Respostas Distintas Após Ataques Governamentais nos EUA e no Brasil

Por que a insurreição de um ano atrás é repudiada por uma esmagadora maioria de brasileiros, enquanto nos Estados Unidos persiste uma profunda divisão em relação aos eventos de 6 de janeiro?

Em 8 de janeiro do ano passado, uma multidão invadiu a sede dos três poderes em Brasília, alegando fraude nas eleições. Ao contrário dos manifestantes de 6 de janeiro em Washington, os dissidentes brasileiros quase não têm apoio hoje
Em 8 de janeiro do ano passado, uma multidão invadiu a sede dos três poderes em Brasília, alegando fraude nas eleições. Ao contrário dos manifestantes de 6 de janeiro em Washington, os dissidentes brasileiros quase não têm apoio hoje. Foto: Eraldo Peres

Política- Na última segunda-feira, completou-se um ano desde que milhares de manifestantes de extrema-direita, vestidos com as cores da bandeira do Brasil, invadiram os prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto com o objetivo de anular a eleição presidencial. No último sábado, celebraram-se três anos desde que milhares de americanos realizaram praticamente o mesmo ato.

Dois impactantes episódios ocorreram nas duas maiores democracias do Hemisfério Ocidental, transmitidos globalmente e impulsionados por presidentes que contestaram suas derrotas eleitorais. Esses eventos representaram um desafio significativo para as instituições de ambos os países, provocando debates sobre como sociedades profundamente polarizadas poderiam avançar após tais incidentes. Ao longo do tempo, a resposta para essa indagação tem se tornado cada vez mais evidente: embora semelhantes, os ataques tiveram desfechos praticamente opostos.

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Nos Estados Unidos, o respaldo à iniciativa de Donald J. Trump para retornar à Casa Branca está em ascensão, enquanto ele descreve o 6 de janeiro como um dia "memorável".

Paralelamente, o ex-presidente de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro, está rapidamente perdendo relevância política. Seis meses após deixar o cargo no ano passado, as autoridades eleitorais o proibiram de concorrer novamente até 2030, e líderes de direita têm evitado associação com ele.

Entre a população, as perspectivas sobre os eventos de 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos e 8 de janeiro de 2023 no Brasil também variam. Pesquisas recentes indicam que 22% dos americanos apoiam o ataque ao Capitólio, enquanto apenas 6% dos brasileiros defendem as manifestações que resultaram na depredação dos prédios públicos em Brasília.

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Então, por que as reações a ameaças tão semelhantes foram tão discrepantes? Pesquisadores e analistas identificam diversas razões, incluindo disparidades nos sistemas políticos, cenários midiáticos, narrativas históricas e respostas judiciais de cada país. Contudo, uma divergência se destaca.

Os líderes da direita no Brasil "publicamente aceitaram, de maneira clara e inequívoca, os resultados das eleições e seguiram exatamente o que políticos democráticos deveriam fazer", afirmou Steven Levitsky, professor de ciência política na Universidade de Harvard, especialista nas democracias americana e brasileira, e coautor do livro "Como as Democracias Morrem". "Isso contrasta fortemente com a resposta dos membros do Partido Republicano".

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Na noite subsequente ao 8 de janeiro, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, liderou uma marcha pela Praça dos Três Poderes, local dos distúrbios, acompanhado por juízes, governadores e congressistas de diversas orientações ideológicas. Este gesto simbolizou a unidade contra o ataque.

Em contraste, nas horas posteriores ao evento de 6 de janeiro, alguns membros do Partido Republicano votaram no Congresso contra a certificação da vitória eleitoral do presidente Joe Biden. Desde então, os republicanos têm retratado a insurreição como um ato patriótico – ou mesmo como uma manobra de infiltrados de esquerda. Ciro Nogueira, político de direita que já ocupou o cargo de ministro da Casa Civil sob Jair Bolsonaro e atualmente lidera a minoria no Senado, expressou surpresa diante da reação nos Estados Unidos.

"Há consenso na classe política do nosso país em condenar esses acontecimentos", afirmou. "Acho muito preocupante que uma parte dos políticos americanos aplauda esse tipo de manifestação".

Nogueira sugeriu que a veemente rejeição no Brasil aos ataques pode ser atribuída à vivência de muitos cidadãos durante a violenta ditadura militar que governou o país de 1964 a 1985. "Os Estados Unidos não experimentaram uma ditadura, um período autoritário", observou. "Jamais queremos que isso retorne ao nosso país".

Analistas destacam também que a fragmentação política no Brasil, com a representação de 20 partidos no Congresso, torna os políticos mais propensos a confrontos e a expressar uma variedade mais ampla de opiniões. Em contraste, os conservadores americanos estão predominantemente ligados ao Partido Republicano.

Outro ponto ressaltado pelos analistas é a menor fragmentação da mídia tradicional no Brasil, o que, segundo eles, influencia uma parcela maior do público a concordar com fatos em comum. A TV Globo, por exemplo, atinge uma parte significativa da audiência brasileira, frequentemente superando os índices das quatro redes seguintes somadas.

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Alexandre de Moraes, ministro do STF, defendeu um reação forte da Corte.
Alexandre de Moraes, ministro do STF, defendeu um reação forte da Corte. Foto: Dado Galdieri

Contudo, existe outra razão pela qual o Brasil repudiou tão enfaticamente o 8 de janeiro – um elemento que pode representar uma ameaça não planejada às instituições do país. O Supremo Tribunal Federal (STF) ampliou sua autoridade para investigar e processar indivíduos considerados uma ameaça à democracia.

Essa abordagem contribuiu para conter alegações de fraude em torno das eleições de 2022 no Brasil, uma vez que um juiz em particular, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, instruiu empresas de tecnologia a remover postagens que disseminavam tais notícias falsas. Moraes afirmou ter observado a desinformação online minando a democracia em outros países e expressou sua determinação em não permitir que isso acontecesse no Brasil.

Como consequência, os tribunais brasileiros têm emitido ordens para que empresas de tecnologia removam perfis das redes sociais em uma das taxas de proibição mais elevadas globalmente, conforme relatado pelo Google e pela Meta, detentora do Instagram, Facebook e WhatsApp.

Além disso, Moraes desempenha o papel de relator na investigação do 8 de janeiro (em alguns casos no Brasil, as funções dos ministros do Supremo podem se confundir com as de procuradores e juízes).

Um ano após os incidentes no Brasil, 1.350 pessoas foram acusadas, resultando em 30 condenações, com penas variando de 3 a 17 anos. Nos Estados Unidos, três anos após os eventos, aproximadamente 1.240 manifestantes foram acusados, com 880 condenações ou declarações de culpa. As sentenças variam de alguns dias a 22 anos.

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Na semana passada, Moraes participou de diversas entrevistas nas quais condenou os manifestantes que enfrentam processos judiciais sob sua jurisdição, qualificando-os como "covardes" e "um povo doente" devido às ameaças feitas à sua família. Ele enfatizou a importância das ações do Supremo Tribunal Federal, composto por 11 juízes.

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"Não tenho hesitação em afirmar que, se não tivéssemos uma resposta enérgica das instituições, não estaríamos aqui conversando hoje. O Supremo estaria fechado e, como as investigações evidenciaram, eu não estaria aqui", declarou Moraes em uma entrevista, destacando que alguns manifestantes tinham a intenção de causar-lhe danos graves.

Trinta senadores conservadores no Brasil expressaram desaprovação aos ataques de 8 de janeiro em uma carta divulgada na sexta-feira, ao mesmo tempo em que questionaram a crescente influência do Supremo Tribunal Federal. Especialistas debatem se as medidas da Corte são justificáveis diante da ameaça ou se representam uma nova preocupação.

"Vejo problemas na atuação do Supremo, uma concentração excessiva de poderes por parte do ministro Alexandre de Moraes", afirmou Emilio Peluso, professor de direito constitucional na Universidade Federal de Minas Gerais. "Contudo, acredito que o Supremo realmente precisava dar uma resposta firme aos eventos de 8 de janeiro".

Moraes, que também presidiu o Tribunal Superior Eleitoral, votou em junho para barrar Bolsonaro da próxima eleição presidencial. Cinco dos sete juízes consideraram que Bolsonaro abusou de seu poder ao atacar o sistema eleitoral em um discurso televisionado antes da eleição de 2022.

Steven Levitsky, professor de Harvard, comparou a abordagem brasileira à doutrina da "democracia militante" estabelecida na Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial, onde o governo pode impedir a participação eleitoral de políticos considerados uma ameaça.

Nos Estados Unidos, optou-se por deixar a decisão para os eleitores, embora os tribunais em todo o país estejam revisando a elegibilidade de Trump. Agora, a Suprema Corte é esperada para julgar a questão.

Enquanto o apoio político de Bolsonaro diminui, e ele enfrenta diversas investigações criminais, incluindo uma relacionada ao 8 de janeiro, ele cessou suas alegações de fraude eleitoral.

Enquanto isso, Trump, com respaldo de colegas republicanos, amplifica suas declarações falsas. Em um comício recente, ele chamou os detidos pelos eventos de 6 de janeiro de "reféns" e erroneamente afirmou que o movimento antifa de extrema-esquerda e o FBI "lideraram o ataque". Uma pesquisa recente mostrou que um quarto dos americanos acredita que agentes do FBI "organizaram e incentivaram" o ataque de 6 de janeiro.

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