As peculiaridades artísticas de tolstói

É impossível viver desta maneira -Impossível, impossível, impossível. Essa observação irritada e, ao mesmo tempo, angustiada é extraída de um artigo escrito por Tolstói em 1882, intitulado "Por Ocasião do Censo de Moscou".

Liev Tolstói
Liev Tolstói. Foto: Reprodução Wikipédia

Literatura- Guerra e Paz, escrito entre 1857 e 1859, é possivelmente o mais sublime monumento ao romance clássico em toda a história. Enquanto lida com o passado histórico da Rússia, Ana Karenina, de 1877, aborda, duas décadas mais tarde, o cenário privado contemporâneo do país. Ambas as obras refletem a intenção tolstoiana de cartografar, de forma histórica, sociológica e psicológica, uma Rússia cuja literatura está apenas começando a florescer. Três décadas antes e depois de um prolongado sono medieval, com Aleksandr Púshkin (1799-1837), já asseguravam o lugar de Leon Tolstói (1828-1910) entre os maiores escritores da literatura mundial.

No entanto, Tolstói também é o autor de várias novelas notáveis, como "A Morte de Ivan Illich", e de ensaios bastante singulares, como "O que é Arte?". Este último foi escrito em 1898, período em que Tolstói estava nos últimos anos de vida, imerso em uma crise religiosa. Isso o levou a se isolar em sua propriedade em Lasnáia Poliana, onde rejeitou a vida na cidade e o progresso, adotando uma espécie de anarco-sindicalismo religioso e um estilo de vida autossustentável.

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Profundamente instrutivo e reflexivo, um ensaio condensa 15 anos de pesquisa e publicações sobre o tema, explorando questões que abrangem desde o valor intrínseco e social da obra de arte até os critérios necessários para que uma produção específica seja considerada arte, sublime ou reprovável. A característica distintiva de "O que é Arte", no entanto, é seu viés moralista, que se torna cada vez mais evidente no final da vida de Tolstói. Esse moralismo se manifesta de maneira marcante, por vezes machista e até rudimentar, na novela "Sonata a Kreutzer" de 1891, que é resgatada apenas por ser lida desde sempre contra os objetivos misóginos do próprio autor. Esse aspecto se revela edificante, embora ainda ingênuo, em novelas como "Senhores e Servos" de 1895 e "Padre Sérgio" de 1899, enquanto em ensaios como "O que é Dinheiro" de 1901 e "O que é Religião" de 1902, o moralismo se apresenta de maneira semelhante, apesar das diferenças temáticas.

Em termos simples, Tolstói sustenta, reiterando isso neste texto, que a arte deve primordialmente transmitir o bem em vez de apenas exibir a beleza, principalmente porque o bem é duradouro enquanto a beleza é efêmera. Sua conclusão central é que, embora a beleza possa atrair a atenção, é a mensagem que perdura. No entanto, antes de expressar sua opinião sobre o tema, Tolstói realiza uma análise abrangente do conceito de arte, percorrendo desde os gregos e romanos até os teóricos alemães, ingleses e franceses, seus contemporâneos ou predecessores recentes.

O julgamento de Tolstói sobre os teóricos da arte não é positivo, pois, em sua visão, falta consenso entre eles sobre o significado da arte, exceto a ideia de que ela se baseia na beleza. No entanto, Tolstói destaca que a essência da beleza é interpretada de maneira variada, seja na utilidade, conveniência, simetria, proporcionalidade, harmonia das partes, unidade ou na união de todos esses princípios. Ele critica as definições clássicas de arte, desde Hegel até Nietzsche, argumentando que priorizaram o prazer ligado à beleza em detrimento de uma missão fundamentada no bem. Tolstói discorda até mesmo da ideia de ver a arte como um meio para alcançar o prazer, enfatizando que o correto seria considerá-la uma das condições essenciais para a vida humana.

Liev Tolstói
Leo Tolstoi

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Segundo Tolstói, a maioria das definições clássicas sugere que a beleza é um prazer que experimentamos e que não visa nenhuma vantagem pessoal. Para ele, essa perspectiva é demasiadamente restrita, e a arte não pode ser um fim em si mesma. Para Tolstói, os seres humanos devem compreender, amar e motivar uns aos outros, pois essa é a base essencial da cultura. Portanto, a arte, como parte dessa cultura, deveria ser considerada apenas um meio para alcançar esse objetivo mais amplo.

Num certo ponto, Tolstói chega a equiparar a necessidade da arte à alimentação fisiológica. Ele parece sugerir que, tanto na busca pelo belo quanto na alimentação, a motivação principal é o prazer. No entanto, Tolstói argumenta que apenas o selvagem seria guiado pelo prazer, enquanto o instruído seria orientado pela investigação do alimento. No entanto, essa premissa também pode estar equivocada, já que, na alimentação, o prazer é um fenômeno secundário, uma espécie de apoio ao instinto natural. Tanto o selvagem quanto o instruído são, na verdade, conduzidos pelo instinto, por uma necessidade interna desconhecida. Tolstói sugere que o mesmo pode acontecer com a arte, que, por esse motivo, permeia o domínio do sagrado. Em outras palavras, o esquimó não consome gordura por prazer, mas por necessidade, encontrando prazer nisso apenas devido à sua necessidade intrínseca. Da mesma forma, se uma criança come terra aos três anos de idade, é apenas porque necessita de ferro, mesmo sem ter consciência disso.

Se os Yanomâmis trituram os ossos de seus falecidos para ingeri-los com banana em um ritual profundamente carregado de significado religioso, isso começou principalmente devido à simples carência de cálcio. Embora os próprios Yanomâmis possam acreditar que estão venerando seus deuses ou prestando homenagem aos falecidos, inicialmente, estavam agindo egoisticamente para preservar a própria vida, consumindo os ossos dos seus entes queridos. Isso representa a conexão entre o mundano e o sagrado, frequentemente construída com os elementos da arte, pois ela é um encontro preciso, mas enigmático, entre a verdade e a beleza. Essa interseção se mistura no território sublime da sensibilidade, aproximando a arte do domínio das religiões e sua relação com o divino.

Após analisar teóricos desde Platão, que por vezes demonstra uma visão reacionária ao considerar certas formas de arte como desorientadoras e enfraquecedoras, inclusive expulsando os poetas da república ideal, Tolstói busca suas próprias definições de maneira bastante conclusiva. Assim, para ele, a arte é a atividade humana na qual uma pessoa conscientemente transmite a outros, por meio de sinais exteriores específicos, os sentimentos que experimentou, e essas outras pessoas são contagiadas por esses sentimentos, vivenciando-os também. Ele especula profundamente sobre a ponte que conecta o indivíduo ao universo, sugerindo que a atividade da arte se fundamenta no fato de que, ao receber as expressões dos sentimentos de outro ser humano pela audição ou visão, o homem é capaz de experimentar os mesmos sentimentos daquele que os expressa.

Segundo Tolstói, o verdadeiro artista teria a capacidade e, mais que isso, a responsabilidade de transmitir uma mensagem complexa da maneira mais simples possível. Entretanto, ele parece não considerar a possibilidade de que o artista essencial, talvez, não tenha o desejo de comunicar algo, mas sim de representar artisticamente por uma necessidade profunda, originada de um lugar interior. Trata-se de um fenômeno que o toca profundamente. Assim, o direito de existência da arte, para Tolstói, não deveria depender do seu efeito, mas sim da necessidade existencial da natureza humana de se expressar. Isso ocorre porque, no artista, tudo aparenta derivar de uma carência muito menos objetiva, de uma insatisfação que, em última instância, demanda subjetivamente a recriação de um mundo artístico, seja ele musical, pictórico ou poético. Este processo ocorre não porque o artista tem a intenção de atingir um universo específico, mas porque essa recriação se torna uma parte intrínseca de sua existência.

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As lições morais de Tolstói, embora envolventes, não se equiparam às suas conquistas artísticas. Apesar de sua postura nobre, baseada no amor geral pela humanidade, na piedade e na resistência ao egoísmo, os princípios cristãos um tanto diluídos, que incluem a defesa da aniquilação do capital e o fim das diferenças de classe, não são suficientes para compreender a natureza, por assim dizer, sagrada da arte. A visão de Tolstói, que preconiza uma arte fundamentada nos preceitos do amor cristão, também não seria combativa, questionadora ou provocadora. Em vez disso, aceitaria tranquilamente o status quo em prol de uma nova ordem construída de maneira gradual, passiva e apolítica, quase como uma espécie de iluminação gradual. Isso, especialmente na Rússia de Tolstói, subjugada por um czarismo absolutista que oprimia grande parte da população e, em última instância, desmoronou por causa disso. Ao buscar uma conclusão definitiva, Tolstói parece adentrar o território dos catecismos.

A missão da arte é transformar os sentimentos de fraternidade e amor ao próximo, atualmente acessíveis a apenas alguns, em algo habitual e instintivo para todos. Ao evocar tais sentimentos em cenários imaginários, a arte religiosa capacitará as pessoas a vivenciarem essas emoções na realidade, nas mesmas condições. Ela estabelecerá trilhos na alma de cada indivíduo, ao longo dos quais o comportamento, educado pela arte, fluirá naturalmente, unindo diversas pessoas em um sentimento único e eliminando as barreiras que as separam. A arte do povo educará a humanidade para a união e demonstrará, não por meio de argumentos, mas de fato, a alegria dessa união para além das barreiras impostas pela vida.

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