A vida dura de Nelson Mandela na prisão de Robben Island

Conforme o tempo passava, os prisioneiros iam desenvolvendo cada vez mais formas de burlar a vigilância e de se comunicar. As ideias e a troca de conhecimento cresciam na prisão apelidado de “Universidade Mandela"

Em 11 de fevereiro de 1990, Nelson Mandela foi libertado.
Em 11 de fevereiro de 1990, Nelson Mandela foi libertado. Fonte: TV Cultura

História- Após ser sentenciado à prisão perpétua no julgamento de Rivonia, Nelson Mandela foi encaminhado para a prisão de Robben Island, onde os líderes xhosas, que resistiram aos colonizadores britânicos no século XIX, eram detidos pelos ingleses. Na ilha, ele e os demais detentos eram obrigados a realizar trabalhos árduos em uma pedreira de cal.

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Mandela foi designado como prisioneiro do Grupo D, a categoria mais baixa entre os detentos, o que significava que podia receber apenas uma visita e uma única carta a cada seis meses. As escassas cartas eram sujeitas a longos períodos de censura antes de serem entregues, e quando finalmente chegavam aos prisioneiros, boa parte de seu conteúdo era obscurecida, tornando muitas vezes impossível a leitura. Além das tarefas extenuantes, da escassa alimentação e do quase total isolamento do mundo exterior, Nelson Mandela também enfrentava ameaças à sua própria vida.

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Contudo, durante os anos na prisão, sua reputação como o líder mais destacado da luta contra o apartheid cresceu. A repercussão em torno dele foi tão intensa que suas imagens foram proibidas na África do Sul, aumentando ainda mais a indignação da comunidade internacional. Em 1969, o BOSS (Bureau de Segurança do Estado da África do Sul), a agência de inteligência do apartheid, planejou assassinar o líder negro. Segundo o relato do agente Gordon Winter em seu livro de 1981, "Inside BOSS" (Por Dentro do BOSS), ele foi infiltrado na prisão com a suposta missão de resgatar Mandela.

Durante a tentativa de fuga, agentes da BOSS planejavam assassinar Mandela, visando justificar sua morte e se livrar de um prisioneiro incômodo, cuja causa ganhava crescente apoio global. Contudo, o plano foi impedido pela inteligência britânica. Enquanto estava na prisão, Mandela retomou seus estudos, utilizando o tempo disponível para se dedicar a cursos por correspondência oferecidos pela Universidade de Londres. Apesar de já possuir um diploma em artes e ter estudado direito, não completando a formação, ele agora se aprofundava ainda mais em seus estudos. Desde sua prisão em 1962, Mandela dedicava seu tempo livre ao aprendizado e à instrução, transformando Robben Island em um verdadeiro centro educacional para os prisioneiros políticos.

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Enquanto realizavam o trabalho na pedreira, extraindo cal, a vigilância sobre eles era aliviada, proporcionando um ambiente propício para debaterem suas visões políticas e compartilharem conhecimento. Mandela buscava criar um ambiente semelhante ao universitário em Robben Island, promovendo palestras secretas regularmente entre os prisioneiros, independentemente de sua origem racial. Ele também dedicava tempo ao estudo da África e frequentemente dialogava com carcereiros e funcionários brancos da prisão, ganhando uma compreensão mais profunda da mentalidade da minoria bôer. Anders Hallengren, em seu artigo "Nelson Mandela e o Arco-íris de Cultura", destaca que Mandela se identificou com os descendentes dos imigrantes holandeses do século XVII, percebendo que, sob circunstâncias diferentes, poderia ter desenvolvido pontos de vista semelhantes aos deles.

Através da experiência adquirida durante seus anos de encarceramento em Robben Island, Mandela expandiu sua consciência ideológica, conhecimento que mais tarde seria aplicado na elaboração da nova Constituição Sul-Africana. A notável capacidade de reconciliação de Mandela emergiu quando africanos e africâneres formaram um governo de coalizão, conforme observado por Hallengren. Com o tempo, os prisioneiros desenvolveram métodos mais sofisticados para contornar a vigilância e se comunicar. Apesar da heterogeneidade entre os presos políticos, que incluíam membros da elite intelectual negra e indivíduos sem educação formal, as ideias e a troca de conhecimento prosperaram na "Universidade Mandela," como Robben Island passou a ser apelidada.

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Apesar de apreciarem a cultura africana, os debates entre os prisioneiros eram influenciados principalmente por obras de autores europeus. Mais do que os textos sagrados das religiões dos detentos, como a Bíblia, o Alcorão e o Bhagavad Gita, William Shakespeare (1564-1616) era a principal fonte de inspiração. A obra do dramaturgo inglês, especialmente peças como Hamlet, o príncipe dinamarquês, que refletia a situação de ser enganado por um rei criminoso, era constantemente citada e discutida. Os prisioneiros políticos, vítimas de um governo brutal, identificavam paralelos em obras como Júlio César, pois conspiravam para derrubar um governo despótico, e em Macbeth, acreditando que o regime do apartheid também estava condenado a ruir. Passagens de textos como Coriolano e Henrique V os motivavam a resistir.

O trecho favorito de Mandela era a citação de Júlio César que proclama: "Os covardes morrem muitas vezes antes da sua morte. O valente só prova a morte uma única vez." Mandela compreendia profundamente a coragem expressa nessa passagem, uma coragem que sempre impulsionou sua luta, levando-o a arriscar a vida ao proferir discursos históricos no banco dos réus. A verdadeira liderança, segundo Mandela, é caracterizada pela coragem e justiça, valores que moldaram sua própria personalidade. Na década de 1970, especialmente após o massacre policial no Levante de Soweto em 16 de junho de 1976, quando mais de 500 estudantes negros foram mortos pela polícia durante protestos contra a imposição do Afrikaans em sua grade curricular, Mandela tornou-se um ícone, apesar das tentativas do regime de silenciá-lo. Suas palavras poderosas aos prisioneiros, apesar dos esforços das autoridades para suprimi-las, influenciaram significativamente toda uma geração de novos líderes.

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Após o levante de Soweto, as pressões da comunidade internacional intensificaram-se, resultando em rigorosas sanções econômicas contra a África do Sul, forçando o governo a reavaliar sua política segregacionista. Em março de 1982, após 18 anos de confinamento em Robben Island, Mandela foi transferido para a prisão de Pollsmoor, localizada nas proximidades. Juntamente com ele, outros líderes do CNA condenados no julgamento de Rivonia, como Walter Sisulu, Andrew Mlangeni, Ahmed Kathrada (de origem indiana) e Raymond Mhlaba, também foram transferidos. Essa decisão, possivelmente tomada para neutralizar a influência que Mandela e esses líderes exerciam sobre uma nova geração de ativistas antiapartheid em Robben Island, foi apresentada pelas autoridades como uma medida para iniciar o contato entre Mandela, a liderança do CNA e o governo sul-africano, conforme a versão do partido Nacional, responsável pela instituição do apartheid em 1948.

Efetivamente, algumas negociações incipientes surgiram indicando que, sob a pressão das sanções econômicas e dos ataques do MK, Pretória estava começando a ceder. Em 1985, o presidente P.W. Botha propôs libertar Mandela, contanto que ele persuadisse o MK a interromper a luta armada. Muitos ministros do Partido Nacional aconselharam Botha a não oferecer essas condições, cientes de que Mandela não renunciaria à luta armada em troca de benefícios pessoais. E estavam certos. O líder negro recusou a oferta, declarando em um comunicado transmitido ao mundo exterior por meio de sua filha Zinzi que apenas um homem livre pode negociar, enquanto um prisioneiro não pode firmar contratos. A partir desse momento, a dinâmica se inverteu, com o Partido Nacional buscando Mandela.

Em 11 de fevereiro de 1990, Nelson Mandela foi libertado.
O então presidente da África do Sul, Frederik W De Klerk, posa com Nelson Mandela na residência do governo da cidade do Cabo, em 09 de fevereiro de 1990, dois dias antes da libertação de Mandela.

O primeiro encontro informal entre o líder negro e a administração Botha ocorreu enquanto o líder antiapartheid se recuperava de uma cirurgia de próstata no Volks Hospital, na Cidade do Cabo. Nessa época, o slogan "Free Mandela, Liberte Mandela" ecoava pelo Ocidente. O vice-ministro da Defesa, Kobie Coetsse, visitou Mandela no hospital, iniciando uma série de encontros ao longo dos quatro anos seguintes. Embora esses contatos tenham preparado o terreno para futuras negociações, houve pouco progresso. Por outro lado, as restrições ao prisioneiro foram diminuindo gradualmente. Em 1988, Mandela foi transferido para a prisão Victor Werster, onde permaneceu até sua libertação. Nessa nova prisão, Mandela podia receber visitas, o que facilitou suas articulações com a liderança negra. No entanto, ele persistia em se recusar a negociar com o governo enquanto ainda era prisioneiro. O fim de seu sofrimento começou a se vislumbrar em 1989, quando o presidente Pieter Botha, apelidado por seus colegas de O Grande Crocodilo, sofreu um derrame e foi substituído por Frederik Willem de Klerk. Em fevereiro de 1990, De Klerk anunciou o fim do apartheid e a libertação de Nelson Mandela.

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