A Evolução da Ciência Política: Uma Análise das suas Raízes

A Ciência Política: compreendendo o poder e as relações políticas para uma sociedade informada e engajada.

O cientista

Introdução

A política é um conceito que permeia nossa sociedade diariamente, seja nas mídias, nos debates ou nas mobilizações sociais. Contudo, compreender suas origens e significados é essencial para uma análise mais aprofundada. A política está intrinsecamente ligada à história, carregando consigo uma multiplicidade de sentidos, eventos e personagens que influenciaram e continuam a influenciar a vida cotidiana. Ao ocupar uma posição de destaque em nossa civilização, a política revela-se como o verdadeiro coração das organizações sociais, adaptando-se às mudanças ao longo dos períodos históricos.

Neste contexto, torna-se fundamental adotar uma abordagem ampla e contextualizada para compreender as transformações na noção de política. Isso nos permite escapar das concepções populares e simplistas que reduzem a política a um mero processo eleitoral ou à gestão dos patrimônios públicos. A evolução da ciência política emerge como um campo de estudo capaz de desvendar as raízes e os significados subjacentes às práticas políticas ao longo do tempo.

Neste artigo, propomos uma análise minuciosa sobre a evolução da ciência política, com o objetivo de explorar suas origens e compreender suas implicações na sociedade. Buscaremos examinar as relações intrínsecas entre política e história, identificando como eventos e atores moldaram e continuam a moldar os rumos políticos. Ao lançar luz sobre essa temática, esperamos ampliar nossa visão acerca da política, transcendendo concepções superficiais e adentrando em um campo de estudo que revela a complexidade e a relevância desse fenômeno social.

Publicidade

A Evolução do Pensamento Político

Antiguidade Clássica

Desde os primórdios da história humana, a política tem desempenhado um papel fundamental nas sociedades. Nas antigas civilizações grega e romana, testemunhamos uma efervescência de pensamentos e ideias desenvolvidos por diversos intelectuais, abordando questões que hoje compreenderíamos como relações políticas. Para compreender plenamente o desenvolvimento da Ciência Política, é essencial explorar essa vertente de pensamento que moldou as bases dessa disciplina.

Na época antiga, o território grego não era uma nação unificada, mas sim um conjunto de cidades-estado, cada uma com sua própria forma de organização política. A maioria dessas cidades-estado era governada por um monarca, estabelecendo estruturas hierárquicas de poder. No entanto, entre essas cidades, Atenas se destacou devido à sua notável adoção de um sistema político inovador: a democracia.

Atenas, a cidade que florescia em arte, filosofia e cultura, também se tornou um marco na história política. No século V a.C., sob a liderança de estadistas como Clístenes e Péricles, Atenas estabeleceu um sistema democrático, permitindo que os cidadãos participassem ativamente nas tomadas de decisão políticas. Esse desenvolvimento político foi um divisor de águas e influenciou profundamente o pensamento político subsequente.

Para entender a evolução da Ciência Política, é crucial examinar as raízes desse pensamento político na Grécia e Roma antigas. As discussões e reflexões sobre as relações políticas que surgiram nessas sociedades desempenharam um papel crucial na formação das ideias políticas que moldaram o mundo ocidental. Compreender a dinâmica política das cidades-estado gregas, em especial o caso singular de Atenas com sua democracia, nos permite vislumbrar as origens e os fundamentos do pensamento político.

Ao estudar as contribuições dos intelectuais da antiguidade, somos levados a uma compreensão mais profunda das teorias políticas e dos sistemas de governança que emergiram ao longo dos séculos. A exploração desses pensamentos e ideias nos capacita a contextualizar e analisar criticamente a política contemporânea, oferecendo insights valiosos sobre os desafios e as possibilidades que enfrentamos nas sociedades atuais.

Dessa forma, é inegável que o estudo das origens do pensamento político nas sociedades antigas, como a Grécia e Roma, é de fundamental importância para compreender a evolução da Ciência Política e sua influência nas estruturas políticas contemporâneas. Ao mergulharmos nessa vertente de pensamento, nos abrimos para uma compreensão mais rica e aprofundada dos fundamentos teóricos e práticos da política, permitindo-nos refletir criticamente sobre as complexidades e os desafios do mundo político atual.

- O pensamento grego clássico

O pensador grego Aristóteles.
Figura 1 - O pensador grego Aristóteles. Fonte: MidoSemsem, Free Pexels, 2019.

Atenas, o centro cultural da Grécia Antiga, desfrutava de uma notável efervescência intelectual, onde filósofos e pensadores se empenhavam na contemplação dos modelos ideais de organização social e nas melhores formas de governar as cidades-estado. Nesse contexto, é imprescindível destacar as figuras emblemáticas de Platão, defensor do governo supremo dos filósofos, e de Aristóteles, cujo escrutínio abrangeu as diversas configurações do governo, fornecendo, assim, suporte à filosofia política ocidental.

Grande parte da nossa atual organização social tem suas raízes no mundo grego, tornando-se essencial compreender essa era como uma ferramenta transcendental para nossas concepções políticas contemporâneas. A própria expansão do termo "política" provém desse período, através do filósofo Aristóteles, que utiliza a palavra "política" para se referir à reflexão descritiva dos assuntos da cidade, o que conduz à arte ou ciência do governo.

O filósofo italiano Norberto Bobbio (2005), ao estudar a obra de Aristóteles, descreve sua dissertação sobre a política como o "primeiro tratado sobre a natureza, funções e divisão do Estado, bem como sobre as diversas formas de governo".

Veja Também:

Na concepção aristotélica, o "homem é um animal político", cunhando, assim, a noção de que os seres humanos são políticos por natureza, e a cidade é um ente natural e o objetivo final do homem. Ao evocar a ideia de cidade, lembramo-nos da expressão "polis", uma comunidade organizada composta por cidadãos que nascem nela, dotados de liberdade e igualdade. O homem, sendo um animal político, coexiste com seus semelhantes, dotado de razão e discurso, condições que constituem os fundamentos da comunidade política.

As ruínas do Acrópole
Figura 2 - As ruínas do Acrópole em Atenas. Fonte: Denis Zagorodniuc, Free Pexels, 2019.

O vocábulo político, tal qual como hoje é compreendido, advém da raiz polis e refere-se a um conceito que ultrapassa a mera noção de urbe. Ele encerra um significado cultural, pelo qual os gregos se autoatribuíam uma superioridade em relação aos ditos estrangeiros bárbaros. A polis configurava-se como uma comunidade autônoma e autodeterminada, refratária a autoridades externas. A política, exercida nesse âmbito, revestia-se, aos olhos dos gregos, como a mais elevada forma de existência a qual os homens poderiam almejar.

Na vida política helênica, os cidadãos engendravam todas as deliberações mediante debates e contendas, além de ocuparem cargos públicos por meio de sistemático revezamento. Nas praças, de notoriedade assinalada pelas ágoras, consubstanciavam-se os embates intelectuais, as tomadas de decisão e a plenitude do convívio social.

- O pensamento romano antigo

Ademais, em território europeu, alçava-se uma outra potestade, qual seja, a República Romana. Roma, após suplantar um regime monárquico ditatorial, florescia como uma democracia representativa, em consonância com os padrões atenienses.

A urbe romana se erigia como palco de um governo auspiciado por cidadãos eleitos de forma periódica, ensejando, outrossim, a presença de um senado como órgão representativo. Essa estrutura viabilizava sua expansão pela Europa continental, que, porém, desvaneceria tempos depois em prol de uma governança monárquica.

Em Roma, a tessitura social se agitava intensamente, todavia subsistia uma dicotomia entre as esferas humana – a social e a política. O modelo político grego exercia influência sobre esse grandioso império, que se alastrava pela Europa, entretanto, à medida que as cidades se avolumavam, os modos diretos de participação iam cedendo espaço. A política, doravante, se configurava como uma associação governada por leis, construindo, assim, uma sociedade jurídica.

A sociedade romana, distanciando-se da esfera política, passava a evidenciar o homem social, tal qual delineado por Sêneca (4 a.C. - 65 d.C.), que versava sobre a convivência harmoniosa entre os indivíduos, embasada em um conjunto de leis, cujo monopólio de sua aplicação incumbia ao imperador, considerado o guardião responsável por impor as normas à população.

Quando tratamos da política em Roma, a noção de vida coletiva emerge, e as concepções de res publica se manifestam. Com a expansão do Império, o sistema político foi se adaptando, partindo de uma estrutura monárquica e transpondo os umbrais de uma república, na qual o poder era compartilhado entre cônsules, senadores e a cúria.

Toda essa organização é fruto do arranjo social na Roma Antiga, que delineava os patrícios – proprietários de terras e titulares de cargos; os plebeus, indivíduos com certa autonomia econômica; e os clientes, que prestavam serviços e devotavam lealdade aos patrícios. O período republicano em Roma se caracterizou pela hegemonia dos patrícios e por um governo estável, fundamentado em leis impessoais. Incumbia ao governo administrar os tributos e zelar pelas obras públicas em prol da população, contribuindo, assim, para o aprimoramento da economia.

Ruínas do Coliseu de Roma
Figura 3 - Ruínas do Coliseu de Roma. Fonte: Chait Goli, Free Pexels, 2018

A sociedade romana se caracterizava pela profusão de desigualdades e, invariavelmente, emergiam impasses sociais, propiciando insurgências e protestos. Esse quadro fomentou a promulgação de leis universais para todos os cidadãos, as ilustres Leis das Doze Tábuas no ano de 450 a.C., as quais também limitavam o poder e conferiam maior representatividade aos cidadãos.

Dessa maneira, é possível atribuir aos romanos a habilidade de erigir os alicerces dos sistemas políticos modernos, conferindo à política a conotação de ser um mecanismo abrangente e organizado, cuja função essencial é tomar decisões em prol da sociedade.

Assim, gregos e latinos assumem papéis primordiais no processo político e na compreensão das organizações políticas dos períodos subsequentes. Tal fato pode ser elucidado mediante a exposição de Marilena Chauí:

"A política nasceu ou foi inventada quando o poder público, por meio da invenção do direito e da lei (isto é, da instituição dos tribunais) e da criação de instituições públicas de deliberação e decisão (isto é, as assembleias e os senados), foi desvinculado das três autoridades tradicionais: a autoridade do poder privado ou econômico do chefe de família, a autoridade do chefe militar e a autoridade do chefe religioso (figuras que, nos impérios antigos, se amalgamavam em uma única chefia, a do rei ou do imperador). A política nasceu, portanto, quando a esfera privada da economia, a esfera da guerra e a esfera do conhecimento foram dissociadas, e o poder político foi despojado de sua incorporação, ou seja, deixou de se identificar com o corpo místico do governante como pai, comandante e sacerdote, representante humano de poderes divinos transcendentes." (CHAUÍ, 2004, p. 113)

Da herança da antiguidade à complexidade da vida medieval

- Refletindo sobre os marcos temporais e suas influências ideológicas, culturais e sociais na narrativa histórica.

Os primórdios pós-Cristo testemunharam a expansão do Império Romano pela Europa, norte da África e Oriente Médio. Esse período representou o apogeu de seu poder imperial, fundamentado em valores culturais. No auge da prosperidade e estabilidade, o Império Romano encontrou a resiliência necessária para superar a herança grega. Paralelamente, uma religião florescia dentro de Roma - o Cristianismo.

Os filósofos romanos exploravam questões relativas às diferenças entre leis divinas e humanas, bem como refletiam sobre a guerra e o pensamento político. No entanto, eles permaneceram subjugados aos dogmas religiosos, o que contribuiu para o surgimento do poder eclesiástico nos anos seguintes.

Apesar dessas conquistas, é necessário voltar nosso olhar mais uma vez para a Grécia. De acordo com os estudos de Souza (2007), embora a política em Atenas não fosse considerada um domínio autônomo, foi lá que diversos temas políticos foram desenvolvidos e contribuíram para marcos históricos posteriores.

Quem deve governar as cidades? Qual é a melhor forma de governo? Essas questões foram exploradas por vários pensadores gregos, mas é o pensamento de Aristóteles que mais uma vez serve como base para nossa análise. O filósofo examina três formas de governo e suas respectivas contraposições - monarquia e tirania (governo de um); aristocracia e oligarquia (governo de poucos, os ricos); e democracia e politeia (governo de muitos, os pobres). Para Aristóteles, o exercício do poder pode ser bom ou ruim em todas as seis formas de governo, dependendo se visa ao bem comum ou atende a interesses pessoais.

Ao considerar esses três modelos, Aristóteles conclui que a monarquia é a melhor forma de governo, seguida pela aristocracia, enquanto a pior é a democracia. Portanto, para ele, a tirania, a oligarquia e a democracia são formas degeneradas da monarquia, da aristocracia e da politeia, respectivamente.

Nesse contexto, é crucial reconhecer que um governo conduzido por muitos se aproxima perigosamente de uma forma problemática de governo. Dessa perspectiva, ao assimilar essas questões, é importante buscar meios para que diferentes grupos possam encontrar um consenso e superar as tensões sociais.

Embora a política não tivesse uma existência autônoma na Grécia, temas clássicos do pensamento político já estavam presentes nas discussões, como a estabilidade, o comportamento das massas e a legitimidade do poder. Essas questões persistem até os estudos e debates atuais.

Tomando como exemplo o governo imperial da Roma Antiga, com seu poder centralizado e um sistema jurídico que salvaguardava os interesses de diversos grupos, podemos perceber a estrutura estatal que prevaleceu ao longo da Idade Média. Por meio da interseção entre poder político e religioso, experiências únicas foram desenvolvidas, abrindo caminho para novas reflexões sobre a política. A rápida expansão e o poder adquirido pelo Império Romano o elevaram a uma das maiores potências da história. No entanto, para compreender a situação de colapso desse sistema, é necessário examinar sua relação com uma Europa fragmentada, marcada pelo surgimento de pequenos poderes locais, ao passo que a Igreja Católica expandia seu domínio de forma acelerada.

A Europa testemunhou o surgimento do sistema feudal, que se tornou a essência da sociedade medieval. O poder do papado se estendia por meio da esfera religiosa, com o monopólio da fé, controlando a economia com a concentração de terras e influenciando as questões culturais por meio da interpretação dos textos religiosos e da legitimação do conhecimento.

O catolicismo ditava o estilo de vida, reduzindo a interferência humana na vida cotidiana. Todas as relações estavam sob a tutela das vontades divinas, e a autoridade do papa era equiparada ao poder de Deus na Terra, o que lhe permitia punir aqueles que desafiavam o sistema.

O poder papal determinava e organizava o governo, mantendo sempre uma ligação entre o poder político e religioso. Os modelos e as regras do cristianismo guiavam o modus operandi da política, onde tudo deveria estar alinhado com a moral cristã.

Esse período, conhecido como Idade Média, abrange desde o colapso do Império Romano em 476 até o fim do Império Bizantino em 1453. A vida social durante esse período era caracterizada pela obscuridade, sendo também chamada de "Idade das Trevas".

Essa fase histórica é dividida em duas fases. A Alta Idade Média é marcada pela crise do Império Romano, que levou à sua desintegração, abrindo espaço para que os povos considerados "bárbaros" estabelecessem seus próprios modos de vida. A segunda fase, conhecida como Baixa Idade Média, representa o apogeu e o declínio do medievo. Foi um período marcado por grandiosas realizações artísticas e românticas.

A crise do mundo medieval foi agravada pela Peste Negra e pelas Revoltas Camponesas, que prejudicaram o crescimento econômico. Nesse contexto, forças intelectuais e sociais emergiram em prol de novos estilos de vida, como o humanismo e o protestantismo, que fomentaram pensamentos políticos mais autônomos e estabeleceram as bases para o período conhecido como Iluminismo.

Dessa forma, ao traçar uma linha histórica desde a antiguidade até a Idade Média, é possível perceber as transformações políticas e religiosas que moldaram as sociedades e influenciaram o curso da história. É fundamental entender o contexto histórico e refletir criticamente sobre as narrativas apresentadas, considerando diferentes perspectivas para uma compreensão mais abrangente e precisa dos eventos passados.

O Movimento Protestante

Matinho Lutero e suas 95 teses
Figura 4 - Matinho Lutero e suas 95 teses. Fonte: Jarbas Aragão, Gospel Prime, 2013

O Movimento Protestante, liderado por Martinho Lutero, representou um marco na história religiosa e social da Europa. Suas críticas contundentes à estrutura eclesiástica dominante desafiaram a autoridade da Igreja Católica e deram início a uma série de transformações significativas. O impacto desse movimento reverberou não apenas no âmbito religioso, mas também nas esferas política, social e cultural.

As críticas de Lutero foram direcionadas à hierarquia da Igreja, que ele via como uma instituição corrompida e distante dos princípios fundamentais do cristianismo. Sua denúncia da venda de indulgências, prática que permitia a obtenção do perdão dos pecados mediante pagamento, abalou as estruturas do poder eclesiástico e questionou a autoridade papal. Ao desafiar a supremacia da Igreja, Lutero abriu caminho para a emergência de outras denominações religiosas e para a fragmentação do cristianismo ocidental.

Além de suas críticas, o Movimento Protestante promoveu mudanças profundas dentro da própria Igreja Católica. Diante da pressão e do desafio representados pelos reformadores, a Igreja foi forçada a iniciar um processo de reforma interna, conhecido como Contrarreforma. Esse movimento buscava corrigir os abusos e excessos denunciados pelos protestantes, fortalecer a fé católica e reafirmar sua posição como a igreja universal.

A fragmentação do cristianismo resultante do Movimento Protestante também teve um impacto significativo na sociedade da época. A diversidade de denominações religiosas emergentes criou um cenário de pluralidade religiosa, que desafiou a ideia de uma fé única e universalmente aceita. Esse pluralismo religioso contribuiu para o desenvolvimento de uma nova consciência religiosa e para a promoção da liberdade de culto.

Além disso, o Movimento Protestante abriu espaço para a expansão do pensamento crítico e para a valorização da leitura e interpretação individual da Bíblia. A ênfase na relação direta entre o indivíduo e Deus estimulou o surgimento de uma mentalidade mais autônoma e questionadora, contribuindo para transformações sociais e culturais mais amplas.

Portanto, o Movimento Protestante, liderado por Martinho Lutero, foi um divisor de águas na história religiosa e social da Europa. Suas críticas e demandas por mudança desencadearam processos de reforma tanto dentro da Igreja Católica quanto na sociedade em geral. A herança desse movimento continua a ser sentida nos dias de hoje, influenciando as diversas vertentes do cristianismo e alimentando discussões sobre a fé, a liberdade religiosa e a autonomia individual na busca espiritual.

A influência do Movimento Protestante na emergência da ciência política moderna

- A influência do pensamento maquiavélico na construção da ciência política moderna

No mesmo período em que o Movimento Protestante ganhava força, uma nova perspectiva teórica emergia com Nicolau Maquiavel e suas ideias humanistas. Maquiavel questionava a "hipocrisia" dos discursos das autoridades e a lógica política baseada nas virtudes éticas dos indivíduos em suas vidas privadas.

Nesse contexto de transformações socioculturais do fim da era medieval, as nações enfrentavam ameaças internas e externas, além da falta de unidade nacional. A descoberta das novas terras da América, a teoria heliocêntrica e os estudos revolucionários de Galileu Galilei abalavam a Europa. Além disso, uma mudança cultural significativa ocorria com o surgimento do Antropocentrismo.

Foi nesse cenário que Maquiavel desenvolveu sua bagagem intelectual, propondo uma abordagem política que rompia com as concepções clássicas e cristãs. Ele defendia que os valores políticos deveriam ser compreendidos não pela vida privada dos indivíduos, mas pela eficácia de suas práticas e sua utilidade na sociedade. Assim, a política passava a ser vista como um campo onde a legitimação e a conservação do poder eram fundamentais.

Essas ideias de Maquiavel foram fundamentais para a construção da ciência política moderna. Seu enfoque pragmático e realista sobre o exercício do poder influenciou pensadores posteriores e contribuiu para a análise e compreensão dos fenômenos políticos. A partir dessa perspectiva, a ciência política passou a estudar a política como uma esfera autônoma, destacando a importância da ação política, das estratégias e das relações de poder.

Dessa forma, a influência do pensamento maquiavélico foi essencial na consolidação da ciência política como um campo de estudo independente, trazendo novas abordagens e questionamentos sobre a natureza e os objetivos da política.

A abordagem realista e a busca pela estabilidade política segundo Maquiavel

Nicolau Maquiavel
Figura 5 - Nicolau Maquiavel. Fonte: wahooart, 2020.

Nicolau Maquiavel, conhecido como o "pai da política moderna", deixou como legado sua principal obra política, O Príncipe, publicada postumamente em 1531, aproximadamente cinco anos após sua morte. Nesse livro, Maquiavel explora o que é essencial para a criação de um estado duradouro e busca compreender a natureza humana em relação ao processo político, especialmente no contexto da unificação italiana.

Em O Príncipe, Maquiavel destaca a necessidade de os governantes reconhecerem a autonomia da esfera política. Segundo ele, os legisladores devem ser capazes de tomar decisões sem compartilhar seu poder com outras instituições. O estado é concebido como um poder político central, soberano, autônomo e secular, livre da dependência de uma providência divina.

A política, de acordo com Maquiavel, é uma criação humana e não pode depender exclusivamente de intervenções divinas. Ela é uma ação instrumental voltada para alcançar objetivos concretos. O governo deve ter como princípios a conquista e a conservação do poder, valorizando seus feitos significativos.

Para que esse modelo político seja bem-sucedido, o governante, ou "O Príncipe", deve possuir virtú e fortuna. A virtú refere-se à capacidade humana de criar e tomar decisões políticas diante de diferentes situações. É necessária para manter-se no poder e conquistar o respeito dos governados. Já a fortuna é a sorte do indivíduo, seja ela boa ou má, que influencia a forma como ele deve agir. Trata-se de uma condição do acaso sobre a qual o governante não possui controle absoluto.

A construção desse pensamento baseou-se na observação da realidade como ela é, em vez de como deveria ser, seguindo a abordagem do Realismo político. Maquiavel considerou o Estado como objeto de análise, enxergando-o como solução para a instabilidade. Ao realizar essa análise, ele percebeu que o ser humano possui uma natureza propensa à desordem, o que torna essencial buscar a estabilidade política.

Nesse sentido, Maquiavel apresenta como soluções os principados ou as repúblicas. No principado, o príncipe não é um ditador, mas o fundador do estado. Já na república, a liberdade, as instituições estáveis e os conflitos ativos da cidadania são características essenciais. O governante, seja em um principado ou república, deve se manter no poder por meio da virtú e da fortuna.

Assim, a abordagem realista de Maquiavel, com foco na estabilidade política e na compreensão da natureza humana, deixou um impacto duradouro no pensamento político e contribuiu para o desenvolvimento da ciência política moderna. Seu trabalho continua sendo objeto de estudo e reflexão, oferecendo insights valiosos sobre a complexidade da política e os desafios enfrentados pelos governantes.

A racionalidade iluminista e o legado do pensamento clássico

O século XVIII marcou o florescimento do Iluminismo, um movimento intelectual e político que trouxe consigo uma nova perspectiva para desafiar o Antigo Regime. Foi uma época de inspiração crucial para a Revolução Francesa e promoveu mudanças profundas nos âmbitos político, econômico e social.

Esse movimento, caracterizado por seu compromisso com a razão, criticou vigorosamente as estruturas do Antigo Regime, que incluíam o mercantilismo, o absolutismo e o poder da igreja. O Iluminismo defendia a liberdade econômica, o avanço da ciência e da razão, bem como a ascensão da burguesia como força dominante na sociedade. Suas ideias se espalharam rapidamente e até mesmo monarcas foram influenciados por seus princípios iluministas.

O Iluminismo trouxe consigo uma nova mentalidade baseada na confiança na capacidade humana de usar a razão para desafiar a autoridade e buscar a melhoria da sociedade como um todo. A liberdade de pensamento, a busca pelo conhecimento científico e a defesa dos direitos individuais foram fundamentais nessa nova abordagem.

Além disso, o Iluminismo questionou as antigas estruturas de poder e defendeu a igualdade de direitos e oportunidades para todos os cidadãos. Essas ideias iluministas influenciaram a formulação de novas constituições e sistemas políticos baseados na democracia e no estado de direito.

Assim, o legado do Iluminismo permanece vivo até os dias de hoje. Seus princípios fundamentais continuam a inspirar lutas por liberdade, justiça e igualdade em todo o mundo. O movimento iluminista representa um marco importante na história da humanidade, demonstrando o poder transformador da razão e a capacidade dos indivíduos de moldar seu próprio destino.

O Leviatã de Thomas Hobbes

Com a influência supracitada, surgem os filósofos contratualistas, que concebem o estado de maneira racionalizada. Para tais pensadores, o Estado surge mediante um "contrato social" estabelecido entre os seres humanos. Dentre esses filósofos destaca-se Thomas Hobbes e sua magnum opus - O Leviatã - cujo cerne temático reside no poder. Toda a discussão orbita em torno de sua origem, transferência, justificação e finalidade.

O Leviatã de Thomas Hobbes
Figura 6 - O Leviatã de Thomas Hobbes. Fonte: wikipedia, 2020.


Hobbes fundamenta sua análise na constatação de que ao longo da trajetória histórica, o ser humano tem concebido diversas modalidades de estruturação do poder em diferentes sociedades. Ao empreender a redação de sua obra, o filósofo já se encontrava inclinado a defender a soberania absoluta do Estado. Ele demonstra que a concentração total do poder na figura do monarca é uma decorrência lógica das leis naturais que governam todos os indivíduos.

Em síntese, sua obra aborda a temática do Estado de Natureza, no qual prevalece a guerra de todos contra todos e o ser humano se revela como o próprio lobo do homem. Assim, o papel primordial do Estado consiste na preservação da vida. Os seres humanos estabelecem entre si um "pacto de sujeição", atribuindo ao soberano o poder absoluto para garantir a paz.

O Estado Soberano se configura como o "Leviatã", investido de poder absoluto para assegurar o direito à vida e à paz, além de desempenhar o papel de ente regulador da economia, da política e da sociedade (WEFFORT, 2011).

John Locke e o liberalismo inglês

John Locke
Figura 7 - John Locke. Fonte: wikimedia, 2020.

No âmbito dos ideais iluministas, figura o eminente filósofo inglês John Locke, renomado como o expoente do Liberalismo e um dos principais teóricos do conceito de contrato social. Sua tese central se fundamenta na defesa da liberdade e da tolerância religiosa, concebendo a sociedade a partir de um estado de natureza, seguido por uma fase intermediária de pacto social e culminando no Estado Civil (WEFFORT, 2011).

O estado de natureza, segundo Locke, é representado por indivíduos que vivem em plena liberdade e igualdade, dotados de razão. Nessa condição, já se evidencia a existência da propriedade privada, considerada pelo filósofo como uma instituição prévia à sociedade, sendo um direito individual que não deve ser violado pelo Estado.

Contudo, nesse estado de natureza surgem problemas sociais, tais como a transgressão da propriedade privada, o que demanda que os indivíduos se unam em torno de um pacto social, marcando a transição do estado de natureza para a sociedade civil.

Nessa nova condição social, a preservação da vida se torna um direito inalienável do ser humano, e o propósito do governo é garantir a proteção das propriedades.

Dentro desse contexto, os indivíduos celebram um "pacto de consentimento", por meio do qual atribuem ao poder soberano um conjunto mínimo de atribuições para preservar os direitos à vida, liberdade e propriedade, já existentes no estado de natureza. O resultado desse contrato social é o Estado Liberal.

Com esse arcabouço de pensamento, o inglês John Locke é considerado uma referência significativa para a concepção de democracia liberal.

Além disso, John Locke é igualmente reconhecido por sua defesa da liberdade religiosa. Ao compreender que nenhum indivíduo possui soberania e conhecimento suficientes para impor um modelo religioso aos demais, ele concebe os seres humanos como seres morais, o que pressupõe sua liberdade individual.

A problemática da desigualdade pensada por Jean Jacques Rousseau

Dentro desta mesma perspectiva jusnaturalista, deparamo-nos com a linha de raciocínio do renomado suíço Jean-Jacques Rousseau, cujo estilo de vida escandalizava a sociedade europeia da época e que empreendeu uma ruptura profunda com as visões tradicionais europeias.

Este filósofo suíço figura como uma das personalidades mais proeminentes do Iluminismo, dada a sua defesa da premissa de que todos os homens nascem inerentemente livres, e tal liberdade constitui uma parte essencial da natureza humana. Sua influência inspirou movimentos voltados para a conquista da liberdade, notadamente as conhecidas revoluções liberais.

Em sua obra "Discurso sobre a Desigualdade", publicada em 1754, Rousseau rompe com os antigos paradigmas políticos de pensamento e empreende a reconstrução de uma narrativa hipotética, abordando a condição de liberdade, desde o estado de natureza até o surgimento da propriedade privada. O filósofo também questiona como a sociedade passou dos princípios de liberdade para o jugo da servidão.

Rousseau concebe o estado de natureza como uma fase de profunda felicidade humana, na qual os seres humanos não possuíam a necessidade de se relacionar e não existia qualquer forma de desigualdade. Contudo, a origem da desigualdade reside na convivência em sociedade, sendo esse um fato inelutável. Essa configuração social é imposta pela instituição da propriedade privada e pelas leis que a regem.

Jean-Jacques Rousseau
Figura 8 - Jean-Jacques Rousseau. Fonte: wahooart, 2020.

Dentro dessa abordagem, o conceito de Estado é percebido como resultado de um acordo entre os indivíduos, sendo a burguesia apontada como o grande mal da sociedade, devido aos seus hábitos e ostentações luxuosas.

Em sua obra "O Contrato Social", Rousseau defende que o Estado deve ser formado pela vontade geral dos membros da sociedade, e que o governo só pode promover o bem comum quando age de forma justa. Assim, a responsabilidade política consiste em criar as condições adequadas para estabelecer um acordo legítimo.

A liberdade natural é abandonada em troca de direitos civis, sendo a igualdade entre todos os envolvidos uma condição indispensável nesse contrato. A liberdade de um povo é alcançada quando suas leis são criadas em igualdade de condições, de modo que obedecer a essas leis é submeter-se à vontade geral (WEFFORT, 2011).

Nesse sentido, para Rousseau, o contrato que estabelece o Estado é um "contrato de alienação", no qual os indivíduos renunciam a seus próprios direitos em favor do "corpo político", cuja manifestação suprema é a "vontade geral", representando a vontade dos contratantes (BOBBIO, 2000, p. 73).

A visão de Rousseau em relação à democracia também é significativa. Ele a entende como uma ação concreta, na qual interesses arbitrários individuais devem ser substituídos por construções coletivas, visando à igualdade de todos. Rejeitando a ideia de representação como algo absurdo e oriundo de sociedades corrompidas, Rousseau argumenta que a democracia deve ser direta.

Resumidamente, a filosofia de Rousseau destaca que, antes da existência da sociedade, os seres humanos viviam em um estado de natureza, desfrutando de liberdade e felicidade semelhantes às dos animais. Entretanto, eles optaram por abrir mão dessa liberdade em troca de um contrato social, superando assim o estado de natureza, que não pode mais existir. Ainda assim, os indivíduos possuem a capacidade de estabelecer novos contratos quando necessário, promovendo a liberdade por meio da lei (KELLY et al., 2013).

Montesquieu e os três poderes

O questionamento do poder monárquico constituiu o cerne das reflexões de diversos filósofos políticos previamente abordados. Nesse contexto, Charles-Louis, reconhecido como Barão de Montesquieu, desenvolveu uma perspectiva política fundamentada na necessidade de uma constituição que impusesse limites ao despotismo, tornando-o possível apenas por meio da separação dos poderes governamentais.

A base de seu pensamento reside na constatação de que o despotismo representa a maior ameaça à liberdade dos cidadãos, tanto em monarquias como em repúblicas, podendo levar ao colapso caso não haja uma regulamentação da atividade política. A divisão do poder em três esferas distintas é vista como a solução para evitar esse problema (KELLY et al., 2013).

Montesquieu construiu seu argumento teórico ao examinar os processos de declínio e expansão das monarquias, questionando qual seria a fonte de estabilidade desse regime ao longo do tempo.

Em seu raciocínio, ele indaga quais mecanismos proporcionam estabilidade aos governos, classificando-os em três categorias: monarquia, em que existe apenas um governante regido por leis e instituições fixas; república, caracterizada pelo governo do povo; e despotismo, em que apenas a vontade de um único indivíduo é considerada.

Os governos monárquicos são caracterizados pela honra, um sentimento de classe que evidencia um governo com desigualdades, privilégios excessivos e condições especiais, ressaltando a figura da aristocracia. Já as repúblicas são caracterizadas pela virtude, representada pelo espírito das vontades coletivas acima dos interesses individuais. Por sua vez, o despotismo é marcado pelo medo, um regime carente de princípios, propenso a revoltas e crises.

A distinção entre os diferentes tipos de poder é a principal contribuição do pensamento de Montesquieu. Ele ressalta a necessidade de dividir as responsabilidades administrativas do governo em três poderes independentes, garantindo assim o funcionamento do Estado de Direito.

Dessa forma, o poder executivo tem a função de executar as leis do Estado, o poder legislativo atua na elaboração das leis e o poder judiciário é responsável por aplicar a justiça. São poderes separados e independentes, um não pode subjugar o outro. Eles se controlam mutuamente por meio de um sistema de "freios e contrapesos", evitando invasões e preservando a integridade de cada esfera de poder.

Síntese

Em suma, ao longo deste artigo, percorremos uma jornada que nos levou a refletir sobre as origens e o desenvolvimento da Ciência Política. Desde as influências dos antigos gregos e romanos, passando pelas transformações socioculturais da Idade Média até a chegada da Modernidade e do Iluminismo, testemunhamos a evolução do pensamento político.

Ficou evidente como as influências socioculturais moldaram as perspectivas e abordagens dos filósofos ao estudarem e organizar seus objetos de estudo. As múltiplas perspectivas e o constante debate revelam a natureza intrincada e dinâmica desse campo de estudo.

Os gregos e romanos, em particular, apresentaram uma sistematização racionalizada e sofisticada, valorizando o discurso e a formulação de leis como fundamentos da política. Já na Idade Média, movimentos sociais, como a Reforma Protestante, abriram caminho para uma nova visão de mundo, permitindo o acesso ao conhecimento e preparando o terreno para o Iluminismo. Foi nesse período que os Estados Absolutos começaram a ser questionados e as relações entre sociedade civil e Estado se tornaram objeto de intenso debate.

Neste artigo, tivemos a oportunidade de explorar diversas facetas da Ciência Política. Conhecemos as nuances políticas da antiguidade grega e romana, compreendemos o processo de mudança sociocultural da Idade Média até a Modernidade, mergulhamos no pensamento provocativo de Nicolau Maquiavel e nos aprofundamos nas visões contratualistas da Ciência Política Clássica.

Essa jornada nos permitiu uma compreensão mais profunda das raízes e dos desenvolvimentos da Ciência Política, fornecendo bases sólidas para continuar explorando e contribuindo para esse campo fascinante e em constante evolução. Que possamos seguir adiante, mergulhando cada vez mais nos estudos políticos e contribuindo para um melhor entendimento e aprimoramento das estruturas e dinâmicas políticas em nossa sociedade.

Postar um comentário

0 Comentários

'