As políticas de reforma agrária assumem um papel de destaque como ferramentas essenciais para combater a desigualdade existente no país.
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Resumo
Este artigo aborda diversas temáticas relacionadas ao
espaço rural e à questão agrária no Brasil. Inicialmente, discute-se as
singularidades do espaço rural, destacando as transformações ocorridas nas
relações entre o campo e a cidade, bem como as consequências dessas mudanças
para as dinâmicas sociais e econômicas.
Em seguida, analisa-se o papel do agronegócio no Brasil,
evidenciando sua expansão e impacto sobre a agricultura familiar. São
apresentadas as diferenças entre o agronegócio e a agricultura familiar,
ressaltando os desafios enfrentados pelos pequenos produtores diante do modelo
agroindustrial dominante.
A questão agrária também é abordada, enfatizando a
concentração de terras e a falta de acesso à terra por parte de muitas
famílias. São discutidos os processos de land grabbing, nos quais grandes
empresas multinacionais adquirem extensas áreas de terras, e as consequências
desse fenômeno para a reforma agrária e o desenvolvimento rural.
Por fim, é apresentado um panorama atual da reforma agrária
no Brasil, destacando a paralisação dessa política nos últimos anos e as
dificuldades enfrentadas pelos movimentos sociais e comunidades rurais na luta
por acesso à terra e melhores condições de vida.
O artigo busca compreender as transformações ocorridas no
espaço rural brasileiro, problematizando as relações entre agronegócio e
agricultura familiar, as disparidades na distribuição de terras e as
perspectivas para a reforma agrária.
Palavras-Chave- Espaço rural, Relações Rural-Urbano, Agronegócio, Agricultura familiar, Questão agrária, Reforma agrária, Concentração de terras, Land grabbing, Desigualdade social, Sustentabilidade, Inclusão social, Políticas públicas, Agricultura agroecológica, Movimentos sociais rurais, Soberania alimentar, Justiça social, Preservação ambiental, Diversidade agrícola.
Introdução
Você já parou para refletir sobre o impacto das políticas
de reforma agrária no Brasil, especialmente na vida das famílias assentadas?
Esses projetos de assentamentos rurais, resultantes de esforços para
democratizar o acesso à terra, desempenham um papel fundamental na sociedade,
contribuindo para reduzir a desigualdade e a exclusão social. No entanto, a
questão agrária brasileira é profundamente complexa, enraizada em desafios
históricos que impedem um acesso democrático e equitativo à terra.
Neste contexto, as políticas de reforma agrária assumem um
papel de destaque como ferramentas essenciais para combater a desigualdade
existente no país. Elas promovem a diversificação da produção de alimentos,
favorecem a permanência do trabalhador rural no campo e buscam melhorar a
qualidade de vida da população como um todo. Contudo, essas políticas
frequentemente se encontram no centro de um intricado jogo de interesses,
colocando o trabalhador rural e a sociedade em desvantagem. A análise dos
conflitos sociais no campo ao longo da história do Brasil evidencia a
persistência dessa desigualdade estrutural.
Neste artigo, nosso objetivo é explorar as múltiplas
facetas das ruralidades, abrangendo tanto a agricultura familiar quanto o
agronegócio, bem como as lutas sociais no campo e as políticas de reforma
agrária. Buscaremos compreender a complexidade da questão agrária brasileira,
levando em consideração o contexto político-econômico do país ao longo dos
anos, que tem favorecido um modelo de concentração de terras em detrimento da
distribuição equitativa do poder.
Ao
examinarmos essas temáticas de forma crítica e reflexiva, almejamos identificar
caminhos para promover transformações positivas nesse cenário. Daremos ênfase à
valorização da agricultura familiar e ao desenvolvimento de um agronegócio
sustentável, que promova justiça social, equidade e respeito ao meio ambiente.
Com essa abordagem, visamos contribuir para a construção de soluções que
impulsionem uma agricultura inclusiva, produtiva e resiliente, capaz de promover
o desenvolvimento sustentável em nosso país.
Metodologia de Pesquisa
A
metodologia utilizada nesta pesquisa envolveu uma revisão bibliográfica
extensiva, buscando fontes confiáveis e atualizadas sobre os temas abordados.
Foram consultados livros, artigos científicos, relatórios de organizações
governamentais e não governamentais, bem como documentos oficiais e
estatísticas relevantes.
Além
disso, foram realizadas análises e interpretações críticas dos dados e informações
coletados, buscando identificar padrões, tendências e relações entre os
diferentes elementos abordados no estudo.
A
pesquisa também incluiu a análise de estudos de caso e exemplos concretos
relacionados aos temas em questão, com o objetivo de ilustrar e embasar os
argumentos apresentados.
Por
fim, a pesquisa se baseou em uma abordagem multidisciplinar, envolvendo
conhecimentos das áreas de economia, sociologia, agronomia, política e
desenvolvimento sustentável, a fim de proporcionar uma visão ampla e abrangente
dos temas tratados.
É
importante ressaltar que esta pesquisa se apoia em fontes e informações
disponíveis até a data de seu término, garantindo assim a precisão e
confiabilidade dos resultados apresentados.
As singularidades do espaço rural
Imagem de Heri Santoso por Pixabay |
Ao abordarmos o espaço rural, sua compreensão vai além de
meras características físicas, adentrando no âmbito do modo de vida e das
relações sociais. Seguindo a visão de Kayser (2000), o rural é
entendido como um modo particular de vida e organização do espaço, demandando
uma análise abrangente de seus contornos, especificidades e representações.
De acordo com essa perspectiva, o espaço rural é não apenas
um território ocupado, mas também um lugar onde se vivencia um modo de vida
específico, marcado por uma identidade enraizada na localidade. É um espaço
singular em que os habitantes rurais exercem sua cidadania e, ao mesmo tempo,
participam ativamente da sociedade em geral.
No entanto, é crucial destacar que o espaço rural não é
estático, nem caracterizado por atributos fixos que se replicam uniformemente
em todo o mundo. Ele é um espaço dinâmico, em constante transformação, cujas
características se adaptam conforme a sociedade e a época histórica em questão.
Wanderley (2000), ao analisar a dinâmica das sociedades modernas moldadas pelo sistema capitalista, ressalta o predomínio da visão de industrialização e urbanização. Essa estrutura levou à teoria de que as sociedades rurais desapareceriam, absorvidas pela modernidade, e a agricultura seria meramente mais uma área de investimento de capital. Nesse contexto, a figura do camponês seria substituída pelo agricultor, concebido como um cidadão comum, rompendo totalmente com a história do campesinato. Essa abordagem influenciou muitas pesquisas sociológicas.
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Portanto, é fundamental reconhecer a necessidade de uma
perspectiva atualizada e crítica sobre o espaço rural, que considere sua
dinamicidade e as diversas formas de identidade que emergem nesse contexto. A
compreensão do espaço rural contemporâneo requer uma análise sensível às
transformações ocorridas nas sociedades, desafiando visões simplistas e
estereotipadas. Ao explorarmos essas dinâmicas, poderemos melhor apreender a
complexidade das relações rurais e contribuir para o desenvolvimento de
abordagens mais integradoras e inclusivas para o futuro do espaço rural.
Reconfigurando as Relações Rural-Urbano
À luz das reflexões de Oliveira (2001), é evidente
que o capitalismo, ao criar e recriar as condições de sua própria existência,
não promove uma uniformização completa da sociedade. As particularidades dos
lugares e grupos sociais resistem, mesmo diante dos processos de
industrialização e urbanização. Conforme ressalta Wanderley (2000, p.
89), a modernização redefine, sem anular, a relação entre campo e cidade,
assim como o papel do agricultor na sociedade. Especialmente no caso do
agricultor familiar, presente nos países ditos "avançados", os laços
profundos com a tradição camponesa, herdada de seus antepassados, são
preservados.
Duby (1973) destaca que as
cidades surgiram como "parasitas tutelares" do espaço rural,
que durante séculos foi o motor da história. No entanto, ao longo do tempo, as
cidades passaram a concentrar funções de dominação sobre o meio rural,
invertendo essa relação. Como resultado, "as cidades se tornam donas de
tudo e o campo verdadeiro servo e subordinado" (DUBY, 1973, p. 11).
No entanto, é importante ressaltar, conforme enfatiza Wanderley (2000, p. 92), que as cidades também não são homogêneas, e as diferenças entre elas afetam as relações que podem ser estabelecidas com o meio rural. A relação entre cidade e campo continua sendo objeto de discussão, mesmo nas sociedades modernas, especialmente devido às complexas condições que influenciam o dinamismo das interações entre esses dois espaços.
Nas últimas décadas, com o expressivo aumento das
exportações de produtos agrícolas e agroindustriais, surgiu o termo "agronegócio",
que se tornou institucionalizado no Brasil na década de 1990. No entanto, é
importante distinguir a agricultura moderna, os complexos agroindustriais e o
agronegócio, pois embora todos estejam relacionados à modernização agrícola,
não possuem os mesmos significados.
Embora as três expressões envolvam o uso intensivo de
insumos e máquinas, a diferenciação ocorre pela relação com a exportação, que
se torna mais evidente no agronegócio (MENDONÇA, 2005). Essa relação
está diretamente associada à integração tanto da indústria quanto dos pequenos
agricultores. Conforme Heredia, Palmeira e Leite (2010, p. 161) afirmam,
ao abordarmos os processos relacionados ao agronegócio, é essencial
compreendê-los como algo que vai além do crescimento agrícola e do aumento da
produtividade.
Diante desse panorama, fica claro que as relações entre o
meio rural e urbano são complexas e estão em constante evolução. Compreender
essas transformações é fundamental para lidar com os desafios contemporâneos
que surgem nessa interação. A promoção de um diálogo construtivo entre os
diferentes atores envolvidos é essencial para desenvolver estratégias que valorizem
a agricultura familiar, impulsionem o agronegócio de maneira sustentável e
contribuam para a construção de um ambiente rural e urbano mais integrado,
equitativo e resiliente.
Agronegócio
no Brasil
Imagem de Pete Linforth por Pixabay |
O agronegócio tem se destacado
como um setor essencial para a economia brasileira. Em 2020, sua participação
no Produto Interno Bruto (PIB) alcançou a marca de 26,6%, de acordo com
dados da Confederação Nacional da Agricultura (CNA, 2020). Esse
resultado representa um crescimento significativo de 24,31% em relação ao ano
anterior, com um valor monetário de 2 trilhões de reais, enquanto o PIB total
do país atingiu 7,5 trilhões de reais.
Mesmo em meio à crise
provocada pela pandemia de COVID-19, o setor do agronegócio continuou
avançando, superando obstáculos e registrando um crescimento acelerado nos
meses seguintes ao período inicial da crise. Essa trajetória ascendente
abrangeu todos os segmentos do agronegócio e culminou em um recorde anual de
crescimento para o setor (CNA, 2020).
O conceito de agronegócio,
derivado do agrobusiness dos Estados Unidos, abrange uma ampla gama de
atividades, que vão desde a produção agrícola até a distribuição de commodities
agrícolas. Essa abrangência engloba não apenas as operações da fazenda, mas
também a fabricação e distribuição de insumos agrícolas, bem como as atividades
relacionadas à manipulação, estocagem, processamento e distribuição dos
produtos agrícolas. Em suma, o agronegócio compreende todas as etapas
envolvidas na produção e distribuição de alimentos e fibras (Davis, 1955, p.
5 apud POMPEIA, 2020, p. 196).
Nessa perspectiva, o
agronegócio configura-se como uma complexa cadeia produtiva, que abrange desde
o ambiente institucional, com suas influências culturais, tradições, educação e
costumes, até a trajetória do cultivo ao consumidor, que envolve insumos,
agropecuária, indústria e distribuição em diferentes níveis (atacado e
varejo). Além disso, o ambiente organizacional desempenha um papel crucial,
fornecendo informações, associações, pesquisas e desenvolvimento, serviços
financeiros e envolvimento de empresas (Gasques e Bastos, 2003).
Essa cadeia produtiva do
agronegócio incorpora uma ampla gama de serviços e atividades, como pesquisa,
assistência técnica, transporte, comercialização, crédito, exportação, serviços
portuários, distribuição, bolsas, industrialização e o consumo final (GASQUES;
BASTOS, 2003, p. 8). No entanto, é importante ressaltar que a visão
totalizadora do agronegócio pode negligenciar os conflitos políticos e
distributivos existentes entre os diferentes atores envolvidos, conforme
apontado por Pompeia (2020, p. 197).
No Brasil, a partir da década
de 1990, estabeleceu-se uma relação estratégica entre a economia política e o
agronegócio, visando à integração da agropecuária. Nesse contexto, surgiram
organizações como a Associação Brasileira de Agrobusiness (ABAG) em
1993, bem como o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea),
que se tornou o principal centro de pesquisa quantitativa sobre o agronegócio
no país.
Contudo, é necessário
questionar a visão totalizadora do agronegócio e seus efeitos sobre os pequenos
agricultores. Pompeia (2020) argumenta que essa perspectiva acaba
reforçando um modelo excludente de desenvolvimento rural, que privilegia apenas
aqueles produtores que se enquadram em critérios específicos, como o tamanho da
propriedade e a adoção de tecnologias modernas. Isso acaba gerando
desigualdades e marginalizando aqueles que não se encaixam nesse modelo.
A ênfase na participação do
agronegócio no PIB tem levado os governos, independentemente de suas
orientações políticas, a priorizarem esse setor em detrimento de questões
ambientais, indígenas e trabalhistas. Essa abordagem reducionista tem
contribuído para a diminuição da importância da reforma agrária na agenda
política nacional, deixando de lado a necessidade de promover uma distribuição
mais equitativa de terras e recursos (POMPEIA, 2020, p. 203).
Diante desse cenário, é
fundamental ampliar o debate sobre o agronegócio, considerando suas múltiplas
perspectivas e impactos na sociedade. É necessário buscar um equilíbrio entre o
desenvolvimento econômico, a sustentabilidade ambiental e a justiça social, a
fim de promover uma agricultura mais inclusiva e responsável.
Agronegócio
versus agricultura familiar
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A agricultura familiar desempenha um papel fundamental ao
longo da história, embora tenha enfrentado desafios à medida que o setor
agropecuário se desenvolvia tecnologicamente. Infelizmente, o termo
"agricultura familiar" passou a ser associado a algo antiquado e de
pouca relevância (GUILHOTO et al., 2006). No entanto, é crucial
compreender a importância desse sistema de produção, considerando suas
implicações socioeconômicas e os desafios enfrentados pelas pessoas que
dependem do campo para sobreviver.
No Brasil, encontramos uma diversidade de propriedades
rurais em termos de tamanho, capital e tecnologia, o que torna impossível
homogeneizar o setor. No entanto, ao calcular a participação do agronegócio no
PIB brasileiro, não se especifica o montante que corresponde à produção
familiar, resultando em uma falta de clareza sobre o verdadeiro valor bruto
dessa produção (GUILHOTO et al., 2006).
O estudo realizado por Guilhoto et al. (2006)
busca destacar o peso da agricultura familiar no agronegócio brasileiro.
Segundo os autores, em 2003, os números revelam a relevância econômica desse
setor no contexto do Brasil. No entanto, é importante ressaltar que os cálculos
do PIB realizados pelo Cepea consideram tanto as unidades patronais quanto as
unidades familiares na produção agropecuária. No entanto, quando analisamos
separadamente, observamos que as unidades familiares representam um terço do
PIB total do agronegócio (POMPEIA, 2020). A mesma lógica se aplica aos
empregos gerados pelo agronegócio.
Segundo o Cepea, as famílias rurais com atividades
agrícolas contabilizadas pelo IBGE são incluídas no cálculo dos empregos
gerados pelo agronegócio no Brasil. Em 2018, o Cepea registrou pouco mais de 18
mil empregos no setor, correspondendo a cerca de 19% das pessoas ocupadas no
país naquela época (POMPEIA, 2020). No entanto, de acordo com Mattei
(2015), a agricultura familiar é responsável por aproximadamente 70% dos
empregos gerados no campo, um número que é considerado no total contabilizado
pelo agronegócio sem diferenciação. Esse estímulo por meio da criação de postos
de trabalho contribui para fixar a população no campo e aumentar a oferta de
alimentos para toda a sociedade. A discussão em torno desse tema é complexa e
não pode ser facilmente resolvida.
Os conflitos sociais no campo, especialmente a luta pela
terra no Brasil, são uma realidade que remonta à nossa história. Desde a época
da colonização até os dias atuais, esses embates são constantes, e a violência
tem sido uma característica marcante. Os povos indígenas são exemplos dessa
luta pela terra, pois há mais de 500 anos enfrentam um processo contínuo de
destruição de sua história e de seus territórios. A luta pela terra no Brasil
nunca cessou e continua a se perpetuar ao longo da história do país.
A questão
agrária no Brasil
A luta por justiça social e
igualdade no campo é uma constante na história do Brasil. Desde os tempos da
escravidão, em que os negros lutavam por liberdade e terra, até os movimentos
mais recentes como o MST, a batalha por acesso à terra e distribuição de renda
tem sido uma pauta importante no país.
Os quilombos surgiram como
territórios de resistência, onde os negros escravizados encontraram liberdade e
trabalho. Essas comunidades enfrentaram verdadeiras guerras contra os senhores
de escravos, lutando por sua sobrevivência e dignidade. Hoje, finalmente, esses
territórios estão sendo oficialmente reconhecidos e demarcados, embora esse
processo seja lento e marcado por muitos desafios.
Além dos quilombos, os
posseiros também são protagonistas da questão agrária no Brasil. Ao longo da
história, esses camponeses sem-terra enfrentaram latifundiários, grileiros e
jagunços para evitar a expropriação de suas terras. Diversos movimentos sociais
surgiram em defesa da terra, como Canudos e Contestado, que se destacaram como
marcos dessa luta. Esses embates representam não apenas a resistência e a busca
por justiça dos expropriados, mas também revelam a destrutividade do capital e
dos governos repressores.
As guerras de Canudos e
Contestado foram movimentos de reação à República e à forma como a terra foi
controlada após a abolição da escravidão. Com a Lei de Terras e a imigração
europeia, as terras devolutas se tornaram propriedade do Estado, impedindo o
acesso dos negros e imigrantes à terra. Essa mudança provocou a expulsão dos
posseiros que viviam e trabalhavam nessas terras, uma vez que o novo sistema
favorecia os mais poderosos. Os conflitos se organizaram em torno de líderes
carismáticos e messiânicos, representando a crença na libertação e na superação
da opressão vivida naquele período.
No século XX, as Ligas
Camponesas ressurgiram no Nordeste brasileiro e ganharam projeção nacional.
Liderados por Francisco Julião, os trabalhadores rurais colocaram a reforma
agrária na agenda do Estado, aproveitando o fortalecimento da sindicalização no
campo. Julião, advogado e deputado, lutou ao lado dos camponeses, enfrentando
prisões e exílio durante a ditadura militar. Seu trabalho trouxe visibilidade e
dinamismo à luta pela terra, em um momento de crise no setor agrícola e
modernização que afetava os trabalhadores rurais.
A necessidade de realizar uma
reforma agrária era vista como uma forma de promover o desenvolvimento e
superar as amarras do subdesenvolvimento. A Confederação dos Trabalhadores da
Agricultura (Contag) foi criada, e o governo de João Goulart iniciou um
processo de reforma agrária com a criação da Supra. No entanto, a elite
latifundiária reagiu e o governo foi deposto, instaurando-se a ditadura
militar. Essa nova fase trouxe mudanças institucionais, extinguiu a Supra,
criou o Ibra e implantou o Estatuto da Terra, que buscava promover a
distribuição justa e aumentar a produtividade. Porém, os grandes proprietários
de terra se opuseram e a ideia de reforma agrária perdeu força, mantendo-se
apenas a discussão sobre a questão rural.
Analisando o Brasil atual,
podemos refletir sobre a concentração fundiária e a desigualdade social. O
índice de Gini, utilizado para medir a distribuição de renda, revela a
disparidade existente em nosso país. Durante aproximadamente 80 anos, pouco tem
sido feito para mudar esse cenário, e a concentração de terras persiste. Essa
realidade nos convida a questionar: qual seria o índice de Gini do Brasil hoje?
Ao consultarmos fontes
confiáveis, descobrimos que o último índice de Gini, publicado em 2020 com
dados referentes a 2019, revela uma triste realidade de desigualdade. Essa
informação serve como um alerta para a necessidade urgente de promover reformas
estruturais e políticas públicas efetivas capazes de enfrentar a concentração
fundiária e garantir uma distribuição mais equitativa de recursos e
oportunidades.
Portanto, é necessário
continuar a luta pela reforma agrária e pela justiça no campo. O reconhecimento
dos territórios quilombolas, a demarcação de terras indígenas e a criação de
políticas públicas eficientes são passos fundamentais para promover a inclusão
social e econômica dos trabalhadores rurais, reduzindo as desigualdades e
construindo um Brasil mais justo e sustentável.
A Reforma
Agrária Atualmente
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A partir da década de 1990, uma nova dinâmica começou a moldar
o cenário agrário brasileiro. Grandes corporações multinacionais passaram a
exercer controle sobre extensas áreas de terra por meio do mercado financeiro.
Esse processo, conhecido como "apropriação de terras" ou land
grabbing, teve um impacto significativo na política de reforma agrária,
transformando-a em uma espécie de contrarreforma agrária, que submete o acesso
democrático à terra ao direito de propriedade.
A influência do capital financeiro sobre a terra tornou-se
uma das maiores necessidades do capitalismo avançado, abrangendo desde a
produção de alimentos e cultivos industriais até o acesso a lençóis
subterrâneos de água e novas formas de mineração. Esse domínio territorial pelo
capital financeiro foi amplamente discutido em diversos estudos acadêmicos,
inclusive em um artigo apresentado no XIII Encontro da Sociedade Brasileira de
Economia Ecológica, que destaca a problemática da "estrangeirização"
de terras no Brasil e seus impactos sobre a agricultura.
No entanto, a luta pela reforma agrária e a distribuição
justa de terras continuam sendo questões relevantes. Analisando um gráfico que
apresenta o número de famílias assentadas ao longo dos anos, podemos observar
um aumento significativo durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e uma
continuidade desse crescimento nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva.
No entanto, ocorreu uma queda expressiva posteriormente, especialmente durante
o governo de Dilma Rousseff.
Segundo estudos recentes, a política de reforma agrária
está atualmente paralisada no Brasil, tendo enfrentado uma retração histórica
em 2019. Nesse ano, nenhum novo assentamento foi criado e nenhuma propriedade
foi destinada à Reforma Agrária. O governo Bolsonaro reconheceu apenas dois
territórios quilombolas, que já haviam sido delimitados anteriormente como
áreas do Programa Nacional de Reforma Agrária. Essas conquistas foram resultado
de décadas de lutas das comunidades, sendo que uma delas obteve o território
por determinação judicial.
Esses dados revelam a importância contínua da luta pela
reforma agrária e a necessidade de se manter a atenção sobre a concentração
fundiária e os impactos do capital financeiro sobre a agricultura. A defesa dos
direitos das comunidades tradicionais, como os quilombolas, e a busca por
políticas públicas efetivas que promovam a distribuição justa de terras são
fundamentais para construir um país mais equitativo e sustentável. A reflexão e
o engajamento nesses temas são essenciais para a construção de um futuro mais
justo no campo brasileiro.
Conclusão
Ao longo deste artigo, exploramos diferentes aspectos
relacionados ao espaço rural e à questão agrária no Brasil. Ficou evidente que
as transformações nas relações entre o campo e a cidade têm gerado impactos
significativos nas dinâmicas sociais, econômicas e ambientais.
O crescimento do agronegócio e sua expansão acelerada
trouxeram benefícios econômicos, porém às custas da agricultura familiar, que
enfrenta desafios crescentes para se manter e prosperar. A concentração de
terras, impulsionada pelo processo de land grabbing, amplia as desigualdades
sociais e limita o acesso democrático à terra.
Além disso, constatamos que a política de reforma agrária
enfrenta obstáculos e retrocessos recentes, com a paralisação de sua
implementação e a redução de assentamentos. Isso afeta diretamente as famílias
rurais que dependem da terra para sua subsistência e gera um contexto de
exclusão e injustiça social.
Diante desse panorama, é fundamental repensar as relações
entre agronegócio e agricultura familiar, buscando alternativas que promovam
uma agricultura mais sustentável e inclusiva. É necessário também enfrentar os
desafios da concentração de terras, buscando garantir o acesso democrático e
equitativo à terra para todas as famílias rurais.
A promoção de políticas públicas que valorizem a
agricultura familiar, estimulem a produção agroecológica e fortaleçam os
movimentos sociais rurais é essencial para reconfigurar as relações
rural-urbano de forma mais justa e sustentável. Além disso, a reforma agrária
precisa ser retomada como uma política prioritária, com a criação de
assentamentos e o reconhecimento dos territórios das comunidades tradicionais.
Somente por meio de um olhar amplo e comprometido com a
transformação social será possível superar os desafios do espaço rural
brasileiro. É preciso valorizar a diversidade e a contribuição das diferentes
formas de agricultura, promovendo a soberania alimentar, a justiça social e a
preservação ambiental. O caminho para isso passa pela construção de diálogos e
ações que envolvam produtores, sociedade civil, academia e poder público,
visando a construção de um campo mais equitativo, sustentável e próspero para
todos.
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