em busca de um "tesouro perdido", que pudesse orientar seu pensamento político. Nesse percurso, ao contemplar a condição humana, ela resgatou questionamentos de seu passado e a necessidade de regressar às origens como uma força propulsora de reflexão.

Hannah Arendt e as origens do totalitarismo

Hannah Arendt, em sua notável contribuição ao pensamento contemporâneo, emerge como uma voz perspicaz que testemunhou as agruras da República de Weimar e a ascensão avassaladora do nazismo. Em meio a essa conturbada realidade, ela lança um alerta pertinente sobre a interpretação equivocada das visões políticas greco-romanas na sociedade moderna (ARENDT, 2007).

Impulsionada por um anseio incessante de desvelar a dimensão e o significado da política, bem como questões fundamentais como a liberdade, Arendt trilha incansavelmente um caminho reflexivo. Em seu notável trabalho "Origens do Totalitarismo", publicado em 1951, após a conclusão de sua tese de doutorado, ela mergulha em uma profunda análise dos três pilares que o sustentam: o antissemitismo, o imperialismo e o totalitarismo. A obra se propõe a examinar os fenômenos que emergiram nesse contexto de conflitos mundiais e a transformação da ordem global.

Vale ressaltar que a intenção de Arendt não é meramente lamentar os horrores desse período sombrio da história. Pelo contrário, seu esforço reside na busca por compreender, de forma intrépida e atenta, a realidade imposta, enfrentando-a com coragem. Ela reconhece que é um fardo que precisa ser analisado e compreendido, pois negar sua existência seria negar o peso histórico que carrega consigo (ARENDT, 1998).

O fenômeno do totalitarismo, segundo Arendt, representa uma ruptura sem precedentes na trajetória histórica, caracterizado pela completa dissolução das esferas públicas. Sua análise profunda e perspicaz revela as intricadas teias que envolvem essa manifestação de poder absoluto, incitando uma reflexão contundente sobre suas implicações e desafios (SILVA, 2015).

Figura 5 – Cartaz de propaganda dos regimes totalitários nazista e stalinista Fonte: Wikipedia, 2023
Figura 5 – Cartaz de propaganda dos regimes totalitários nazista e stalinista Fonte: Wikipedia, 2023

O totalitarismo, em sua essência, constitui uma forma de governo singular que se distancia tanto das ditaduras quanto das tiranias. Independentemente de sua orientação política, seja de direita ou esquerda, ele se fundamenta na ideologia e no terror como pilares de sua existência. O estágio inicial desse sistema é marcado pela supressão de todos os pontos de referência tradicionais em prol de decisões arbitrárias, desprovidas de lógica, exceto pela busca de instaurar e fortalecer o regime em si (DRUCKER, 2000).

Em sua análise acurada, Drucker (2000) aponta que o ápice dos regimes totalitários reside na supressão física dos indivíduos, que são reduzidos a meras figuras impotentes, destituídas de iniciativa e sem pertencimento à comunidade.

Arendt, por sua vez, revela que o Holocausto vai além de uma mera consequência paralela de um regime totalitário; é a sua consumação, a expressão extrema da destruição do ser humano, algo jamais testemunhado anteriormente na história.

Ao debater e analisar o antissemitismo, Hannah Arendt (1972) compreende que ele representa a mais ampla situação de desenvolvimento do Estado-Nação, inextricavelmente entrelaçada com seu colapso. Segundo ela, "a disposição de um grupo de pessoas em um dado país e em um determinado momento histórico de se tornarem antissemitas dependia exclusivamente das circunstâncias gerais que os levavam ao antagonismo violento contra o governo" (Arendt, 1989, p. 48).

Dessa forma, ela distancia o antissemitismo do mero viés religioso. A intelectual argumenta que as teses de uma perseguição milenar aos judeus ou de culpa inerente a essa categoria social acabam por obliterar a importância de uma análise mais aprofundada do fenômeno. Nenhum aspecto do passado do povo judeu pode servir como justificativa para uma dominação absoluta. O antissemitismo não é produto de nacionalismos tradicionais, mas sim de um nacionalismo que se desenvolveu em paralelo ao declínio do Estado-Nação.

Os judeus são identificados ao longo da história por sua influência social, especialmente nas monarquias, devido à sua capacidade financeira. Com a Revolução Francesa, obtiveram direitos ampliados em troca de empréstimos. No entanto, com o advento do imperialismo e a necessidade de uma participação política generalizada, os judeus passaram a ser marginalizados, uma vez que não se encaixavam no perfil dos colonizadores e sua influência foi reduzida. Na crise do Estado-Nação, os judeus se tornaram alvos do ódio, pois representavam aparentemente o Estado (ARENDT, 1989; VICENTE, 2012).

Figura 6 – Prisioneiros de Auschwitz, um campo de concentração Fonte: Auschwitz-Birkenau, 2023
Figura 6 – Prisioneiros de Auschwitz, um campo de concentração Fonte: Auschwitz-Birkenau, 2023

Arendt chama a atenção para as concepções preestabelecidas sobre os judeus, alertando que não foi a sociedade que iniciou sua separação e segregação, mas os próprios judeus. No entanto, quando, no século XIX, os primeiros movimentos antissemitas começaram a atuar contra possíveis organizações secretas judaicas que supostamente almejavam o poder, já não era mais viável reverter o curso inexorável da história.

O fenômeno do imperialismo, compreendido como a necessidade e o desejo de expansão e colonização do Estado-Nação, desde o fim do século XIX até o início da Primeira Guerra Mundial em 1914, desempenha um papel crucial nesse contexto. Caracterizado pela transformação de objetivos nacionais em uma busca implacável pelo poder, o imperialismo ameaçava destruir todo o mundo sem metas claras, territórios definidos ou previsões e direções estabelecidas (ARENDT, 1989).

O imperialismo analisado por Arendt possui como motivação central a expansão contínua e perpétua, não fundamentada em princípios políticos, mas sim em especulações econômicas e na necessidade de escoar excedentes de produção e criar novos mercados. Nesse contexto, a política se subordina aos interesses econômicos, e a marca distintiva desse sistema é a subjugação da política em prol desses interesses.

No âmago do imperialismo, os desejos privados são convertidos em ferramentas políticas, e o poder se resume à dominação pela violência, sendo o racismo e a burocracia os pilares fundamentais da organização imperialista.

É a partir dessas duas situações que Hannah Arendt aponta o que ela denomina como a cristalização do totalitarismo, percebendo que os governos totalitários não surgiram ao acaso, mas são produto de fatores sociais preexistentes, uma criação humana que responde a necessidades puramente humanas. Esse regime só alcançará sua plenitude quando eliminar todas as fontes de liberdade e possibilitar a criação de um novo homem (VICENTE, 2012).

O totalitarismo, portanto, se alimenta da ideologia como uma fonte essencial para explicar todo o curso da história, demolindo todas as conexões com o mundo real e baseando-se em imagens fictícias e logicamente coerentes (VICENTE, 2012). Dessa forma, os seres humanos são segregados por correntes de ferro que aniquilam sua pluralidade e os colocam uns contra os outros, mergulhados em um estado de terror absoluto (ARENDT, 1989).

Arendt destaca algumas características essenciais dos regimes totalitários, como a organização em camadas de movimentos que projetam uma imagem ficcional de um mundo supostamente normal. A apropriação das pessoas também é uma característica marcante, na qual não há distinção entre vida pública e privada, e os indivíduos são isolados da sociedade, configurando-a como uma massa amorfa. Tudo isso é conduzido pela burocracia como forma de domínio, com determinações realizadas por meio de decretos.

Figura 7 – Adolph Eichmann, sendo julgado em 1961 Fonte: Assessoria de Imprensa de Israel, 2023
Figura 7 – Adolph Eichmann, sendo julgado em 1961 Fonte: Assessoria de Imprensa de Israel, 2023

A contemporaneidade do pensamento de Hannah Arendt

A contemporaneidade do pensamento de Hannah Arendt revela-se nas obras que sucedem sua monumental obra "Origens do Totalitarismo", em que a filósofa não apenas reafirma a valorização do indivíduo, de sua capacidade de discernimento e seu valor intrínseco, mas também empreende uma análise perspicaz dos regimes totalitários de seu tempo.

Dentre as obras que se destacam nesse escopo intelectual, podemos citar "Eichmann em Jerusalém - relatos sobre a banalidade do mal", publicada em 1961. Nesse magistral trabalho, Arendt acompanha o julgamento de Adolph Eichmann, um dos arquitetos do Holocausto. O retrato que ela traça desse personagem não condiz com a imagem monstruosa que se poderia imaginar; pelo contrário, Eichmann exibia uma serenidade e uma rotina cotidiana que contrastavam com a magnitude dos horrores perpetrados.

É nesse contexto que emerge a concepção de banalidade do mal, resultado da imersão de Arendt como correspondente do jornal The New York Times durante o julgamento de Eichmann. Essa noção controversa e profundamente relevante revela que, ao examinar os comportamentos desse homem, não se encontravam traços diabólicos ou malévolos que justificassem a prática dos atos nefastos que ele desempenhou. Surpreendentemente, nem mesmo sua personalidade apresentava indícios psicológicos que pudessem explicar tal comportamento.

Nesse sentido, Arendt alerta que o mal não é algo excepcional ou externo às pessoas, não se trata de uma monstruosidade. Ao contrário, revela-se como algo banal, disseminado por múltiplos lugares, capaz de conduzir aos mais atrozes atos e comportamentos.

A chave para compreender o comportamento de Eichmann reside em sua notável passividade frente à burocracia estatal. Esse homem comum subordinava-se a qualquer ordem proveniente do Estado, valendo-se da especialização técnica para lidar com os campos de concentração. Desprovido de um diálogo interior questionador, incapaz de exercer uma reflexão crítica sobre suas ações, Eichmann limitava-se a ser um mero executor do regime nazista.

Consequentemente, os atos de maldade perpetrados por Eichmann, segundo a perspectiva de Hannah Arendt, são fruto de uma ausência de reflexão, de uma incapacidade de pensar e ponderar. Apesar disso, ele possuía plena consciência do que estava fazendo e do massacre ocasionado pelo regime, e mesmo assim prosseguia em sua trajetória. Para ele, não havia espaço para considerações morais ou honra; seu foco estava unicamente voltado para o êxito pessoal e o avanço em sua carreira profissional. Enquanto para os judeus representava-se o extermínio de uma população, para Eichmann simbolizava o alcance do sucesso tão almejado.

Dessa forma, o mal não é algo sobrenatural ou anômalo, mas sim algo que pode manifestar-se por intermédio de um indivíduo comum, inserido em padrões de vida convencion onais. Assim, o mal moderno transcende a necessidade de figuras personificadas como vilões ou demônios, revelando-se na possibilidade latente de ser perpetrado por qualquer ser humano comum, seja aquele que caminha ao nosso lado nas ruas ou até mesmo alguém que ocupa um cargo político de influência.

Portanto, a atualidade do pensamento de Hannah Arendt reside na sua capacidade ímpar de desvendar as complexidades da natureza humana, revelando as sutilezas do mal que permeiam as estruturas sociais e políticas. Ao compreender a banalidade do mal, ela nos instiga a refletir sobre a responsabilidade individual e coletiva diante das atrocidades e a não subestimar o potencial destrutivo que pode se ocultar na aparente normalidade do cotidiano.

Dessa forma, a obra de Hannah Arendt continua a ecoar, provocando-nos a questionar e a enfrentar os desafios éticos e morais que permeiam nossa existência, incentivando-nos a reavaliar constantemente nossas ações, escolhas e o papel que desempenhamos na construção de uma sociedade mais justa, livre e digna.

Você quer ver

O filme Hannah Arendt – Ideias que Chocaram o Mundo, de Margarethe von Trotta (2013), narra a vida da intelectual quando acompanhou o julgamento de Eichmann, mostrando o processo de escrita da intelectual sobre o holocausto e o desenvolvimento da sua tese sobre a “banalidade do mal.”

Conclusão

Em suma, ao abordar as movimentações sociais do século XX, exploramos diferentes perspectivas que ampliaram nosso entendimento sobre a ação política, a transformação social e os perigos do poder concentrado. As reflexões de Robert Michels nos alertaram para a possibilidade de os dirigentes políticos priorizarem seus interesses individuais em detrimento do bem comum, ressaltando a importância da vigilância democrática. Já ao investigar o anarquismo brasileiro, vislumbramos sua luta pela superação do Estado burguês e sua influência por meio de sindicatos e intelectuais engajados. Por fim, adentramos no universo do totalitarismo, através da obra de Hannah Arendt, que nos revelou a face banal do mal e a necessidade de estarmos atentos à presença do mal nas estruturas cotidianas. Ao abordar esses temas, buscamos aprofundar nosso conhecimento sobre a complexidade das interações sociais e a importância de compreender e questionar as dinâmicas políticas, sociais e ideológicas que moldam nosso mundo. Esperamos que esta jornada tenha contribuído para uma maior consciência crítica e uma visão ampliada das possibilidades de transformação social rumo a um futuro mais justo e igualitário.

 

Bibliografia

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