Hoje, os interesses dominantes do agronegócio, ligado ao extrativismo ilegal de madeira, e o de pedras preciosas, com grandes obras capitaneadas por empreiteiras, “atropelam” os interesses indígenas
Índios em dança típica. Fonte: Alekk Pires, Shutterstock, 2021. |
Olá, leitores!
Vamos falar sobre algo fascinante: a diversidade incrível
que existe entre nós, seres humanos. É algo que podemos observar tanto na
prática do dia a dia quanto nas diferentes formas intangíveis em que ela se
manifesta.
Para realmente compreendermos a riqueza dessa diversidade,
é crucial entender conceitos como cultura e etnocentrismo. Esses conceitos nos
ajudam a superar preconceitos ao olharmos para outras culturas, especialmente
quando as comparamos com a nossa própria, o que costumamos chamar de "Ocidente
cultural", como mencionado por Thomaz (1995).
Se voltarmos no tempo e explorarmos as evidências
arqueológicas e fósseis do passado, veremos que nossos antepassados não apenas
expressavam sua existência por meio de construções impressionantes ou pinturas
em cavernas. Eles deixaram registros que revelam suas identidades, valores e
visões de mundo em pedras e artefatos.
Todas as mudanças ao longo do tempo estão relacionadas a
transformações culturais que revelam uma de nossas características mais
marcantes: somos seres profundamente influenciados pela cultura. A partir dos
valores culturais, guiamos nossas ações no tempo e no espaço. Como Benedict (1972,
apud Laraia, 2001) colocou de forma tão acertada, "a cultura é como
uma lente através da qual o homem vê o mundo".
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Thomaz (1995) nos ensina que a cultura é um fenômeno
exclusivamente humano, uma capacidade de dar significado às nossas ações e ao
mundo que nos cerca. É algo compartilhado por indivíduos em um grupo específico
e não se trata de algo puramente individual. Somos seres sociais e culturais, e
isso é algo central para a antropologia, uma ciência que busca entender os
fenômenos culturais como um "código simbólico" com coerência interna
e dinamismo, compartilhado por pessoas de grupos muito diferentes dos nossos.
É fascinante perceber como, mesmo diante de movimentos
históricos que tentaram uniformizar aspectos culturais - como a língua que
falamos, as técnicas que usamos e até mesmo nossas expressões culturais - há
forças poderosas que resistem e afirmam nossas diferenças fundamentais.
A diversidade cultural é o pilar que sustenta nossa
humanidade, algo que nos torna verdadeiramente únicos. Essas diferenças são
mais do que meras variações, são a essência de como nos organizamos como
sociedade. Isso é válido tanto para sociedades mais igualitárias, como as
indígenas, quanto para a nossa, parte de uma complexa civilização que moldou e
explorou profundamente a natureza e a própria humanidade (conforme Thomaz,
1995, e Laraia, 2001, nos lembram).
Identidades étnicas e a visão do universo nas
culturas indígenas
A resiliência e a força das populações indígenas frente às
adversidades diárias impostas por setores da nossa sociedade e pelo Estado
brasileiro. Mesmo diante dessas dificuldades, essas comunidades não desistem e
se engajam em batalhas para preservar seu modo de vida, suas terras e os
direitos que lhes são garantidos.
A etnicidade vai além da biologia, é uma experiência
vivida, tanto materialmente quanto imaterialmente. Ela descreve quem faz parte
do "nós" em contraposição ou complementação a um "outro".
As características não são apenas físicas; incluem a criação de fronteiras
étnicas dinâmicas e flexíveis, mas que têm um núcleo identitário essencial.
Isso engloba o domínio da língua, valores, rituais compartilhados e a crença em
uma origem e destinos em comum (conforme Barth, 1998).
Para entendermos melhor como se dão as diferenciações e a
construção da identidade coletiva, é crucial mergulharmos nas narrativas
míticas, que são uma parte vital na formação das visões de mundo dos povos
indígenas.
Os mitos trazem à tona histórias tradicionais sobre a
origem da humanidade e da cultura, sobre o que nos torna únicos em relação a
outros seres vivos. Eles marcam o início do Universo, dos seres que o habitam,
das estruturas sociais, dos conflitos, dos valores e das práticas rituais (de
acordo com Midlin, 2002).
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Abordagem política oficial para os povos
indígenas pelo Estado brasileiro
Ei, pessoal!
Falaremos sobre a abordagem oficial do Estado brasileiro em
relação aos povos indígenas na atualidade, que teve início lá em 1910 com a
criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Esse serviço foi mais
tarde substituído, em 1967, pela atual Fundação Nacional do Índio (Funai), que
carrega a responsabilidade dessa política.
A filosofia predominante que moldou a organização e
execução das ações do SPI foi o positivismo (Oliveira, 1995; Oliveira, 2004).
O positivismo tinha uma visão idealizada do indígena e do seu papel dentro da
nação. O Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, o primeiro líder desse
órgão, concebeu uma abordagem chamada de "proteção fraternal",
eternizada na célebre frase "matar nunca, morrer se preciso for", redefinindo
a percepção do "índio bravo" para "dócil e colaborativo" (Oliveira,
1995; Oliveira, 2004). Na prática, a intervenção do SPI substituiu a
influência missionária por um sistema de tutela, que enxergava os coletivos
indígenas como incapazes de governar a si mesmos e determinar seus próprios
rumos (Oliveira, 2004).
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Quando olhamos para a visão romântico-positivista de Rondon
e do SPI nos seus primeiros anos, vemos algo muito interessante. Eles
criticavam veementemente o extermínio brutal e a exploração sem limites das
populações indígenas, bem como se opunham à assimilação desses grupos pelas
missões religiosas.
Um ponto crucial era incutir nos autóctones a ideia de que
poderiam se libertar de “princípios fetichistas” para abraçar um
"pensamento científico" mais esclarecido. Acreditavam que esses
"primeiros brasileiros" eram, na verdade, os "guardiães das
fronteiras brasileiras", e como tal, mereciam a tutela e a proteção do
Estado nacional (Oliveira, 1995).
A política oficial voltada para os povos indígenas
conduzida pelo Estado brasileiro. Hoje, essa responsabilidade está nas mãos da
Fundação Nacional do Índio (Funai), que foi estabelecida em dezembro de
1967. Diretamente ligada ao Ministério da Justiça, a Funai é a peça central na
coordenação e execução da política indigenista do governo federal.
Sua missão primordial é zelar pelos direitos e bem-estar
dos povos indígenas no Brasil, buscando afastar-se do antigo modelo de tutela
que ainda permeia a percepção sobre o órgão (Oliveira, 1995).
Mas como pensa parte significativa da população brasileira
em relação à temática indígena? O tema ainda é tratado como algo histórico,
distante das preocupações das pessoas comuns, entre as quais imperam
estereótipos extremamente negativos contra as populações indígenas (OLIVEIRA,
1995). Outrossim, ainda há uma parcela da opinião pública que entende haver
“muita terra para pouco índio”, questão que termina por inviabilizar parte do
debate em torno da importância dos territórios indígenas, dada a força da
estereotipia e do senso comum, que constrói uma autorrepresentação acerca do
brasileiro de “forma ufanista, otimista e simpática”, um homem cordial, ou
ainda a força da ideia da miscigenação e da ausência do racismo em nosso país (OLIVEIRA,
1995).
As demandas por territórios ancestrais são uma problemática
no país. Enquanto alguns coletivos teriam “terras demais”, outros são
conhecidos como “falsos indígenas” por resultados pessoais com o acesso às
políticas públicas de auxílio aos índios. Segundo Oliveira (1995), já
está sedimentado o solo para que jornalistas, comunicadores – e, mais
recentemente, blogueiros – venham enraizar novos preconceitos, escamoteando a
questão indígena.
Hoje, os interesses dominantes do agronegócio, ligado ao
extrativismo ilegal de madeira, e o de pedras preciosas, com grandes obras
capitaneadas por empreiteiras, “atropelam” os interesses indígenas, seja em
nome do “desenvolvimento” ou com o discurso da “integração como gente como a
gente”. Assim, é precipitado falarmos em Estado interventor em nome de
interesses das populações indígenas quando são setores do próprio Estado ou de
poderes locais a ele associados que obliteram os propósitos dos índios (OLIVEIRA;
COHN, 2014; MANTOVANELLI, 2016).
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Depois da ditadura militar, com a redemocratização do país,
houve avanços significativos para os movimentos indígenas e o declínio das
práticas de tutela por parte do Estado brasileiro. Desde 1988, aconteceram
importantes demarcações, além do reconhecimento constitucional de que os povos
indígenas têm o direito originário e o usufruto sobre terras que
tradicionalmente ocupadas. Foi previsto o estabelecimento de reservas indígenas
em áreas destinadas à posse e à ocupação, em qualquer parte do território
nacional, nas quais os coletivos poderiam buscar sua subsistência para a
garantia das condições necessárias à sua continuidade física e cultural. Os
maiores exemplos de áreas indígenas criadas, com ampla repercussão nacional e
internacional, foram as Terras Indígenas Yanomami, nos anos 1990 e, mais
recentemente, as Terras Indígenas de Raposa Serra do Sol, homologadas em 2009.
No entanto, nos últimos anos, houve um enorme recuo na
garantia dos direitos indígenas, dado o avanço do conservadorismo e de setores
contrários às demandas identitárias dessas e de outras populações vulneráveis
de nosso país. O maior exemplo desse retrocesso nas lutas indígenas e nas
políticas indigenistas é a tese do marco legal (CUNHA; BARBOSA, 2018).
Conclusão
Caro leitor,
É impressionante como a diversidade, essa característica
única dos seres humanos, se manifesta de formas tão ricas em nosso dia a dia.
Desde as nuances mais palpáveis até as expressões intangíveis, ela está
presente e nos encanta.
Para compreendermos essa riqueza, precisamos entender
conceitos-chave, como cultura e etnocentrismo, que nos ajudam a vencer
preconceitos e a apreciar outras culturas, afastando aquela ideia de
superioridade muitas vezes associada ao "Ocidente cultural".
Além disso, mergulhamos na compreensão de como nossos
antepassados deixaram registros que nos mostram suas identidades e visões de
mundo. As mudanças ao longo do tempo revelam que somos seres profundamente
influenciados pela cultura, orientando nossas ações, nosso modo de ver o mundo.
E, ao explorarmos a visão do universo nas culturas
indígenas, nos deparamos com a resiliência incrível dessas populações, que
lutam bravamente para preservar suas formas de vida, suas terras e seus
direitos. A etnicidade vai muito além da biologia, é uma experiência viva e
enriquecedora, permeada por línguas, valores e rituais.
No entanto, sabemos que ainda há desafios e estereótipos a
enfrentar. A percepção da população brasileira sobre a temática indígena muitas
vezes está distante da realidade, marcada por estereótipos negativos e falta de
compreensão. A luta pelos territórios ancestrais é uma batalha constante,
especialmente diante de interesses poderosos.
Apesar dos avanços conquistados desde a redemocratização,
nos últimos anos, vimos um retrocesso lamentável nos direitos indígenas, um
cenário desafiador. Mas a luta continua e a consciência está crescendo, e
juntos podemos fazer a diferença.
Vamos manter o diálogo e a busca por um mundo mais justo e igualitário para todos. Até a próxima, pessoal!
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