O poder tende a ser despótico por sua própria natureza, ameaçando constantemente não apenas a liberdade daqueles que compartilham a vida em uma sociedade, mas também o próprio andamento do Estado. – Montesquieu
Foto: Reprodução/Jusbrasil |
Política- Na sua obra "Do
Espírito das Leis", divulgada inicialmente em 1748, Montesquieu elaborou
uma teoria crucial sobre a divisão dos poderes, tornando-se uma contribuição
significativa para a ciência política moderna. Ele expressou uma séria inquietação
em relação à liberdade dos cidadãos, argumentando que, para assegurar essa
liberdade, o governo deveria estar sujeito às mesmas leis que os demais
cidadãos.
Para possibilitar tal cenário, o papel específico atribuído
ao poder judiciário seria estritamente o de aplicar as normas. Segundo a teoria
de Montesquieu, permitir ao juiz ultrapassar essa função o colocaria acima da
lei, comprometendo a liberdade. Contrariamente, Alexis de Tocqueville
argumentava que a liberdade só é verdadeiramente assegurada quando o juiz
desempenha um papel que transcende a simples aplicação da lei, tornando-se,
assim, eminentemente político. De acordo com Tocqueville, cabe ao juiz garantir
a liberdade do cidadão diante de possíveis excessos do legislador que poderiam
ameaçar os direitos individuais, um perigo peculiar no contexto democrático,
segundo suas ideias.
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A discrepância nas interpretações desses autores
representa, de maneira resumida, o cerne do debate sobre a função que o poder
judiciário deve desempenhar nas democracias modernas. A sutil fronteira entre a
esfera política e o domínio jurídico se destaca de forma ainda mais acentuada
nesse embate. A estrutura do sistema legal se revela como uma representação não
apenas da ordem jurídica, mas também da vida política e da essência da
democracia.
Os Primórdios do Poder Judiciário
Conforme Montesquieu (1973, p. 155, grifo no original), a
palavra "liberdade" é notável por suas diversas interpretações e
impactos nos espíritos. Em sua obra "Do Espírito das Leis", ele
destaca a importância da liberdade, sendo um ponto relevante que se relaciona
diretamente com sua visão sobre a separação dos poderes. Como examinaremos
adiante, Montesquieu concebeu a separação dos poderes, em parte, como uma
medida para garantir a liberdade daqueles que vivem sob a influência de um
Estado.
De acordo com o autor, para que a liberdade prevaleça na
esfera política, é essencial que os detentores do poder estejam sujeitos às
leis, assim como os demais cidadãos. No início do capítulo 1 do livro 11, que
aborda as leis que moldam a liberdade política em relação à Constituição,
Montesquieu (1973, p. 156) aborda o conceito de liberdade e delineia seu
significado político. Ele afirma que a liberdade é o direito de realizar tudo o
que as leis permitem. Se um cidadão pudesse realizar tudo o que as leis proíbem,
perderia sua liberdade, pois os outros também teriam tal poder.
Para Montesquieu, a governança baseada nas leis é aquela na
qual a liberdade encontra espaço. Dessa forma, um dos principais desafios
teóricos que o autor encara é conceber um estado no qual tanto os cidadãos
quanto, especialmente, os governantes não possam se colocar acima da lei,
agindo conforme sua vontade e ameaçando a liberdade alheia. A conexão que
Montesquieu estabelece entre o desenvolvimento do governo regido pelas leis e a
liberdade dos cidadãos é clara em sua análise das formas de governo, que, segundo
ele, se dividem em três tipos: republicano, monárquico e despótico. Cada um é
interpretado por Montesquieu com base em sua natureza e no princípio que o deve
governar.
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A essência do governo reside naquilo que o caracteriza.
Montesquieu, dessa maneira, formula definições governamentais considerando quem
detém o poder. Nessa perspectiva, o autor argumenta que um governo republicano
é aquele no qual o povo, em sua totalidade ou apenas uma parte, detém o poder
soberano. A monarquia, por sua vez, é caracterizada por um único governante,
sujeito a leis fixas e estabelecidas. Já no governo despótico, uma única pessoa
age sem obedecer às leis ou regras, conduzindo tudo de acordo com sua vontade e
caprichos (Montesquieu, 1973, p. 39).
De forma resumida, no governo republicano, todos são
tratados como iguais, e o poder é exercido por cidadãos comuns, ao passo que no
governo monárquico há uma distinção de classes, envolvendo também um corpo de
nobres, conforme apontado por Montesquieu (1973). Segundo o autor, a diferença
na natureza dos governos influencia o princípio que os deve guiar, alinhando-se
à natureza específica de cada tipo de governo. Este princípio deve refletir a
essência comum, e o exercício desse poder é crucial. Em uma república,
Montesquieu argumenta que o Estado funciona bem quando governado pelo princípio
da virtude. Em uma democracia, a virtude está alinhada à natureza do governo,
uma vez que aqueles que estabelecem as leis também estão sujeitos a elas. No
entanto, na ausência de virtude, a república pode transformar-se em tirania.
Iguais perante a lei |
A presença da virtude é crucial para evitar que a república
sucumba diante dos interesses egoístas dos cidadãos legisladores. Essa dinâmica
se repete em uma república onde apenas uma parte do povo exerce o governo, ou
seja, na aristocracia. No entanto, nesse contexto, o princípio da virtude deve
estar entrelaçado com a noção de moderação, pois a responsabilidade pela
virtude recai mais sobre os aristocratas do que sobre a população em geral. O
funcionamento desse princípio ocorre quando os nobres se enxergam como iguais
aos demais ou, ainda, quando se veem como iguais entre si, resultando em um
estado de moderação.
Portanto, a essência da aristocracia seria a moderação, mas
não uma moderação qualquer, e sim aquela fundamentada na virtude, não aquela
derivada de uma covardia e indolência da alma (Montesquieu, 1973, p. 51). No
que diz respeito à monarquia, Montesquieu argumenta que ela deveria ser regida
pelo princípio da honra. Enquanto a ambição poderia representar uma ameaça à
república, ela pode ser benéfica no contexto monárquico, pois a honra
impulsiona todas as partes do corpo político. Ao conectá-las por sua própria
ação, a honra orienta cada um na direção do bem comum, motivando-os a acreditar
que avançar para seus interesses individuais contribuirá para esse bem comum.
Assim como a virtude serve à república e assegura seu adequado funcionamento, a
honra é fundamental para o bom desempenho da monarquia.
Por outro lado, o governo despótico se fundamenta no
princípio do medo. Conforme a perspectiva de Montesquieu, neste tipo de
governo, a virtude torna-se dispensável e a honra perigosa. Isso ocorre porque
o príncipe confere o poder apenas àqueles em quem confia, e é o medo que
assegura a ausência de revoluções e o adequado funcionamento do governo
despótico. Sem leis que orientem a vida, resta apenas o arbítrio. Montesquieu
(1973, p. 55) destaca que os princípios dos governos não descrevem simplesmente
um estado de coisas, mas representam ideias normativas. Portanto, os governos
devem conformar-se a esses princípios para funcionarem eficientemente. Esses
são os princípios dos três tipos de governo, não indicando necessariamente que
em uma república específica as pessoas sejam virtuosas, mas sim que deveriam
ser. Da mesma forma, isso não comprova que em uma monarquia determinada exista
a honra ou que em um estado despótico predomine o medo, mas sim que a honra e o
medo deveriam existir para que o governo fosse completo.
Com base na análise de Montesquieu (1973), é possível
inferir que a liberdade subsiste nos governos monárquicos e republicanos, pois
ambos são regidos por normas externas que compelem os governantes a agirem
conforme leis estabelecidas pela sociedade, e não de acordo com suas vontades
individuais. Assim, tanto em monarquias quanto em repúblicas, os governados não
ficariam sujeitos aos desejos arbitrários do governante. Para entender a
relação entre liberdade e a necessidade de um governo sujeito às leis, é crucial
explorar outra teoria de Montesquieu (1973), que destaca a ideia de que o
poder, por sua própria natureza, é incapaz de impor limites a si mesmo. Essa
percepção é talvez a contribuição mais significativa de Montesquieu para a
teoria política moderna, pois ele argumenta que o poder, pela sua própria
natureza, tende a assumir características despóticas, ameaçando constantemente
não apenas a liberdade dos membros de uma sociedade, mas também o bom
funcionamento do Estado como um todo.
É relevante destacar o conceito de moderação, elemento
crucial na obra de Montesquieu. De acordo com Albuquerque (2006, p. 114), em
sua análise de "Do Espírito das Leis", a moderação é o fator
determinante para o funcionamento estável dos governos. Quando a política não
consegue moderar a vida social e os conflitos reais decorrentes dela, a
estabilidade governamental torna-se inviável. Nesse contexto, grande parte do
escopo da ciência política visa encontrar mecanismos concretos que possibilitem
a moderação das forças presentes na vida social no âmbito político. Esse
processo, por sua vez, gera estabilidade, contrapondo-se à ocorrência de
guerras. Em resumo, a estabilidade do governo advém de sua capacidade de
facilitar a moderação entre as forças sociais, impedindo a eclosão de
conflitos.
Segundo Montesquieu, a inclinação despótica do poder deve
encontrar obstáculos externos para garantir a existência da liberdade. Se isso
não for viável, a liberdade não será assegurada. Dado que o poder não tem a
capacidade de impor limites a si mesmo, a conformidade com as leis por parte
dos detentores do poder só ocorre quando há a presença de múltiplos centros de
poder. Para evitar abusos, é essencial que, pela estrutura intrínseca das
instituições, um poder sirva de freio para o outro. A constituição deve ser
formulada de modo que ninguém seja compelido a realizar ações além das exigidas
pela lei, nem impedido de fazer aquilo que a lei permite (Montesquieu, 1973, p.
156).
A conexão entre a separação dos poderes e a liberdade
torna-se clara para Montesquieu. A liberdade, segundo ele, apenas se
materializa na presença de leis, e para que essas leis prevaleçam, é imperativo
que um poder seja capaz de restringir o outro, assegurando que todos estejam
sujeitos a essas normas. Somente dessa maneira o cidadão pode verdadeiramente
exercer sua liberdade. A liberdade política no cidadão, conforme Montesquieu
(1973, p. 157), é a tranquilidade de espírito que decorre da confiança na sua
segurança. Para alcançar essa liberdade, é necessário que o governo seja
estruturado de modo que um cidadão não tenha motivo para temer outro cidadão.
Assim, Montesquieu propôs a divisão dos poderes como meio
de assegurar a liberdade dos cidadãos. O cerne da obra de Montesquieu reside na
necessidade de estabelecer um governo baseado em leis, no qual todos são
compelidos a agir de acordo com acordos coletivos, e ninguém deve sujeitar-se à
vontade tirânica de outros. No entanto, para concretizar essa visão,
Montesquieu argumenta que os poderes devem ter uma organização específica.
Buscando garantir a obediência às leis, é a própria legislação que orienta como
os poderes devem ser fragmentados, delineando suas funções. Montesquieu utiliza
o Estado inglês como referência para afirmar a existência de três categorias de
poder. O Legislativo, onde o príncipe ou magistrado cria leis por determinado
tempo ou indefinidamente, e revê ou revoga as já existentes. O Executivo,
responsável por conduzir a paz e a guerra, enviar ou receber embaixadas,
assegurar a segurança e prevenir invasões. Por fim, o Poder de Julgar,
encarregado de punir crimes ou resolver disputas entre indivíduos (Montesquieu,
1973, p. 157).
Montesquieu destaca a importância de evitar a fusão das
funções específicas de cada poder, pois a concentração dessas funções nas mãos
de uma única pessoa seria a encarnação da tirania. Quando o poder legislativo e
o poder executivo são unidos na mesma pessoa ou no mesmo órgão de magistrados,
a liberdade é comprometida. Há o temor de que um monarca ou um senado
estabeleça leis tirânicas para executá-las de forma despotista. A liberdade
também fica comprometida se o poder de julgar não estiver separado do legislativo
e do executivo. Se ligado ao legislativo, o controle sobre a vida e a liberdade
dos cidadãos se torna arbitrário, pois o juiz assume o papel de legislador. Se
vinculado ao executivo, o juiz pode agir com a força de um opressor. Tudo
estaria em risco se a mesma pessoa ou o mesmo corpo de líderes, nobres ou povo
exercerem os três poderes - fazer leis, executar decisões públicas e julgar
crimes ou disputas individuais.
Uma das contribuições fundamentais da teoria de Montesquieu
foi separar o poder judiciário dos demais poderes. Anteriormente considerado
uma parte do poder executivo, Montesquieu conferiu grande importância ao poder
de julgar, visto por ele como uma função delicada por lidar diretamente com
indivíduos, não sendo meramente a expressão da vontade geral do Estado ou a
execução dessa vontade. Ao introduzir o poder judiciário, o autor destaca
considerações importantes sobre sua estrutura. Uma das ideias menos exploradas
e notáveis é a proposta de que o ato de julgar não deveria se transformar em
uma profissão, nem mesmo ser uma atividade exercida por um corpo permanente. O
poder de julgar não deveria ser confiado a um senado fixo, mas ser exercido por
indivíduos selecionados do corpo da população durante um período determinado do
ano, conforme estipulado por lei, para formar um tribunal que durasse apenas o
tempo necessário. Desta forma, o poder de julgar, sendo uma faculdade tão
impactante entre os seres humanos, desvinculado de uma posição ou profissão
específica, torna-se, por assim dizer, invisível e neutro. Não se teria juízes
constantemente presentes, e o temor recairia sobre a magistratura como
instituição, não sobre os magistrados individualmente (Montesquieu, 1973, p.
157).
Montesquieu sustenta que a liberdade dos cidadãos não apenas requer a divisão dos poderes, mas também a observância estrita de suas funções específicas. No contexto do poder judiciário, isso implica em aplicar a lei e nada mais. Caso contrário, a sociedade não estaria sujeita à arbitrariedade do monarca, mas sim à do juiz.
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