Perfil de Bolsonaro como Figura Neoconservadora e Neoliberal é Destacado como um Espetáculo Político

Bolsonaro, anteriormente contrário a privatizações e reforma da Previdência durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, alterou sua postura após ser eleito presidente. Durante a cúpula do G20, em junho de 2019, admitiu ter cometido um equívoco ao votar contra o projeto de FHC em 1998.

Caricatura de Jair Bolsonaro
Caricatura de Jair Bolsonaro. Crédito: De Olho nos Ruralista

Politica- Num primeiro momento, o político se autodenomina conservador, destacando valores familiares e oposição à ideologia de gênero na educação. No entanto, de acordo com as interpretações de especialistas, Jair Bolsonaro parece se alinhar mais ao neoconservadorismo. Quanto à economia, apesar de posicionamentos anteriores contrários a privatizações e reforma da Previdência, Bolsonaro, após sua eleição, adotou uma postura mais favorável ao livre mercado. Ele admitiu uma mudança de perspectiva, agora valorizando o livre comércio como chave para democracia, liberdade e prosperidade.

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Após sua eleição como Presidente da República e a apresentação da proposta de reforma da Previdência ao Congresso Nacional, Bolsonaro reconheceu ter errado ao votar contra o projeto de FHC em 1998. Esses episódios evidenciam que o político nem sempre compartilhou os mesmos princípios de seu ex-ministro da Economia, Paulo Guedes. Em uma postagem em 16 de agosto de 2018, Bolsonaro destacou a escolha do brasileiro por um presidente que combata a criminalidade, defenda o livre mercado, oponha-se à ideologia de gênero e doutrinação nas escolas, seja contra o desarmamento sem conchavos corruptos, e defenda valores como a redução da maioridade penal, honestidade, patriotismo e fé.

Apesar de Bolsonaro apresentar características que o tornariam economicamente liberal e tradicional nos costumes, acreditamos que sua abordagem é mais neoliberal na economia e neoconservadora nos valores, exigindo uma análise conceitual. Segundo Harvey (2008), o neoliberalismo surgiu como uma reestruturação pós-Segunda Guerra Mundial para evitar uma repetição das crises do capitalismo nas décadas de 1920 e 1930. Anteriormente, os Estados desempenhavam um papel ativo na política industrial, estabelecendo padrões para o salário social, mas a nova abordagem neoliberal favorece a intervenção mínima do Estado e destaca os processos de mercado. Harvey classifica esse conjunto de características como "liberalismo embutido".

Apesar de abraçar ideias de livre mercado, alinhadas ao liberalismo econômico, Jair Bolsonaro se aproxima mais da lógica neoliberal em seu discurso. Isso se deve, em parte, ao contexto pós-triunfo do neoliberalismo, destacado por Debord ao desenvolver o conceito de poder espetacular integrado. Além disso, Bolsonaro não demonstrou a flexibilidade inerente ao liberalismo, conforme definido pelo conceito de neoliberalismo. Apesar de advogar pelo livre mercado, pela mão invisível e pela mínima intervenção estatal, os autores liberais não comprometem as liberdades individuais. Uma distinção crucial do neoliberalismo é a aceitação do autoritarismo em prol da economia, o que contrasta com a postura liberal. Apesar da mudança de discurso durante a campanha eleitoral, com promessas de respeitar as regras e a Constituição, Bolsonaro posteriormente criticou a imprensa, deslegitimou as urnas eletrônicas e elogiou a ditadura militar brasileira.

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Em relação às liberdades individuais, durante sua candidatura, um então postulante vinculava escolhas pessoais, como a ideologia conservadora e a fé cristã, à ideia de ser uma pessoa de bem. Demonstrou inflexibilidade em questões de gênero, não apenas criticando as discussões, mas também quem as promovia. Em 20 de agosto, Bolsonaro compartilhou um vídeo numa igreja, revelando que sua decisão de concorrer à presidência foi motivada por observar problemas no país. Seu propósito político incluía a valorização da família, a rejeição ao comunismo e o respeito às crianças nas salas de aula. Em um momento, afirmou: "O Estado sou eu", enfatizando que, embora o Estado pudesse ser laico, ele pessoalmente se identifica como cristão. Essa postura se alinha ao lema de sua campanha: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

O então candidato, como mencionado anteriormente, expressava uma nostalgia pelos tempos da ditadura militar, revelando uma inclinação reacionária. Além disso, seu discurso destacava fortemente a questão armamentista, vinculada à ideia de militarização. Importante notar que ao abordar o direito à posse ou porte de armas para a população, o político não fundamentava a argumentação no direito individual, ao contrário do que alguns setores liberais propõem. Ele tentava associar o desarmamento ao aumento da violência, mesmo após compartilhar informações falsas sobre o estatuto do desarmamento e seu impacto nos homicídios. Em diversas publicações, como no Dia do Soldado, Bolsonaro afirmava que armas não causam violência, enquanto flores não trazem paz. Posteriormente, em setembro, ele culpou a impunidade, desarmamento, indicações políticas e corrupção pelos principais problemas do Brasil, incluindo violência, ineficiência estatal e desemprego, destacando a necessidade de desmantelar a estrutura criminosa criada pelos governos anteriores.

Bolsonaro é Crítico de Paulo Freire
Bolsonaro é Crítico de Paulo Freire. Foto: Facebook 

O discurso de Jair Bolsonaro no Facebook durante a campanha eleitoral foi espetacular em vários aspectos, especialmente ao prevalecer a ideologia neoliberal, conforme destacado por Debord. O autor, ao abordar a sociedade do espetáculo em 1988, ressalta a economia abundante como a raiz desse espetáculo, caracterizando-o como o domínio autocrático da economia mercantil, elevado a um estatuto de soberania irresponsável. Bolsonaro procurou se apresentar como uma figura nova, alheia à necessidade de alianças partidárias, enfatizando sua capacidade de nomear especialistas para cada ministério na esfera econômica. A aceleração da inovação tecnológica, inerente à sociedade capitalista, fortalece ainda mais a autoridade espetacular, submetendo cada indivíduo aos cálculos e julgamentos dos especialistas. A fusão entre a economia e o Estado, segundo Debord, configura-se como o motor do desenvolvimento econômico recente, com uma aliança defensiva e ofensiva que garante benefícios mútuos em todas as áreas, criando uma interdependência entre ambos.

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A jovem democracia brasileira enfrentou um desafio crucial, pois o candidato que criticava fortemente o viés ideológico acabou aparelhando o Estado em benefício próprio e de sua família. Internacionalmente, alinhou-se a líderes negacionistas na abordagem da pandemia, que por diversas vezes minimizou, inclusive referindo-se a ela como "gripezinha". Com a ausência de um plano federal, a responsabilidade recaiu sobre estados e municípios. O Sistema Único de Saúde (SUS) provou sua eficácia, superando propagandas enganosas sobre vacinas contra a Covid-19. Enquanto ex-ministros da saúde, como Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, advogavam pelo isolamento social, especialmente Mandetta, alinhando-se a outros governos democráticos e à Organização Mundial da Saúde, Bolsonaro insistia na reabertura prematura da economia, resultando na demissão de Mandetta em abril de 2020, após claras discordâncias. O presidente já havia ameaçado usar sua caneta contra membros do governo que estavam se sobrepondo. No dia 24 do mesmo mês, o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Senador Sergio Moro, comunicava sua saída do cargo.

Moro expôs uma troca de mensagens com Bolsonaro, revelando que o presidente buscava substituir a direção da Polícia Federal, principalmente devido ao inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF), que tinha como alvo deputados bolsonaristas. O ex-juiz e ex-ministro divulgou à imprensa a conversa por aplicativo na qual Bolsonaro compartilha uma matéria do site O Antagonista intitulada "PF, na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas". Em seguida, Bolsonaro menciona outro motivo para a substituição, referindo-se à saída de Valeixo. O presidente enfrentou dezenas de pedidos de impeachment por diversos crimes de responsabilidade, incluindo a postagem de conteúdo pornográfico no Carnaval de 2018, celebração do golpe militar de 1964, declaração de fraude nas eleições de 2018, ofensas sexuais a uma repórter, apoio a manifestações com ataques ao Congresso e ao STF em 2019 e 2021, inclusive com pedidos de fechamento dessas instituições. Vale destacar que, em março de 2019, quando ocorreram essas manifestações, já vigorava a orientação de isolamento social devido à pandemia, mas Bolsonaro participou, interagindo com manifestantes. Além disso, houve alegações de interferência direta do presidente na Polícia Federal, que investigava possíveis crimes envolvendo seus filhos, e suspeitas de falsificação ideológica ao incluir a assinatura de Moro em documento de exoneração de Valeixo da Direção da Polícia Federal.

Bolsonaro ensina como pedir propina/Assista ao vídeo 

Vídeo- Tv Cultura

O artigo 4º da Lei 1079 de 1950 estipula que são considerados crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal, em especial, os que prejudicam:

·      1. A existência da União.

·      2. O livre exercício do poder legislativo, judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados.

·      3. O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais.

·      4. A segurança interna do país.

·      5. A probidade na administração.

·      6. A lei orçamentária.

·      7. A guarda e o correto uso dos recursos públicos.

·      8. O cumprimento das decisões judiciárias.

(Constituição, artigo 89. Brasil, 1950).

A contradição em seu discurso é clara, especialmente no que diz respeito à Constituição, e a tentativa de golpe no 7 de setembro resultou em fracasso. Em 9 de setembro, Bolsonaro contou com a assistência de Michel Temer para redigir a Declaração à Nação, na qual afirma nunca ter tido a intenção de agredir qualquer dos poderes. Além disso, os ataques do presidente contra a imprensa indicam que o autoritarismo em seus discursos anteriores não era apenas uma acusação de adversários políticos. Um relatório da Federação Nacional dos Jornalistas revelou que Bolsonaro foi responsável por mais da metade dos ataques a profissionais da imprensa em 2019. Naquele ano, o número de ataques a jornalistas e veículos de comunicação aumentou em 54%, totalizando 208 casos contra 135 em 2018. O levantamento se baseou em discursos, entrevistas e postagens de Bolsonaro nas redes sociais, sendo que ele sozinho foi responsável por quase 60% dos episódios. Fonte (Fenaj)

Durante a campanha, Bolsonaro afirmou que o Brasil poderia ser laico, mas ele pessoalmente se identificava como cristão. Essas declarações evocam uma figura semelhante ao Rei Sol, Luís XIV, embora Bolsonaro não seja um monarca, mas o presidente da república. Seu discurso é marcado pelo personalismo, concentrando o espetáculo em si mesmo, refletindo um retorno ao poder espetacular concentrado de Guy Debord. No contexto da democracia espetacular, que antes estava imersa no poder espetacular integrado, surge a contradição do neoliberal autoritário. Enquanto trabalha para o sistema de acumulação, simultaneamente busca expandir seu poder pessoal. Apesar do apoio considerável de algumas elites a Bolsonaro, há questionamentos sobre até que ponto queremos depender de um político que centraliza tanto poder. Bolsonaro parece tentar criar um ambiente que justifique medidas mais autoritárias, adotando uma abordagem gradual. Isso ocorre sem dificuldades de expressão que possam justificar tal comportamento. Testemunhamos a naturalização do impensável em um regime democrático, registrando historicamente um estado de exceção crescente no governo Bolsonaro. No entanto, as instituições resistiram, o presidente não conseguiu consolidar um controle total e, por isso, a democracia, apesar de espetacular, persiste. As instituições se mantiveram, e o presidente não foi capaz de executar um golpe substancial, retirando seu véu democrático. Após a ditadura militar brasileira, nossas instituições reagiram e resistiram de maneira robusta.

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