O Brasil do século XIX destaca o papel crucial da imprensa republicana e os desafios enfrentados pelos jornais políticos.
Cartas Raciais: Revista Piauí- Reprodução UOL |
A partir do século XVIII, com o desenvolvimento da ideia de
consenso social e sua constante renovação, o estabelecimento de jornais e
organizações passou a representar um símbolo de progresso e alinhamento aos
princípios iluministas. Assim, na era moderna, a compreensão de um determinado
momento histórico, especialmente em termos políticos, requer uma análise da
atividade associativa e da mídia.
CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE
Últimas Noticias
- STF
decide manter Ednaldo Rodrigues afastado da liderança da CBF, causando
descontentamento na FIFA e na COMMEBOL
- Evangélicos
Estão Convictos na Exclusividade na
Vida Após a Morte
- Bolsonaro
com 'PATRIOTAS' na Argentina: presença discreta na posse de Javier Milei
mais se assemelha a um bibelô de estimação argentino
- Nikolas Ferreira sofre condenação após derrota em
processo contra a Senadora Eliziane Gama
- Crise na Guiana: Apelo urgente aos EUA enquanto Venezuela se sente ameaçada
Doação
Se durante a era iluminista a imprensa e as organizações
eram consideradas os meios desejáveis, legítimos e confiáveis para impulsionar
a reforma e o progresso da humanidade, as revoluções no final do século XVIII
introduziram a participação popular como um elemento crucial para transformar
as instituições do antigo regime. A partir desse ponto, uma das divisões entre
os reformadores foi a posição em relação à participação popular como um
componente indispensável para as mudanças. Apesar da contrarrevolução vigorosa
em toda a Europa, as demonstrações públicas com envolvimento popular em busca
de transformações sociais, políticas e econômicas foram uma realidade
inescapável durante o século XIX. No Brasil, essa dinâmica não foi diferente. A
compreensão de sua história política no século XIX, seus debates parlamentares
e disputas partidárias requer uma análise conectada à história da imprensa, das
associações e das manifestações públicas.
Para aprofundar o aspecto político do movimento
abolicionista, os principais personagens são os jornais estabelecidos pelos
republicanos abolicionistas entre 1875 e 1904. Essas publicações, em sua
maioria, tiveram uma circulação efêmera e estavam vinculadas a um campo de
opinião específico em um contexto político particular. Muitos republicanos
abolicionistas tentaram manter seus próprios jornais, mas o sucesso foi
alcançado por figuras como Ferreira de Menezes e José de Patrocínio, por meio
da Gazeta da Tarde e do Cidade do Rio. Em certa medida, esse êxito obscureceu
as tentativas infrutíferas de outros, como Jerônimo Simões, Matias Carvalho,
Lopes Trovão, Ennes de Souza, Vicente de Souza, Ferro Cardoso, Pardal Mallet,
Almeida Pernambuco, Aristides Lobo, Saturnino Cardoso e Luiz Leitão.
Para analisar esses periódicos em diferentes contextos, é
essencial situá-los inicialmente dentro do contexto da história da imprensa,
considerando seus diversos aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos.
Além disso, é crucial percebê-los não apenas como meros reflexos de estruturas
socioeconômicas, mas como participantes significativos de determinados
processos históricos. Ao explorar o catálogo de periódicos da Biblioteca
Nacional referente ao Rio de Janeiro no século XIX, conseguimos estabelecer
conexões importantes entre a história da imprensa e o ativismo republicano e
abolicionista. Vale ressaltar a influência robusta da imprensa do século XIX,
mesmo em comparação com os números da segunda metade do século XX, antes da era
digital. Aproximadamente 1.260 jornais circularam no Rio de Janeiro entre 1808
e 1900, mas a maioria enfrentou desafios consideráveis para manter-se ativo por
mais de um mês.
Frontispício da Biblioteca Nacional no dia de sua inauguração (12 nov. 1910) |
Indubitavelmente, um dos traços distintivos da imprensa no século XIX era sua natureza nitidamente efêmera. Muitas publicações surgiam com a intenção de intervir no debate público, sem a intenção de persistir, alinhando-se à ideia da imprensa centrada em seu papel político. A história da imprensa nesse período pode ser compreendida pela crescente oposição entre duas abordagens. Uma visão que via o jornal como um agente político crucial na formação da opinião, claramente configurando-se como uma imprensa formativa. Enquanto a outra, buscando atingir um amplo público, se estruturava com base na imparcialidade, destacando seu caráter informativo e não partidário (Charlie 2004).
A dimensão econômica, assim como as considerações técnicas,
desempenhou um papel crucial nesse conflito. A imprensa que se autodefinia como
formativa e se apresentava como um espaço para avaliação e crítica do poder
enfrentava desafios financeiros e estruturais. Ao renunciar aos subsídios
oficiais responsáveis pela sustentação da imprensa ligada ao poder central, os
formadores de opinião dependiam de recursos como assinaturas, vendas em bancas,
anunciantes e sessões a pedido, além do apoio financeiro de indivíduos
particulares. A abordagem direta oferecia menos oportunidades para atingir um
público amplo em comparação com a alegada imparcialidade política. Em outras
palavras, o jornal que comercializava notícias, informações e entretenimento
tinha uma probabilidade maior de se tornar uma mercadoria lucrativa do que o
jornal partidário.
Num ciclo recorrente, quanto mais extenso o alcance e a
circulação, maior o interesse dos anunciantes em espaços publicitários e solicitações.
Essa dinâmica é essencial para a sustentabilidade dos periódicos. No entanto, a
supremacia da imprensa imparcial e informativa sobre a parcial e política
estava condicionada a avanços técnicos tanto na própria imprensa quanto nos
setores de transporte e comunicação. No início do século XIX, dada a lentidão
estrutural nas comunicações e transportes, era desafiador conceber a imprensa
como principal fonte de informações sobre eventos globais. Portanto, para
compreender por que muitos jornais catalogados circularam por no máximo um mês,
é crucial considerar todos esses elementos e avaliar o impacto desses fatores.
Seria necessário examinar o propósito do jornal no momento de sua criação, se
voltado para uma intervenção pontual ou com perspectiva a longo prazo.
Independentemente disso, é evidente a considerável dificuldade em ultrapassar
esse limite.
Dos 1.260 jornais catalogados, 544 (43,17%) tiveram uma
existência de apenas um mês. Se somarmos a esse total os 288 jornais que
conseguiram persistir por seis meses, observamos que 66,03% dos jornais não
conseguiram superar a marca de um semestre. Após esse primeiro semestre, o
número diminui consideravelmente a cada ano, especialmente após três anos.
Nesse contexto, 141 jornais mantiveram-se por um ano, 129 por dois anos, 34 por
três anos, mas apenas nove jornais conseguiram subsistir por cinco anos.
Para estabelecer correlações entre o número de jornais e os contextos políticos, examinamos cada faixa de duração dos periódicos, identificando os anos e décadas com maior quantidade de publicações. Na primeira metade do século XIX, a década de 1830 se destacou com o maior número de periódicos. Esse período de considerável instabilidade, marcado pela abdicação de D. Pedro I e as regências, coincidiu com uma explosão na produção de impressos, expansão de novas formas de interação social e ativismo político focado na formação da opinião pública, carregando consigo significados diversos e muitas vezes antagônicos. Nelson Werneck Sodré, em sua obra "História da Imprensa no Brasil" (1999), já havia atribuído grande importância a esse período, destacando o papel dos pasquins e suas variadas propostas socioeconômicas e políticas.
Nelson Werneck Sodré. Foto: Reprodução Goodreads |
Na segunda metade do século XIX, a década de 1880 testemunha uma segunda onda de impressos, abarcando 40,9% dos jornais que circularam por até um mês, uma tendência que se mantém em todas as outras categorias de duração. Similar aos anos 1830, o surgimento abundante de novos periódicos na década de 1880 reflete o dinamismo da vida política, transformando a imprensa em um ponto de convergência entre intelectuais e a população, fora do âmbito parlamentar. A ressurgência dos pasquins no início da década de 1880 é outro elemento que aproxima esses dois períodos. Além disso, ao proporcionar certa autonomia profissional, a imprensa fortalecia o ativismo político independente dos interesses da elite e do grande comércio, ao mesmo tempo que impunha aos seus proprietários e editores a lógica de uma competição extremamente acirrada pela permanência no mercado.
Ao analisar a trajetória de Flávia Magalhães Pinto (2018,
p. 147-154), destacou-se a importância pessoal, política e profissional do
investimento na imprensa, ao mesmo tempo em que salientou os conflitos
envolvidos na busca por reconhecimento em espaços até então inexplorados por
seus pais e avós. A busca pela autonomia estava intrinsecamente ligada à
competição pelos investimentos, algo inerente à continuidade de qualquer
periódico. O Jornal do Commercio, amplamente reconhecido como o principal
representante da grande imprensa, do grande comércio e da grande propriedade
por todos os atores políticos, revelava claramente o segredo de sua
durabilidade. Esse segredo incluía a referência à neutralidade, o apoio a todos
os governos, a publicação a pedido, o uso de pseudônimos com preços elevados, a
veiculação de anúncios de diversos produtos, além do suporte financeiro
proveniente de fontes públicas e privadas.
Como posicionar os jornais abolicionistas e republicanos no
desenvolvimento da grande imprensa? Como conciliar suas funções políticas e
formativas com as demandas financeiras em um país com uma base reduzida de
leitores? Qual seria o alcance desses periódicos em um país predominantemente
não letrado? Em última análise, quais seriam as condições necessárias para a
continuidade de um jornal exclusivamente dedicado às causas republicana e
abolicionista? Antes de adentrar essas questões, surge a indagação se a categorização
inicial de "imprensa abolicionista" contribuiu para a compreensão dos
conflitos políticos e sociais desse contexto. No caso do abolicionismo no Rio
de Janeiro, essa categorização abrange principalmente periódicos liderados por
José do Patrocínio, como a Gazeta da Tarde, Cidade do Rio e Gazeta de Notícias,
além do Abolicionista, uma publicação mensal da Sociedade Brasileira contra a
Escravidão, uma revista ilustrada por Ângelo Agostini. Entretanto, jornais
republicanos que também defendiam a abolição, mas em uma esfera diferente da
Gazeta da Tarde ou Cidade do Rio, como Atirador Franco, Jornal da Noite, Gazeta
da Noite, Corsário, Grito do Povo, Gazeta Nacional, Carbonário, Combate,
Republicano, Socialista, entre outros, não são incluídos nessa categoria ou
possuem pouca visibilidade.
Mesmo considerando o contexto do século XIX, o uso da
expressão "imprensa abolicionista" deixa lacunas quanto à clareza
sobre os jornais incluídos e os critérios utilizados na classificação. Essa
ambiguidade é observável tanto nos periódicos que se opunham à escravidão
quanto naqueles comprometidos com sua perpetuação. Em certo aspecto, é possível
argumentar que a falta de detalhes apenas reflete a ampla compreensão dos
leitores da época sobre o tema. Contudo, também parece plausível sugerir que,
no início da década de 1880, essa ambiguidade era uma estratégia empregada
pelas lideranças envolvidas na formação da frente abolicionista. Uma das
primeiras instâncias do uso do termo foi encontrada na Gazeta da Tarde, em
novembro de 1880, durante um banquete organizado por Joaquim Nabuco para
homenagear o ministro americano Henry Washington Hilliard. No discurso de
Joaquim Serra, a imprecisão nos termos "partido" e "imprensa
abolicionista" se alinhava perfeitamente ao seu projeto de construir uma
frente política contra a escravidão.
Na perspectiva da história da imprensa, preferimos abordar
o período destacando a intensa competição entre diferentes concepções sobre a
função do periódico na sociedade. Entre essas concepções, uma se autoproclama
responsável pela formação política, assumindo abertamente uma postura de
imprensa opinativa e até partidária. No entanto, enfrenta desafios estruturais
para se manter no mercado devido à sua explícita parcialidade. A outra propõe
neutralidade e imparcialidade no âmbito político, definindo-se pela oferta de
informações, registros e anúncios. Por fim, há uma concepção que tenta
conciliar ambas as abordagens. Apesar dos esforços para definir o papel da
imprensa como estritamente formativo, reconhecemos a impossibilidade real de
uma imprensa verdadeiramente neutra, especialmente em momentos de crise. Além
disso, é crucial considerar as limitações à liberdade de imprensa,
especialmente em relação à circulação de jornais declaradamente republicanos.
Sob uma análise jurídica, é factível afirmar que, no
Império Brasileiro, a liberdade de expressão, regulada pelo Código Criminal de
16 de dezembro de 1830, não estava sujeita à censura, mas sim a um regime
repressivo típico dos estados liberais do século XIX. Em contraste com um
sistema preventivo de censura, a regulação estabelecida pelo Código de 1830 não
exigia controle prévio para a circulação das obras, aplicando medidas punitivas
contra os infratores. Delitos como ataques ao sistema monárquico e provocação
contra a pessoa do imperador estavam sujeitos a penas de prisão de 3 a 9 anos.
Dado que a propaganda republicana foi construída nos jornais sem que seus
redatores, impressores, editores ou vendedores fossem judicialmente punidos,
parece justificado afirmar, como alguns monarquistas do século XIX e estudiosos
do século XX argumentaram, que no Brasil de Dom Pedro II, existia plena
liberdade de imprensa. Nesse contexto, a frequente referência dos republicanos
à perseguição às suas publicações deve ser interpretada como um exagero sem
fundamento?
Código Criminal de 1830 - Foto: Facebook
Embora a perseguição judicial contra jornalistas tenha sido rara, mesmo os historiadores que destacam a ampla liberdade de imprensa no segundo reinado apontam a existência de limitações à circulação de jornais, como empastelamentos e ameaças de morte. Em contraposição a essa contradição, os republicanos empenharam-se em argumentar que a suposta liberdade absoluta de expressão no império, baseada na ausência de prisões e processos, era apenas uma fachada para encobrir a aplicação sumária da justiça pela polícia d'El Rei (Atirador Franco, 2 de fevereiro de 1881). Se a repressão não ocorria por meio do sistema judicial, era efetivamente executada por ameaças e empastelamentos apoiados pelas próprias autoridades.
Jornal do século 19. Foto: Facebook |
Os historiadores continuam a discordar sobre a relação
entre as lutas dos escravizados e o movimento abolicionista, assim como diferem
na caracterização desse movimento. Na nossa perspectiva, as batalhas dos
escravizados pela liberdade, seja de forma individual ou coletiva, por meio de
violência ou outros meios, são intrinsicamente ligadas à própria instituição da
escravidão. Seguindo a abordagem de Clóvis Moura (1990), Lana Lage da Gama Lima
(1981) e outros, a escravidão é inconcebível sem a presença de violência,
instrumentos de tortura, castigos e sofrimentos que nenhum discurso sobre
paternalismo, negociação ou acomodação pode negar. Da mesma forma, a
prosperidade e a dinâmica da escravidão, que resultaram em áreas de alto
desenvolvimento econômico, juntamente com uma densidade populacional totalmente
desfavorável à população livre, forçaram a concessão de direitos aos
escravizados. Essa concessão de direitos também se tornou um mecanismo
fundamental na manutenção das relações escravistas.
Da mesma forma, a flexibilidade na disponibilidade de
escravizados conseguiu criar uma adesão abrangente, tanto social quanto
geográfica, à instituição escravista, limitando assim as possibilidades de
surgimento de discursos antiescravistas, com maior ou menor impacto. A coerção
através da violência ou a submissão por meio da concessão de direitos foram
elementos cruciais que moldaram as relações escravistas, as quais, por sua vez,
não podem ser compreendidas sem considerar as diversas interpretações que os
próprios escravizados, provenientes de distintas regiões da África e diversas
etnias, atribuíram à liberdade, ao trabalho, à vida, à religião, entre outros
aspectos.
A dinâmica geográfica do abolicionismo nos últimos anos da
escravidão destaca a natureza predominantemente urbana desse movimento. No
entanto, é crucial observar que somente a sua interligação com o meio rural foi
capaz de efetivar a abolição imediata e sem indenização em 13 de maio de 1888.
Em certa medida, a tensão entre a cidade, que viabilizou o surgimento de
associações e jornais abolicionistas, e o campo, associado ao poder dos grandes
proprietários de escravizados, constituiu um dos elementos fundamentais do
próprio sistema escravista. Este, plenamente integrado ao capitalismo, era
inseparável da vida urbana, comercial e financeira. A exploração da mão de obra
escrava nas grandes propriedades exportadoras, vinculadas ao crédito, ao
progresso técnico-científico, às ferrovias e aos portos, estabelecia uma
conexão necessária entre a cidade, com seus jornais, teatros e reuniões, onde
circulavam ideias contrárias tanto à escravidão quanto ao próprio capitalismo.
É na atmosfera urbana, com sua variedade de ocupações,
associações mutualistas e assistencialistas, tipografias e redações, que o
movimento abolicionista se estruturou. Diferentes correntes políticas, com
divergências quanto à extensão do diálogo com os escravizados, como Minloco,
integraram-se a esse ambiente. Do ponto de vista de uma história política do
movimento, identificamos esse aspecto como um dos principais divisores. A
propaganda abolicionista deveria ser direcionada aos escravizados ou exclusivamente
aos homens livres e à elite política? Deveria permanecer restrita à cultura
letrada urbana ou estender-se ao campo e conectar-se à cultura iletrada? Essas
e outras questões permaneceram latentes na ampla frente política abolicionista,
constantemente ameaçando a unidade. As reformas a serem consideradas como
consequências lógicas do fim da escravidão, a abordagem racial, reforma ou
revolução – todas essas indagações permearam o movimento. Antes de explorar
cada uma dessas questões, é crucial ressaltar que a organização do movimento
abolicionista no Rio de Janeiro não pode ser dissociada de um novo ativismo
republicano que, pelo menos desde 1875, apostava em associações, imprensa e
participação popular para efetuar reformas sociais e políticas.
0 Comentários