Terra, Poder e Transformação: A Complexidade da Questão Agrária Brasileira

As políticas de reforma agrária assumem um papel de destaque como ferramentas essenciais para combater a desigualdade existente no país.

Imagem de Pete Linforth por Pixabay
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Resumo

Este artigo aborda diversas temáticas relacionadas ao espaço rural e à questão agrária no Brasil. Inicialmente, discute-se as singularidades do espaço rural, destacando as transformações ocorridas nas relações entre o campo e a cidade, bem como as consequências dessas mudanças para as dinâmicas sociais e econômicas.

Em seguida, analisa-se o papel do agronegócio no Brasil, evidenciando sua expansão e impacto sobre a agricultura familiar. São apresentadas as diferenças entre o agronegócio e a agricultura familiar, ressaltando os desafios enfrentados pelos pequenos produtores diante do modelo agroindustrial dominante.

A questão agrária também é abordada, enfatizando a concentração de terras e a falta de acesso à terra por parte de muitas famílias. São discutidos os processos de land grabbing, nos quais grandes empresas multinacionais adquirem extensas áreas de terras, e as consequências desse fenômeno para a reforma agrária e o desenvolvimento rural.

Por fim, é apresentado um panorama atual da reforma agrária no Brasil, destacando a paralisação dessa política nos últimos anos e as dificuldades enfrentadas pelos movimentos sociais e comunidades rurais na luta por acesso à terra e melhores condições de vida.

O artigo busca compreender as transformações ocorridas no espaço rural brasileiro, problematizando as relações entre agronegócio e agricultura familiar, as disparidades na distribuição de terras e as perspectivas para a reforma agrária.

Palavras-Chave- Espaço rural, Relações Rural-Urbano, Agronegócio, Agricultura familiar, Questão agrária, Reforma agrária, Concentração de terras, Land grabbing, Desigualdade social, Sustentabilidade, Inclusão social, Políticas públicas, Agricultura agroecológica, Movimentos sociais rurais, Soberania alimentar, Justiça social, Preservação ambiental, Diversidade agrícola.

Introdução

Você já parou para refletir sobre o impacto das políticas de reforma agrária no Brasil, especialmente na vida das famílias assentadas? Esses projetos de assentamentos rurais, resultantes de esforços para democratizar o acesso à terra, desempenham um papel fundamental na sociedade, contribuindo para reduzir a desigualdade e a exclusão social. No entanto, a questão agrária brasileira é profundamente complexa, enraizada em desafios históricos que impedem um acesso democrático e equitativo à terra.

Neste contexto, as políticas de reforma agrária assumem um papel de destaque como ferramentas essenciais para combater a desigualdade existente no país. Elas promovem a diversificação da produção de alimentos, favorecem a permanência do trabalhador rural no campo e buscam melhorar a qualidade de vida da população como um todo. Contudo, essas políticas frequentemente se encontram no centro de um intricado jogo de interesses, colocando o trabalhador rural e a sociedade em desvantagem. A análise dos conflitos sociais no campo ao longo da história do Brasil evidencia a persistência dessa desigualdade estrutural.

Neste artigo, nosso objetivo é explorar as múltiplas facetas das ruralidades, abrangendo tanto a agricultura familiar quanto o agronegócio, bem como as lutas sociais no campo e as políticas de reforma agrária. Buscaremos compreender a complexidade da questão agrária brasileira, levando em consideração o contexto político-econômico do país ao longo dos anos, que tem favorecido um modelo de concentração de terras em detrimento da distribuição equitativa do poder.

Ao examinarmos essas temáticas de forma crítica e reflexiva, almejamos identificar caminhos para promover transformações positivas nesse cenário. Daremos ênfase à valorização da agricultura familiar e ao desenvolvimento de um agronegócio sustentável, que promova justiça social, equidade e respeito ao meio ambiente. Com essa abordagem, visamos contribuir para a construção de soluções que impulsionem uma agricultura inclusiva, produtiva e resiliente, capaz de promover o desenvolvimento sustentável em nosso país.

Metodologia de Pesquisa

A metodologia utilizada nesta pesquisa envolveu uma revisão bibliográfica extensiva, buscando fontes confiáveis e atualizadas sobre os temas abordados. Foram consultados livros, artigos científicos, relatórios de organizações governamentais e não governamentais, bem como documentos oficiais e estatísticas relevantes.

Além disso, foram realizadas análises e interpretações críticas dos dados e informações coletados, buscando identificar padrões, tendências e relações entre os diferentes elementos abordados no estudo.

A pesquisa também incluiu a análise de estudos de caso e exemplos concretos relacionados aos temas em questão, com o objetivo de ilustrar e embasar os argumentos apresentados.

Por fim, a pesquisa se baseou em uma abordagem multidisciplinar, envolvendo conhecimentos das áreas de economia, sociologia, agronomia, política e desenvolvimento sustentável, a fim de proporcionar uma visão ampla e abrangente dos temas tratados.

É importante ressaltar que esta pesquisa se apoia em fontes e informações disponíveis até a data de seu término, garantindo assim a precisão e confiabilidade dos resultados apresentados.

As singularidades do espaço rural

Imagem de Heri Santoso por Pixabay
Imagem de Heri Santoso por Pixabay

Ao abordarmos o espaço rural, sua compreensão vai além de meras características físicas, adentrando no âmbito do modo de vida e das relações sociais. Seguindo a visão de Kayser (2000), o rural é entendido como um modo particular de vida e organização do espaço, demandando uma análise abrangente de seus contornos, especificidades e representações.

De acordo com essa perspectiva, o espaço rural é não apenas um território ocupado, mas também um lugar onde se vivencia um modo de vida específico, marcado por uma identidade enraizada na localidade. É um espaço singular em que os habitantes rurais exercem sua cidadania e, ao mesmo tempo, participam ativamente da sociedade em geral.

No entanto, é crucial destacar que o espaço rural não é estático, nem caracterizado por atributos fixos que se replicam uniformemente em todo o mundo. Ele é um espaço dinâmico, em constante transformação, cujas características se adaptam conforme a sociedade e a época histórica em questão.

Wanderley (2000), ao analisar a dinâmica das sociedades modernas moldadas pelo sistema capitalista, ressalta o predomínio da visão de industrialização e urbanização. Essa estrutura levou à teoria de que as sociedades rurais desapareceriam, absorvidas pela modernidade, e a agricultura seria meramente mais uma área de investimento de capital. Nesse contexto, a figura do camponês seria substituída pelo agricultor, concebido como um cidadão comum, rompendo totalmente com a história do campesinato. Essa abordagem influenciou muitas pesquisas sociológicas. 

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Portanto, é fundamental reconhecer a necessidade de uma perspectiva atualizada e crítica sobre o espaço rural, que considere sua dinamicidade e as diversas formas de identidade que emergem nesse contexto. A compreensão do espaço rural contemporâneo requer uma análise sensível às transformações ocorridas nas sociedades, desafiando visões simplistas e estereotipadas. Ao explorarmos essas dinâmicas, poderemos melhor apreender a complexidade das relações rurais e contribuir para o desenvolvimento de abordagens mais integradoras e inclusivas para o futuro do espaço rural.

Reconfigurando as Relações Rural-Urbano

À luz das reflexões de Oliveira (2001), é evidente que o capitalismo, ao criar e recriar as condições de sua própria existência, não promove uma uniformização completa da sociedade. As particularidades dos lugares e grupos sociais resistem, mesmo diante dos processos de industrialização e urbanização. Conforme ressalta Wanderley (2000, p. 89), a modernização redefine, sem anular, a relação entre campo e cidade, assim como o papel do agricultor na sociedade. Especialmente no caso do agricultor familiar, presente nos países ditos "avançados", os laços profundos com a tradição camponesa, herdada de seus antepassados, são preservados.

Duby (1973) destaca que as cidades surgiram como "parasitas tutelares" do espaço rural, que durante séculos foi o motor da história. No entanto, ao longo do tempo, as cidades passaram a concentrar funções de dominação sobre o meio rural, invertendo essa relação. Como resultado, "as cidades se tornam donas de tudo e o campo verdadeiro servo e subordinado" (DUBY, 1973, p. 11).

No entanto, é importante ressaltar, conforme enfatiza Wanderley (2000, p. 92), que as cidades também não são homogêneas, e as diferenças entre elas afetam as relações que podem ser estabelecidas com o meio rural. A relação entre cidade e campo continua sendo objeto de discussão, mesmo nas sociedades modernas, especialmente devido às complexas condições que influenciam o dinamismo das interações entre esses dois espaços.

Nas últimas décadas, com o expressivo aumento das exportações de produtos agrícolas e agroindustriais, surgiu o termo "agronegócio", que se tornou institucionalizado no Brasil na década de 1990. No entanto, é importante distinguir a agricultura moderna, os complexos agroindustriais e o agronegócio, pois embora todos estejam relacionados à modernização agrícola, não possuem os mesmos significados.

Embora as três expressões envolvam o uso intensivo de insumos e máquinas, a diferenciação ocorre pela relação com a exportação, que se torna mais evidente no agronegócio (MENDONÇA, 2005). Essa relação está diretamente associada à integração tanto da indústria quanto dos pequenos agricultores. Conforme Heredia, Palmeira e Leite (2010, p. 161) afirmam, ao abordarmos os processos relacionados ao agronegócio, é essencial compreendê-los como algo que vai além do crescimento agrícola e do aumento da produtividade.

Diante desse panorama, fica claro que as relações entre o meio rural e urbano são complexas e estão em constante evolução. Compreender essas transformações é fundamental para lidar com os desafios contemporâneos que surgem nessa interação. A promoção de um diálogo construtivo entre os diferentes atores envolvidos é essencial para desenvolver estratégias que valorizem a agricultura familiar, impulsionem o agronegócio de maneira sustentável e contribuam para a construção de um ambiente rural e urbano mais integrado, equitativo e resiliente.

Agronegócio no Brasil

Imagem de Pete Linforth por Pixabay
Imagem de Pete Linforth por Pixabay

O agronegócio tem se destacado como um setor essencial para a economia brasileira. Em 2020, sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) alcançou a marca de 26,6%, de acordo com dados da Confederação Nacional da Agricultura (CNA, 2020). Esse resultado representa um crescimento significativo de 24,31% em relação ao ano anterior, com um valor monetário de 2 trilhões de reais, enquanto o PIB total do país atingiu 7,5 trilhões de reais.

Mesmo em meio à crise provocada pela pandemia de COVID-19, o setor do agronegócio continuou avançando, superando obstáculos e registrando um crescimento acelerado nos meses seguintes ao período inicial da crise. Essa trajetória ascendente abrangeu todos os segmentos do agronegócio e culminou em um recorde anual de crescimento para o setor (CNA, 2020).

O conceito de agronegócio, derivado do agrobusiness dos Estados Unidos, abrange uma ampla gama de atividades, que vão desde a produção agrícola até a distribuição de commodities agrícolas. Essa abrangência engloba não apenas as operações da fazenda, mas também a fabricação e distribuição de insumos agrícolas, bem como as atividades relacionadas à manipulação, estocagem, processamento e distribuição dos produtos agrícolas. Em suma, o agronegócio compreende todas as etapas envolvidas na produção e distribuição de alimentos e fibras (Davis, 1955, p. 5 apud POMPEIA, 2020, p. 196).

Nessa perspectiva, o agronegócio configura-se como uma complexa cadeia produtiva, que abrange desde o ambiente institucional, com suas influências culturais, tradições, educação e costumes, até a trajetória do cultivo ao consumidor, que envolve insumos, agropecuária, indústria e distribuição em diferentes níveis (atacado e varejo). Além disso, o ambiente organizacional desempenha um papel crucial, fornecendo informações, associações, pesquisas e desenvolvimento, serviços financeiros e envolvimento de empresas (Gasques e Bastos, 2003).

Essa cadeia produtiva do agronegócio incorpora uma ampla gama de serviços e atividades, como pesquisa, assistência técnica, transporte, comercialização, crédito, exportação, serviços portuários, distribuição, bolsas, industrialização e o consumo final (GASQUES; BASTOS, 2003, p. 8). No entanto, é importante ressaltar que a visão totalizadora do agronegócio pode negligenciar os conflitos políticos e distributivos existentes entre os diferentes atores envolvidos, conforme apontado por Pompeia (2020, p. 197).

No Brasil, a partir da década de 1990, estabeleceu-se uma relação estratégica entre a economia política e o agronegócio, visando à integração da agropecuária. Nesse contexto, surgiram organizações como a Associação Brasileira de Agrobusiness (ABAG) em 1993, bem como o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), que se tornou o principal centro de pesquisa quantitativa sobre o agronegócio no país.

Contudo, é necessário questionar a visão totalizadora do agronegócio e seus efeitos sobre os pequenos agricultores. Pompeia (2020) argumenta que essa perspectiva acaba reforçando um modelo excludente de desenvolvimento rural, que privilegia apenas aqueles produtores que se enquadram em critérios específicos, como o tamanho da propriedade e a adoção de tecnologias modernas. Isso acaba gerando desigualdades e marginalizando aqueles que não se encaixam nesse modelo.

A ênfase na participação do agronegócio no PIB tem levado os governos, independentemente de suas orientações políticas, a priorizarem esse setor em detrimento de questões ambientais, indígenas e trabalhistas. Essa abordagem reducionista tem contribuído para a diminuição da importância da reforma agrária na agenda política nacional, deixando de lado a necessidade de promover uma distribuição mais equitativa de terras e recursos (POMPEIA, 2020, p. 203).

Diante desse cenário, é fundamental ampliar o debate sobre o agronegócio, considerando suas múltiplas perspectivas e impactos na sociedade. É necessário buscar um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico, a sustentabilidade ambiental e a justiça social, a fim de promover uma agricultura mais inclusiva e responsável.

Agronegócio versus agricultura familiar

Imagem de Petra por Pixabay
Imagem de Petra por Pixabay

A agricultura familiar desempenha um papel fundamental ao longo da história, embora tenha enfrentado desafios à medida que o setor agropecuário se desenvolvia tecnologicamente. Infelizmente, o termo "agricultura familiar" passou a ser associado a algo antiquado e de pouca relevância (GUILHOTO et al., 2006). No entanto, é crucial compreender a importância desse sistema de produção, considerando suas implicações socioeconômicas e os desafios enfrentados pelas pessoas que dependem do campo para sobreviver.

No Brasil, encontramos uma diversidade de propriedades rurais em termos de tamanho, capital e tecnologia, o que torna impossível homogeneizar o setor. No entanto, ao calcular a participação do agronegócio no PIB brasileiro, não se especifica o montante que corresponde à produção familiar, resultando em uma falta de clareza sobre o verdadeiro valor bruto dessa produção (GUILHOTO et al., 2006).

O estudo realizado por Guilhoto et al. (2006) busca destacar o peso da agricultura familiar no agronegócio brasileiro. Segundo os autores, em 2003, os números revelam a relevância econômica desse setor no contexto do Brasil. No entanto, é importante ressaltar que os cálculos do PIB realizados pelo Cepea consideram tanto as unidades patronais quanto as unidades familiares na produção agropecuária. No entanto, quando analisamos separadamente, observamos que as unidades familiares representam um terço do PIB total do agronegócio (POMPEIA, 2020). A mesma lógica se aplica aos empregos gerados pelo agronegócio.

Segundo o Cepea, as famílias rurais com atividades agrícolas contabilizadas pelo IBGE são incluídas no cálculo dos empregos gerados pelo agronegócio no Brasil. Em 2018, o Cepea registrou pouco mais de 18 mil empregos no setor, correspondendo a cerca de 19% das pessoas ocupadas no país naquela época (POMPEIA, 2020). No entanto, de acordo com Mattei (2015), a agricultura familiar é responsável por aproximadamente 70% dos empregos gerados no campo, um número que é considerado no total contabilizado pelo agronegócio sem diferenciação. Esse estímulo por meio da criação de postos de trabalho contribui para fixar a população no campo e aumentar a oferta de alimentos para toda a sociedade. A discussão em torno desse tema é complexa e não pode ser facilmente resolvida.

Os conflitos sociais no campo, especialmente a luta pela terra no Brasil, são uma realidade que remonta à nossa história. Desde a época da colonização até os dias atuais, esses embates são constantes, e a violência tem sido uma característica marcante. Os povos indígenas são exemplos dessa luta pela terra, pois há mais de 500 anos enfrentam um processo contínuo de destruição de sua história e de seus territórios. A luta pela terra no Brasil nunca cessou e continua a se perpetuar ao longo da história do país.

A questão agrária no Brasil

A luta por justiça social e igualdade no campo é uma constante na história do Brasil. Desde os tempos da escravidão, em que os negros lutavam por liberdade e terra, até os movimentos mais recentes como o MST, a batalha por acesso à terra e distribuição de renda tem sido uma pauta importante no país.

Os quilombos surgiram como territórios de resistência, onde os negros escravizados encontraram liberdade e trabalho. Essas comunidades enfrentaram verdadeiras guerras contra os senhores de escravos, lutando por sua sobrevivência e dignidade. Hoje, finalmente, esses territórios estão sendo oficialmente reconhecidos e demarcados, embora esse processo seja lento e marcado por muitos desafios.

Além dos quilombos, os posseiros também são protagonistas da questão agrária no Brasil. Ao longo da história, esses camponeses sem-terra enfrentaram latifundiários, grileiros e jagunços para evitar a expropriação de suas terras. Diversos movimentos sociais surgiram em defesa da terra, como Canudos e Contestado, que se destacaram como marcos dessa luta. Esses embates representam não apenas a resistência e a busca por justiça dos expropriados, mas também revelam a destrutividade do capital e dos governos repressores.

As guerras de Canudos e Contestado foram movimentos de reação à República e à forma como a terra foi controlada após a abolição da escravidão. Com a Lei de Terras e a imigração europeia, as terras devolutas se tornaram propriedade do Estado, impedindo o acesso dos negros e imigrantes à terra. Essa mudança provocou a expulsão dos posseiros que viviam e trabalhavam nessas terras, uma vez que o novo sistema favorecia os mais poderosos. Os conflitos se organizaram em torno de líderes carismáticos e messiânicos, representando a crença na libertação e na superação da opressão vivida naquele período.

No século XX, as Ligas Camponesas ressurgiram no Nordeste brasileiro e ganharam projeção nacional. Liderados por Francisco Julião, os trabalhadores rurais colocaram a reforma agrária na agenda do Estado, aproveitando o fortalecimento da sindicalização no campo. Julião, advogado e deputado, lutou ao lado dos camponeses, enfrentando prisões e exílio durante a ditadura militar. Seu trabalho trouxe visibilidade e dinamismo à luta pela terra, em um momento de crise no setor agrícola e modernização que afetava os trabalhadores rurais.

A necessidade de realizar uma reforma agrária era vista como uma forma de promover o desenvolvimento e superar as amarras do subdesenvolvimento. A Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) foi criada, e o governo de João Goulart iniciou um processo de reforma agrária com a criação da Supra. No entanto, a elite latifundiária reagiu e o governo foi deposto, instaurando-se a ditadura militar. Essa nova fase trouxe mudanças institucionais, extinguiu a Supra, criou o Ibra e implantou o Estatuto da Terra, que buscava promover a distribuição justa e aumentar a produtividade. Porém, os grandes proprietários de terra se opuseram e a ideia de reforma agrária perdeu força, mantendo-se apenas a discussão sobre a questão rural.

Analisando o Brasil atual, podemos refletir sobre a concentração fundiária e a desigualdade social. O índice de Gini, utilizado para medir a distribuição de renda, revela a disparidade existente em nosso país. Durante aproximadamente 80 anos, pouco tem sido feito para mudar esse cenário, e a concentração de terras persiste. Essa realidade nos convida a questionar: qual seria o índice de Gini do Brasil hoje?

Ao consultarmos fontes confiáveis, descobrimos que o último índice de Gini, publicado em 2020 com dados referentes a 2019, revela uma triste realidade de desigualdade. Essa informação serve como um alerta para a necessidade urgente de promover reformas estruturais e políticas públicas efetivas capazes de enfrentar a concentração fundiária e garantir uma distribuição mais equitativa de recursos e oportunidades.

Portanto, é necessário continuar a luta pela reforma agrária e pela justiça no campo. O reconhecimento dos territórios quilombolas, a demarcação de terras indígenas e a criação de políticas públicas eficientes são passos fundamentais para promover a inclusão social e econômica dos trabalhadores rurais, reduzindo as desigualdades e construindo um Brasil mais justo e sustentável.

A Reforma Agrária Atualmente

Imagem de David Mark por Pixabay
Imagem de David Mark por Pixabay

A partir da década de 1990, uma nova dinâmica começou a moldar o cenário agrário brasileiro. Grandes corporações multinacionais passaram a exercer controle sobre extensas áreas de terra por meio do mercado financeiro. Esse processo, conhecido como "apropriação de terras" ou land grabbing, teve um impacto significativo na política de reforma agrária, transformando-a em uma espécie de contrarreforma agrária, que submete o acesso democrático à terra ao direito de propriedade.

A influência do capital financeiro sobre a terra tornou-se uma das maiores necessidades do capitalismo avançado, abrangendo desde a produção de alimentos e cultivos industriais até o acesso a lençóis subterrâneos de água e novas formas de mineração. Esse domínio territorial pelo capital financeiro foi amplamente discutido em diversos estudos acadêmicos, inclusive em um artigo apresentado no XIII Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, que destaca a problemática da "estrangeirização" de terras no Brasil e seus impactos sobre a agricultura.

No entanto, a luta pela reforma agrária e a distribuição justa de terras continuam sendo questões relevantes. Analisando um gráfico que apresenta o número de famílias assentadas ao longo dos anos, podemos observar um aumento significativo durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e uma continuidade desse crescimento nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, ocorreu uma queda expressiva posteriormente, especialmente durante o governo de Dilma Rousseff.

Segundo estudos recentes, a política de reforma agrária está atualmente paralisada no Brasil, tendo enfrentado uma retração histórica em 2019. Nesse ano, nenhum novo assentamento foi criado e nenhuma propriedade foi destinada à Reforma Agrária. O governo Bolsonaro reconheceu apenas dois territórios quilombolas, que já haviam sido delimitados anteriormente como áreas do Programa Nacional de Reforma Agrária. Essas conquistas foram resultado de décadas de lutas das comunidades, sendo que uma delas obteve o território por determinação judicial.

Esses dados revelam a importância contínua da luta pela reforma agrária e a necessidade de se manter a atenção sobre a concentração fundiária e os impactos do capital financeiro sobre a agricultura. A defesa dos direitos das comunidades tradicionais, como os quilombolas, e a busca por políticas públicas efetivas que promovam a distribuição justa de terras são fundamentais para construir um país mais equitativo e sustentável. A reflexão e o engajamento nesses temas são essenciais para a construção de um futuro mais justo no campo brasileiro.

Conclusão

Ao longo deste artigo, exploramos diferentes aspectos relacionados ao espaço rural e à questão agrária no Brasil. Ficou evidente que as transformações nas relações entre o campo e a cidade têm gerado impactos significativos nas dinâmicas sociais, econômicas e ambientais.

O crescimento do agronegócio e sua expansão acelerada trouxeram benefícios econômicos, porém às custas da agricultura familiar, que enfrenta desafios crescentes para se manter e prosperar. A concentração de terras, impulsionada pelo processo de land grabbing, amplia as desigualdades sociais e limita o acesso democrático à terra.

Além disso, constatamos que a política de reforma agrária enfrenta obstáculos e retrocessos recentes, com a paralisação de sua implementação e a redução de assentamentos. Isso afeta diretamente as famílias rurais que dependem da terra para sua subsistência e gera um contexto de exclusão e injustiça social.

Diante desse panorama, é fundamental repensar as relações entre agronegócio e agricultura familiar, buscando alternativas que promovam uma agricultura mais sustentável e inclusiva. É necessário também enfrentar os desafios da concentração de terras, buscando garantir o acesso democrático e equitativo à terra para todas as famílias rurais.

A promoção de políticas públicas que valorizem a agricultura familiar, estimulem a produção agroecológica e fortaleçam os movimentos sociais rurais é essencial para reconfigurar as relações rural-urbano de forma mais justa e sustentável. Além disso, a reforma agrária precisa ser retomada como uma política prioritária, com a criação de assentamentos e o reconhecimento dos territórios das comunidades tradicionais.

Somente por meio de um olhar amplo e comprometido com a transformação social será possível superar os desafios do espaço rural brasileiro. É preciso valorizar a diversidade e a contribuição das diferentes formas de agricultura, promovendo a soberania alimentar, a justiça social e a preservação ambiental. O caminho para isso passa pela construção de diálogos e ações que envolvam produtores, sociedade civil, academia e poder público, visando a construção de um campo mais equitativo, sustentável e próspero para todos.

 

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