Inconformada com a disparidade no tratamento e percepção de homens e mulheres no século XVIII, Mary Wollstonecraft, uma cidadã inglesa, iniciou a batalha pela liberação das mulheres, continuando a ser fonte de inspiração para feministas globalmente.
Mary Wollstonecraft em 1790–1. Foto: Youtu e |
História- Liberdade, igualdade e
fraternidade. Esses ideais ressoaram durante a Revolução de 1789 na França,
marcando o fim do absolutismo e o advento da República. No entanto, o
questionamento crucial sobre para quem esses princípios se aplicavam surgiu de
Mary Wollstonecraft, uma inglesa que, descontente com os desdobramentos
pós-revolucionários, protestou contra a Constituição francesa de 1791, que
excluía as mulheres da cidadania. Em sua obra "Reivindicação dos Direitos
da Mulher" (1792), ela não apenas exigiu a igualdade de gênero, mas também
plantou as sementes dos movimentos feministas que floresceriam décadas depois.
Enfrentando proeminentes pensadores como o filósofo francês Jean Jacques
Rousseau e o poeta britânico Alexander Pope, Wollstonecraft desafiou a
concepção da inferioridade feminina, destacando as nuances sociais, políticas e
econômicas que moldam a vida em sociedade, expondo suas desigualdades inerentes.
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Diante
desse contexto, Mary Wollstonecraft destacou aspectos cruciais da história das
mulheres na Europa, subjugadas por homens brancos, evidenciando a dependência
econômica em relação a figuras masculinas e a barreira ao acesso à educação
formal. A resistência masculina em manter o status quo levava à restrição do
desenvolvimento intelectual feminino, visto como uma ameaça à independência e
autonomia. Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski, professora no curso de História
da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e pesquisadora em gênero,
história e estudos culturais, sustenta essa análise. Consciente dessa estrutura
social e cultural, Wollstonecraft instigava suas contemporâneas à ação,
buscando alterar o padrão estabelecido. Em sua obra notável, escrita numa época
em que a esfera pública era exclusivamente masculina, ela convocava para uma
revolução nos papéis femininos, visando restaurar a dignidade perdida e
integrar plenamente as mulheres à humanidade, promovendo uma transformação
pessoal para reformar o mundo.
Apesar
dos desafios enfrentados para alcançar independência financeira e intelectual,
Mary Wollstonecraft, confrontando a moral sexista e conservadora de sua época,
emergiu como uma pensadora libertária. Engajada não apenas na luta
abolicionista, ela quebrou as correntes da opressão, fazendo-se ouvir e
ganhando reconhecimento entre seus contemporâneos. Sua reivindicação,
notavelmente revolucionária para a época, transcendeu fronteiras linguísticas,
tornando-se um referencial teórico para outras mulheres que antecederam o
feminismo contemporâneo. O texto aborda a opressão das mulheres na sociedade
inglesa durante um período de ideais iluministas e das profundas transformações
introduzidas pelo capitalismo industrial. Essa análise é ressaltada pela
socióloga Maria Lygia Quartim de Moraes no prefácio da edição publicada pela
Boitempo.
Para
ilustrar a repercussão e a perturbação causadas pela obra nos círculos do poder
estabelecido, ela foi mencionada pelo Visconde de Cayru durante a discussão no
Senado sobre a lei educacional sancionada por D. Pedro I em 15 de outubro de
1827. O debate girava em torno da igualdade de aprendizado em matemática para
meninas e meninos. O Visconde argumentou que as mulheres não possuíam aptidão
intelectual para tal, considerando fútil lutar contra a natureza. Além disso,
ele alegou que seria perigoso permitir tal igualdade, pois, segundo sua visão,
quando as mulheres, vistas por ele como raridades, demonstravam habilidades
masculinas, inclinavam-se à imoralidade. Ele citou Mary Wollstonecraft e sua
obra "Reivindicação dos Direitos da Mulher" como exemplo negativo,
alertando que sua influência poderia incitar as mulheres a aspirarem estudar em
universidades e tornarem-se doutoras, conforme relatado por Dulceli.
Alexandra Kollontai: A revolução, o feminismo. Foto: LavraPalavra |
As
Revoluções Feministas
Mary
Wollstonecraft estabeleceu os alicerces dos movimentos em prol dos direitos das
mulheres. Suas ideias, décadas depois, orientaram as reivindicações da primeira
onda feminista, que abrangeu a segunda metade do século XIX até os anos 1960.
Nesse período, a segunda revolução feminista começava a tomar forma, sendo
significativamente influenciada pelos pensamentos da escritora francesa Simone
de Beauvoir. Em 1949, Beauvoir lançou "O Segundo Sexo", uma análise
detalhada da opressão enfrentada pelas mulheres, tornando-se um tratado
fundamental para os movimentos feministas. Enquanto a primeira revolução
concentrou-se no sufrágio, acesso à educação e remoção de barreiras legais para
alcançar igualdade de gênero, a segunda onda expandiu o debate, abrangendo questões
relacionadas à sexualidade, família, mercado de trabalho e direitos
reprodutivos. A terceira onda teve início entre os anos 1980 e 1990, alguns
estudiosos sugerem que ainda estamos nela, enquanto outros argumentam que o
século XXI marca o início de uma quarta revolução feminista.
Segundo
Cynthia Semíramis, doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), e autora da tese intitulada "A Reforma
Sufragista", que representa um marco inicial na busca pela igualdade de
direitos entre mulheres e homens no Brasil, a primeira revolução feminista
revela pontos cruciais conforme a área de conhecimento associada. No campo das
letras, destaca-se a produção literária e de periódicos elaborados por mulheres
para mulheres. Na esfera educacional, enfatiza-se o acesso das mulheres à
educação, enquanto a ciência política ressalta a luta pelo direito ao voto. No
âmbito jurídico, o foco é a batalha para equiparar os direitos das mulheres aos
dos homens. Cynthia sublinha que, anteriormente, existia uma discrepância
abissal entre as capacidades e direitos de homens e mulheres, sendo imposta por
leis. As mulheres eram subordinadas aos homens, fossem pai, marido ou irmão.
Elas não tinham permissão para estudar, trabalhar, frequentar faculdade e
tinham menos direitos civis, incluindo a capacidade de ter filhos próprios. Ao
casar com estrangeiro, perdiam a cidadania, necessitavam da autorização do
marido para trabalhar e enfrentavam restrições em diversas áreas profissionais,
como medicina, advocacia e magistério superior.
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Mary Wollstonecraft e as Suffragetts
Wollstonecraft. Foto: youtube |
As sufragistas, pioneiras ativistas do feminismo no século
XIX, eram notórias por liderarem o movimento no Reino Unido em busca do direito
de voto para as mulheres. Enfrentando a oposição da maioria dos parlamentares
britânicos, que baseavam suas crenças nas ideias de filósofos como John Locke e
David Hume, alegando que as mulheres eram incapazes de compreender o
funcionamento do parlamento e, portanto, não deveriam participar do processo
eleitoral. Apesar disso, as sufragistas estavam convictas de que o voto era
crucial para resolver problemas causados por leis injustas, tais como
restrições ao trabalho e à propriedade. Ao conquistarem o direito de voto, as
mulheres não apenas se tornariam eleitoras, mas também elegíveis,
permitindo-lhes competir de maneira igualitária com os homens em cargos políticos.
Ao também denunciar a disparidade de gênero no âmbito
político, Mary Wollstonecraft ofereceu orientação, impulsionando-as a avançar.
Esse posicionamento é evidente na carta dirigida ao Sr. Talleyrand-Périgord,
antigo bispo de Autun, que serve como o ponto de partida da reivindicação dos
direitos da mulher. Nessa carta, a autora advoga pela importância da
participação feminina nas decisões da Assembleia Legislativa, questionando a
exclusividade conferida ao homem como juiz, considerando que a mulher também compartilha
o dom da razão. Wollstonecraft critica tal argumentação, equiparando-a à
postura dos tiranos, destacando a semelhança ao privar todas as mulheres de
direitos civis e políticos, restringindo-as ao confinamento familiar e
mantendo-as na obscuridade.
O desejo por igualdade era irresistível. O movimento
feminino tomou as ruas da Inglaterra, culminando, em 1897, na formação da União
Nacional pelo Sufrágio Feminino, liderada pela educadora britânica Millicent
Fawcett (1847 a 1929). Fawcett, inclusive, escreveu a introdução para a edição
comemorativa do Centenário de "Reivindicação dos Direitos da Mulher",
destacando o legado de Wollstonecraft. Embora as primeiras manifestações das
feministas fossem pacíficas, confrontos frequentes ocorreram entre as manifestantes
e a polícia britânica. Um desses incidentes resultou na morte de Emily Davison
(1862 a 1913), atropelada por um cavalo durante o Derby de Epsom em 1913,
tornando-a a primeira mártir do movimento.
Inicialmente, seu intento era amarrar um lenço no pescoço
do cavalo do rei Jorge V, mas o desfecho foi tragicamente diferente. Diante da
comoção e indignação, milhares de sufragistas de diversas associações
militantes compareceram ao funeral. As incansáveis lutas das feministas
britânicas, que incluíram até greves de fome nas prisões, não foram em vão. Em
1918, o Representation of the People Act foi aprovado, garantindo o direito de
voto para as mulheres no Reino Unido e inspirando mulheres de outros países a
persistirem no objetivo. No início dos anos 1890, os esforços pelos direitos
das mulheres eram frequentemente referidos pela imprensa como movimentos
femininos. Somente nos anos seguintes, termos como feminismo e feminista
passaram a ser amplamente utilizados em países como França, Suíça e Bélgica.
Ainda durante essa década, os termos feminismo foram registrados em inglês,
espanhol e português. Desde suas primeiras aparições na imprensa e na
literatura, esses termos foram interpretados de maneira ambígua, ora com
conotação positiva, ora carregados de sentido pejorativo.
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Primórdios do Feminismo no Brasil
Movimento Feminista no Brasil. Foto: Brasil de Fato |
Conforme destacado por Dulceli, os primeiros passos do
feminismo no Brasil foram fundamentados na educação e na escrita, reconhecidos
como elementos essenciais na luta, onde as mulheres utilizaram os jornais como
meio de expressão. Um exemplo é o jornal A Família, criado em 1888 pela
jornalista e escritora recifense Josefina Álvares de Azevedo (1851-1913). Este
periódico divulgava as realizações e aspirações de uma parcela mais
privilegiada da população feminina, seguindo o lema de Josefina: "Mulher
Instruída, Mulher Emancipada". Entre as precursoras do movimento no
Brasil, destaca-se Nízia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885), educadora,
escritora e poetisa potiguar. Em 1832, ela publicou "Direitos das Mulheres
e Injustiça dos Homens", inicialmente considerada uma livre tradução de
"Reivindicação dos Direitos da Mulher" de Mary Wollstonecraft.
Posteriormente, esclareceu-se que se tratava da tradução de um texto datado de
1850, intitulado "Mulher não é inferior ao homem".
No Brasil, as primeiras feministas concentraram parte significativa de seus esforços no direito ao voto, embora não tenha sido o único pilar. A conquista desse direito ocorreu em 24 de fevereiro de 1932, durante o governo Vargas. Nos Estados Unidos, onde a luta pelo sufrágio também se estendeu por décadas, o direito ao voto feminino em nível federal foi alcançado em 26 de agosto de 1920. A discussão sobre o direito ao voto das mulheres era amplamente aceita em diversos círculos sociais e políticos, não se limitando a um grupo específico. Graças a figuras como Mary Wollstonecraft e as sufragistas, e principalmente pelo caminho que elas pavimentaram para as gerações seguintes ao longo do século XX, podemos continuar a luta para garantir que não haja retrocesso e que as mulheres possam desfrutar plenamente de seus direitos, independentemente de onde escolham viver.
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