Mauro Cid, antigo aliado de Bolsonaro, admite ter negociado relógios e repassado os fundos diretamente ao ex-presidente

As revelações de Mauro Cid desmontam a versão de Jair Bolsonaro, podendo levá-lo à prisão.

Jair Bolsonaro e Mauro Cid
Jair Bolsonaro e Mauro Cid - Foto: O globo/ Reprodução

Há muito tempo, a cidade de Brasília não experimentava um clima de suspense semelhante ao que se desenrolou nos últimos dias - mais especificamente, desde o sábado, 9, quando o tenente-coronel Mauro Cid foi libertado após assinar um acordo de delação premiada. Antigo braço direito do ex-presidente Bolsonaro, Mauro Cid desempenhou um papel fundamental durante os quatro anos de mandato presidencial. Praticamente nada acontecia no terceiro andar do Palácio do Planalto sem o conhecimento do militar, que participava de reuniões, acompanhava viagens, atendia às chamadas telefônicas do presidente, agendava encontros e cuidava das finanças pessoais da família presidencial, desempenhando um papel semelhante ao de um administrador dedicado.

O tenente-coronel estava detido preventivamente por um período de quatro meses. Poucos dias antes de ser libertado, ele prestou depoimentos às autoridades da Polícia Federal, admitindo seu envolvimento em dois casos que estavam sob investigação pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Estes casos incluíam a falsificação de cartões de vacina e uma tentativa de comercializar joias, relógios, canetas e outros presentes que haviam sido recebidos por Bolsonaro durante seu mandato. No incidente dos cartões de vacina, Cid confessou ter manipulado os registros do Ministério da Saúde, emitindo documentos fraudulentos que indicavam que ele, sua esposa e filhas haviam sido vacinados contra a covid-19. O militar explicou que esse ato tinha como objetivo obter uma espécie de salvo-conduto, caso a família enfrentasse possíveis perseguições após o término do governo.

Na segunda situação envolvendo a comercialização de joias, a admissão de culpa por parte de Mauro Cid traz à tona informações que implicam e, sem dúvida, vão piorar a situação legal de Bolsonaro. O tenente-coronel confessou seu envolvimento na venda de dois sofisticados relógios recebidos pelo então presidente - um Patek Philippe e um Rolex. De maneira surpreendente, durante o depoimento, ele confirmou ter repassado o dinheiro proveniente dessa transação ao ex-presidente.

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Foi a Polícia Federal (PF) que revelou a transação realizada secretamente nos Estados Unidos, durante a viagem de Bolsonaro no final do ano passado, acompanhado pelo seu assistente e levando consigo dois conjuntos de joias. Ao ser confrontado com essa informação, o ex-presidente alegou desconhecimento do negócio e negou ter recebido qualquer dinheiro proveniente da venda dos presentes. O depoimento de Mauro Cid desmascara a versão apresentada por Bolsonaro. "O presidente estava preocupado com a sua situação financeira. Ele já tinha sido multado em várias ocasiões", revelou. Assim, a ideia de vender as peças surgiu da necessidade de angariar fundos para sustentar seu estilo de vida extravagante.

No decorrer da última segunda-feira, já em liberdade e monitorado por tornozeleira eletrônica, Cid fez uma visita a um colega. Os rumores sobre o teor de sua colaboração, mantida em segredo, estavam se espalhando, especialmente no que diz respeito à transação envolvendo as joias. Ele tentou se justificar, afirmando que, apesar de tudo, não houve intenção de cometer qualquer ato ilícito. Antes de encerrar seu mandato, o presidente solicitou ao coronel que avaliasse alguns presentes - objetos que, de acordo com ele, eram categorizados como "de uso pessoal", ou seja, faziam parte do acervo particular do presidente e, por isso, poderiam ser comercializados. "A venda pode ter sido questionável moralmente? Sim, é possível. Mas acreditávamos que não violava a lei", relatou Cid.

Para os investigadores, Bolsonaro teria estabelecido uma estrutura criminosa para desviar bens públicos de alto valor com o intuito de enriquecimento ilícito. No entanto, havia uma peça crucial faltando para concluir a investigação: a evidência de que o ex-presidente havia recebido o dinheiro oriundo do negócio. Cid esclareceu o esquema criminoso. De acordo com suas declarações, o montante obtido com a venda dos relógios foi transferido para a conta de seu pai, o general Mauro Lourena Cid, posteriormente sacado em dinheiro e entregue pessoalmente a Bolsonaro. A entrega dos valores, totalizando 98.000 dólares segundo informações da PF, ocorreu de forma parcelada, com parte do pagamento realizado ainda em solo americano.

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O ex-colaborador próximo também teve que esclarecer sobre um roteiro de natureza golpista encontrado em seu celular, que tratava da anulação das eleições do ano passado, juntamente com uma possível intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) e a convocação de um novo pleito. Cid explicou que, devido às suas responsabilidades, seu telefone recebia inúmeras mensagens sobre variados temas, e mais de uma pessoa lhe enviou propostas elaboradas com conotação golpista - contudo, ele assegura que foram apenas ideias fantasiosas e que não levou adiante esse conteúdo.

O impacto negativo na reputação do ex-presidente já foi identificado em estudos recentes. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha revela que 68% dos eleitores em São Paulo, a maior cidade do Brasil, se oporiam a um candidato apoiado por ele. Outro levantamento conduzido pelo Instituto da Democracia, uma entidade que congrega pesquisadores de instituições como Unicamp, UnB, UFMG e Uerj, indica que 56% mencionam "decepção" como o sentimento predominante em relação a Bolsonaro. Adicionalmente, as pesquisas indicam uma tendência mais favorável para seu principal adversário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os aliados políticos, especialmente do partido PL, estão vivendo um momento de inquietação e com suas iniciativas em suspenso, pois não conseguem avaliar totalmente, no momento, o impacto que os desdobramentos da crise em torno do ex-presidente terão. Próximos correligionários do líder do partido, Valdemar Costa Neto, afirmam que há preocupações crescentes em relação a alguns aspectos. Um deles está relacionado ao conteúdo da colaboração premiada feita por Mauro Cid. O outro ponto de apreensão é o material encontrado no celular do tenente-coronel, que indica planejamento para um cenário pós-eleições. Contudo, a tempestade em torno de Bolsonaro ainda está em fase de desenvolvimento. Um dos especialistas em comunicação que trabalhou diretamente com o ex-presidente na última campanha está adotando uma postura mais cautelosa ao analisar o cenário, em comparação aos pesquisadores.

Há cerca de uma semana, quando interrogado por estudantes de uma universidade de São Paulo sobre sua associação com Bolsonaro, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), não hesitou. "Eu? Ao lado de Bolsonaro?", questionou, esclarecendo imediatamente que não mantinha uma "intimidade" com o ex-presidente.

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Opinião do Michel

Leitor,

A situação que se desenrola em torno das revelações feitas por Mauro Cid, ex-braço direito de Bolsonaro, é de extrema gravidade e clareza. A admissão de negociações ilícitas envolvendo relógios e transferência direta de dinheiro ao ex-presidente são fatos incontestáveis.

Essas revelações desmantelam completamente a narrativa anteriormente apresentada por Bolsonaro, abrindo portas para possíveis desdobramentos legais sérios, inclusive sua prisão. A investigação aponta para a criação de uma estrutura criminosa visando desviar bens públicos para enriquecimento pessoal, algo profundamente repreensível.

Não podemos ignorar os indícios de um planejamento golpista pós-eleição, delineado no celular de Cid. Isso acrescenta uma camada preocupante à situação já delicada, evidenciando um cenário onde a democracia e os processos legais estavam em risco.

As pesquisas recentes refletem o impacto devastador dessa crise na imagem de Bolsonaro. A rejeição massiva em São Paulo e o sentimento generalizado de decepção em relação ao ex-presidente mostram uma sociedade que não tolera corrupção e desvio de conduta.

Os aliados políticos, em especial do PL, estão navegando em águas turbulentas. As incertezas sobre o impacto futuro dessa crise os deixam em um estado de preocupação legítima. A tempestade está se formando, e as consequências políticas podem ser profundas.

Em meio a tudo isso, a clareza e a responsabilidade nas investigações são vitais para garantir que a justiça prevaleça. Vamos continuar atentos aos desdobramentos, pois a verdade e a responsabilidade são pilares fundamentais de uma sociedade justa e ética.

 

Michel

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