Guerra às Drogas na Bahia: Violência Crescente, Soluções Urgentes

A estratégia de combate às drogas é apontada por especialistas como a principal razão para o aumento da violência na Bahia.

Escalada da violência na Bahia
Escalada da violência na Bahia - Foto: Metrópoles

Segurança- Especialistas argumentam que é fundamental reavaliar o atual modelo, destacando a importância de reforçar iniciativas de inteligência para prevenir crimes. Além disso, enfatizam a necessidade de coordenar políticas públicas que melhorem a qualidade de vida, oferecendo maior acesso à educação e cultura, como meio de dissuadir a adesão ao crime organizado.

No mês de setembro, aproximadamente 60 indivíduos perderam suas vidas em confrontos com as forças de segurança, principalmente ocorrendo nos subúrbios de Salvador. Entre os afetados, lamenta-se a perda de um agente da polícia federal.

Dudu Ribeiro, diretor-executivo da organização não governamental Iniciativa Negra e coordenador da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, informou à Agência Brasil que nos últimos anos ocorreu uma reorganização territorial e geopolítica das organizações criminosas já estabelecidas no estado, ainda que de maneira dispersa.

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O movimento desencadeou uma luta pelo controle de territórios, agravada pela migração das principais facções criminosas do Sudeste, que estabeleceram parcerias com grupos locais, resultando em novos conflitos.

"Vários fatores contribuem para o cenário atual na Bahia. Um deles está relacionado à reestruturação territorial e geopolítica das organizações criminosas envolvidas no tráfico de armas e drogas, amplificada pela persistência do estado brasileiro na abordagem de guerra contra as drogas. Isso afeta e, de certa forma, fortalece essas organizações, pois sua influência está diretamente ligada à capacidade de recrutar mais membros, algo facilitado pelo alto índice de encarceramento promovido pelo sistema penal", explicou.

Ribeiro, com expertise em Gestão Estratégica de Políticas Públicas pela Unicamp e atualmente integrante do Conselho de Segurança Pública do estado, explicou que para enfrentar essa situação, o governo estadual adotou um modelo de segurança com uma abordagem mais voltada para o aspecto "militar", com a ampliação dos batalhões especializados da polícia militar.

Por serem orientados para enfrentamentos, esses métodos acabam resultando em fatalidades. O conselheiro argumenta que é crucial abandonar a premissa de que a segurança pode ser alcançada através de medidas mais agressivas.

"Há uma persistência nessa concepção de que a segurança pública demanda a aplicação de violência, chegando ao ponto de considerar possível combinar letalidade e eficácia na mesma abordagem", expressou Ribeiro. Ele também critica a restrição do debate sobre segurança pública aos órgãos e agentes de segurança.

"É problemático que a discussão sobre segurança pública permaneça predominantemente sob a responsabilidade das forças policiais, sem considerarmos o papel das outras pastas na garantia da segurança para os cidadãos. Devemos refletir sobre a contribuição da educação, cultura e direitos humanos nesse contexto", enfatizou. Esse enfoque reforça a influência militar, o que, inevitavelmente, enfraquece o poder civil, prejudica a democracia e responde à violência com uma abordagem mais violenta, perpetuando um ciclo sem fim. Como resultado, observamos o fortalecimento das organizações envolvidas com tráfico de drogas e armamentos", destacou.

"Estamos diante não de uma crise gerencial, mas de uma crise no modelo que se concentra na abordagem militarizada, pois a Polícia Militar é, por natureza constitucional, um instrumento de guerra e uma força complementar ao Exército. É fundamental repensar a segurança pública a longo prazo, deslocando o militarismo do foco central e colocando a prevenção, através da ampliação do acesso aos direitos, como peça-chave na estratégia de promover segurança para a população", defendeu.

Para Ribeiro, a guerra contra as drogas no Brasil acaba sendo uma justificativa política para manter a opressão racial sobre a comunidade negra. Ele sustenta que a falta de políticas públicas, como educação, saúde, cultura e saneamento, favorece a infiltração dessas facções nas áreas periféricas, que são estigmatizadas como violentas, facilitando a adesão de indivíduos aos grupos criminosos.

Outro aspecto abordado é como esse cenário resulta na estigmatização dos habitantes dessas regiões. Segundo Ribeiro, as pessoas que residem nesses locais não são naturalmente violentas, mas foram submetidas à violência devido à negligência estatal.

Facções rivais disputam o tráfico de drogas - Vídeo: Jornal da Record 

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Disputa entre facções

Conforme afirmado por Luís Flávio Sapori, professor do curso de Ciências Sociais da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública (Cepesp/PUC Minas), a disputa entre facções, combinada à abordagem de segurança focada em confrontos, leva a uma busca por armamentos mais poderosos.

Isso fica evidente na quantidade de fuzis apreendidos este ano na Bahia. De janeiro a setembro, as forças de segurança confiscaram 48 armas desse tipo.

"As provas indicam de forma clara um preocupante poderio bélico armamentista. Armas de grande calibre, como fuzis, estão se infiltrando de alguma forma e se difundindo entre os grupos de traficantes de várias cidades baianas, incluindo Salvador e sua região metropolitana. Isso agrava a violência e aumenta a probabilidade de desfechos letais nos conflitos", explicou Sapori à Agência Brasil.

"Esses grupos criminosos estão em um período de afirmação de poder e expansão do controle territorial. Este é o principal motivo pelo qual quase metade das 10 cidades com mais mortes violentas no Brasil hoje, em termos de homicídios, está localizada no estado da Bahia. Portanto, isso não é uma coincidência", ressaltou.

Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e autor de pesquisas sobre segurança pública, Sapori já ocupou o cargo de secretário-adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais de janeiro de 2003 a junho de 2007. Ele também critica o modelo de guerra às drogas na segurança, afirmando que tal modelo resulta em mais mortes, sem realmente garantir a segurança da população.

O professor enfatiza que isso se reflete no fato de a polícia da Bahia ter se tornado a mais letal do país. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que, em 2022, houve 1.464 mortes resultantes de intervenções policiais no estado.

"Infelizmente, em 2022, a Bahia consolidou-se como o estado brasileiro com o maior número de vítimas fatais em ações policiais. Isso é alarmante, indicando que a atuação da polícia no estado está majoritariamente baseada no confronto, na abordagem de guerra contra o crime, seguindo o modelo do estado do Rio de Janeiro, que claramente é marcado pelo fracasso", afirmou.

"A estratégia de guerra contra o crime tem sido implementada no Rio há quase 40 anos, resultando em vítimas entre criminosos, moradores e policiais. Ou seja, só temos perdas, sem ganhos. Há uma ineficácia evidente nesse modelo de guerra contra o crime e, lamentavelmente, tudo indica que a polícia do estado da Bahia adotou esse modelo há alguns anos, o que não é positivo", observou.

A elevada letalidade da polícia baiana levou a Anistia Internacional Brasil a emitir um comunicado criticando o governo da Bahia pelas mortes ocorridas durante confrontos com a polícia. Segundo a organização, entre 28 de julho e 27 de setembro, pelo menos 83 pessoas faleceram em operações policiais no estado.

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"A elite política do Estado, incluindo deputados, governador, Judiciário, Ministério Público e a sociedade civil em geral, não pode concordar com isso, pois uma polícia mais letal não é uma polícia mais eficaz. Matar criminosos não reduz a violência, e isso já foi cientificamente comprovado. Pelo contrário, quanto mais letal é a polícia no enfrentamento ao tráfico de drogas, mais ela alimenta a violência na sociedade, a violência do próprio tráfico de drogas. A violência de um lado gera uma reação violenta do outro lado, criando um ciclo vicioso perverso, prejudicando principalmente a população residente nas periferias das cidades", alertou Sapori.

A alta letalidade da polícia baiana foi discutida no Conselho Estadual de Proteção aos Direitos Humanos, que decidiu organizar, em conjunto com o Ministério Público da Bahia e a Defensoria Pública estadual, uma audiência pública em 2 de outubro para debater as políticas públicas de redução da letalidade policial no estado. O debate visa subsidiar a elaboração de um plano estadual para a diminuição das mortes em decorrência de intervenção policial.

Para Ribeiro, essa letalidade pode ser explicada, em parte, pela falta de responsabilização dos agentes envolvidos e também pela concordância do comando da Polícia Militar e do governador do estado, Jerônimo Rodrigues, ao considerarem como eficazes operações que resultam em um grande número de vítimas.

"Quando o comandante da polícia declara, após uma operação com 15 mortes causadas pela própria instituição, com pouca quantidade de drogas e algumas armas apreendidas, que a operação foi eficaz e eficiente, isso envia uma mensagem para a tropa. A baixa responsabilização, inclusive, dos agentes envolvidos em casos de letalidade, é outra mensagem para a tropa. A falta de controle externo, que deveria ser realizado pelo Ministério Público, é outra mensagem para a tropa indicando que a responsabilização não ocorrerá. Assim, a produção de mais mortes, na maioria das vezes, conta com a aprovação dos comandos civil e militar da polícia", afirmou.

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Solução para o problema

Conforme avaliação dos especialistas, a solução eficaz para a problemática da segurança pública reside em deslocar o enfoque do modelo de "olho por olho, dente por dente" e da estratégia de guerra contra o crime, direcionando as ações para o trabalho de inteligência e prevenção.

Sapori sugere a criação de uma força-tarefa envolvendo as polícias Militar, Civil, Federal e Rodoviária, além do sistema prisional e do Ministério Público. O objetivo seria identificar a estrutura e as principais lideranças das facções envolvidas nos confrontos, a origem das armas utilizadas e as áreas mais afetadas pela violência.

"Propomos uma operação de repressão focalizada, com prisões direcionadas às lideranças-chave, interrompendo o fluxo dessas armas de fogo e rastreando a logística que abastece essas facções com armamentos de grande calibre", explicou.

"É crucial interromper esse fluxo de armas, e isso só pode ser alcançado por meio do trabalho de inteligência. Mais do que nunca, é fundamental um esforço coletivo envolvendo a integração das forças policiais estaduais e federais, Ministério Público e sistema prisional. É indispensável intensificar o trabalho de inteligência para enfrentar essa crise tão séria", acrescentou o professor.

Em agosto, foi firmado um acordo entre a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) e a Polícia Federal para criar a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado, envolvendo os governos estadual e federal. O acordo tem validade de dois anos, podendo ser prorrogado por igual período. Cerca de 400 agentes fazem parte dessa força-tarefa no estado.

Uma das operações conduzidas pela força-tarefa, em 15 de setembro, ocorreu no bairro de Valéria, em Salvador, resultando em cinco fatalidades, incluindo o policial federal Lucas Caribé. Ao todo, nove suspeitos de integrar a organização criminosa envolvida nos confrontos com os policiais foram mortos.

Câmeras nas fardas resolve?

Ribeiro mencionou que a complexidade da violência na Bahia demanda a implementação de ações em curto, médio e longo prazo. Uma medida de curto prazo, segundo ele, já está em andamento: a introdução de câmeras nas fardas dos policiais.

"Isso aborda um dos problemas, que é a violência policial, e também melhora a obtenção de evidências por meio do registro seguro em possíveis processos criminais. Embora não resolva totalmente o problema que enfrentamos, é uma parte da solução", salientou.

Ele defende um maior investimento na produção e transparência dos dados relacionados à segurança pública. "A Bahia é conhecida por sua produção precária de dados nesse campo e falta de transparência, o que compromete as políticas públicas. Se não temos uma visão clara do cenário que queremos abordar, acabamos tomando decisões de gestão inadequadas."

Ribeiro enfatizou a necessidade de um diálogo mais amplo entre o poder público e a sociedade civil na busca por soluções, criticando a baixa representatividade no conselho estadual, que conta apenas com duas vagas para a sociedade civil, uma das quais está vaga.

Para ele, essa representatividade limitada reforça a ideia de que o debate sobre segurança pública deve ser restrito às forças de segurança, pois além dos representantes da Secretaria de Segurança Pública, o colegiado inclui representantes das polícias civil, militar, técnica, e apenas duas vagas para entidades de profissionais de segurança pública.

"Estamos pressionando para aumentar a participação da sociedade civil e transformar o conselho no que ele poderia ser, um espaço de diálogo inter-setorial, e não apenas um lugar com diversas representações das categorias policiais."

Ribeiro citou um exemplo da falta de dados e debate com a sociedade: a decisão do governo estadual de implementar um sistema de câmeras de reconhecimento facial em 78 das 417 cidades do estado. O investimento previsto para o programa é de mais de R$ 660 milhões, a serem desembolsados até julho de 2026. No entanto, segundo Ribeiro, isso exemplifica uma má gestão, uma vez que até o momento, o sistema resultou na prisão de 1.028 pessoas, a maioria por crimes de menor gravidade.

"Muitas dessas pessoas têm mandados de prisão em aberto, mas por crimes que não são considerados graves. Portanto, isso não tem impacto significativo na redução dos índices. É um montante considerável de recursos sendo investido, mas com capacidade limitada de influenciar e verdadeiramente reduzir a violência", frisou.

Desafio nacional

A situação desafiadora da segurança pública na Bahia foi destacada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Flávio Dino, como um dos maiores problemas enfrentados no Brasil. No entanto, ele descartou a possibilidade de uma intervenção federal no estado baiano.

Para Ribeiro, uma intervenção federal não representa a solução adequada. "Já tivemos essa experiência no Rio de Janeiro e não se mostrou eficaz para a segurança pública. Isso consome o orçamento público, fortalece as forças militares, resulta em maior letalidade e não resolve os problemas. O Rio de Janeiro não apresentou melhorias após a intervenção militar, muito pelo contrário", afirmou.

Ribeiro também enfatizou a responsabilidade dos meios de comunicação na lógica de militarização, focando demasiadamente na polícia militar. Ele defende a necessidade de uma mudança nessa perspectiva, representando um grande desafio em nível nacional.

"Não acredito que a Bahia, por si só, consiga encontrar uma solução, pois as organizações ligadas ao tráfico de drogas e armas operam de maneira transnacional. Portanto, é impossível para um único estado resolver esse problema", acrescentou.

De acordo com o ministro, o estado pode contribuir para aprimorar a produção e transparência de dados, fortalecendo a Polícia Judiciária e o departamento de polícia técnica para obter soluções mais eficazes para crimes contra a vida. Isso pode ajudar a reduzir a letalidade resultante da atuação do estado e expandir a concepção de segurança pública, a fim de minimizar a ênfase no militarismo.

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Opinião do Michel

Caro leitor,

A situação de segurança pública na Bahia é um problema complexo e desafiador que demanda nossa atenção imediata e estratégica. Especialistas têm destacado que a atual política de "guerra às drogas" é uma das principais razões para o aumento da violência no estado. É hora de reavaliar esse modelo e adotar abordagens mais inteligentes e preventivas.

A estratégia de combate às drogas tem se mostrado ineficaz, levando a mais violência e perda de vidas, sem garantir a segurança da população. A abordagem militarizada predominante, focada em confrontos, está resultando em um maior número de armas poderosas nas mãos de facções criminosas. Precisamos mudar esse paradigma.

É vital repensar a segurança pública a longo prazo, deslocando o militarismo do foco central. Devemos priorizar a prevenção e ampliar o acesso aos direitos básicos, como educação, saúde e cultura. Essas ações são fundamentais para diluir a centralidade do militarismo e promover a segurança efetiva para todos os cidadãos.

A recente implementação de câmeras nas fardas dos policiais é um passo na direção certa para abordar a violência policial e garantir evidências seguras em processos criminais. No entanto, é apenas uma parte da solução. Precisamos investir mais na produção e transparência de dados para fundamentar políticas públicas mais eficazes.

Além disso, é imperativo abrir um diálogo mais amplo e inclusivo sobre segurança pública, envolvendo não apenas as forças policiais, mas também outras esferas da sociedade. A representatividade nos conselhos e órgãos de decisão deve ser ampliada para refletir verdadeiramente a diversidade de nossa sociedade.

A recente criação da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado é um passo positivo, mas é apenas o começo. Devemos continuar buscando soluções colaborativas e integradas, envolvendo as diversas forças policiais, o sistema prisional, o Ministério Público e a sociedade civil.

Em última análise, a segurança pública é uma responsabilidade de todos nós. É preciso unir esforços e adotar abordagens mais inteligentes, baseadas na prevenção e no fortalecimento dos direitos básicos. Somente assim conseguiremos romper com esse ciclo de violência e construir um futuro mais seguro e justo para todos na Bahia.

 

Atenciosamente,

 

Michel

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