Voltadas para a supressão do crime, as penitenciárias na América Latina se converteram, ao invés disso, em locais de proteção e recrutamento para gangues, contribuindo para um incremento na incidência de violência.
Um soldado montando guarda em uma prisão durante uma visita à imprensa organizada em fevereiro pelos militares em Guayaquil, Equador.César Munoz/Associated Press |
Sociedade- No
mês passado, o governo equatoriano despachou as forças armadas para restaurar a
ordem nas prisões, após a fuga de dois proeminentes líderes de gangues,
desencadeando uma revolta nacional que paralisou o país. Na semana passada, no
Brasil, autoridades relataram que dois detentos ligados a uma grande facção
criminosa foram os primeiros a escapar de uma das cinco penitenciárias federais
de alta segurança do país.
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Após
o assassinato de dois guardas e vários ataques direcionados a outros em
estabelecimentos prisionais colombianos, autoridades declararam estado de
emergência, atribuindo os incidentes a uma retaliação contra a repressão aos
grandes grupos criminosos.
Em
todo o território latino-americano, as prisões são dominadas por grupos
criminosos, que exploram os detentos financeiramente em troca de proteção ou
suprimentos básicos, como comida.
Além
disso, as prisões servem como centros de comando remotos para líderes
criminosos encarcerados gerenciarem suas operações ilícitas no exterior,
coordenando atividades como assassinatos, tráfico de drogas para os Estados
Unidos e Europa, além de orquestrar sequestros e extorsões de empresas locais.
Quando
as autoridades tentam limitar o poder dos grupos criminosos por trás das
grades, seus líderes frequentemente mobilizam membros externos para agir.
De
acordo com Mario Pazmiño, um coronel reformado e ex-diretor de inteligência do
Exército equatoriano, os complexos prisionais são o principal centro de
controle do crime organizado, onde líderes ditam ordens para que as gangues
aterrorizem o país.
O
número de presos na América Latina aumentou significativamente nas últimas duas
décadas, devido a políticas criminais mais severas, como a detenção preventiva,
porém, os governos da região não investiram o suficiente para lidar com esse
aumento, muitas vezes cedendo o controle aos detentos, conforme especialistas
em sistemas penais apontam.
Aqueles
que entram no sistema prisional frequentemente enfrentam uma escolha: se juntar
a uma gangue ou enfrentar represálias.
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Consequentemente, as prisões se tornaram centros cruciais
de recrutamento para os maiores e mais violentos cartéis e gangues da América
Latina, reforçando seu domínio sobre a sociedade em vez de enfraquecê-lo.
Os funcionários penitenciários, muitas vezes
subfinanciados, em número reduzido e sobrecarregados, frequentemente cedem aos
líderes de gangues em muitos estabelecimentos prisionais em troca de uma paz
precária. Segundo especialistas, mais da metade das 285 prisões no México estão
total ou parcialmente sob controle de grupos criminosos, enquanto no Brasil o
governo geralmente separa os detentos com base em suas afiliações a gangues
para evitar conflitos. No Equador, a maioria das 36 prisões do país, de acordo
com especialistas, está sob algum grau de influência das gangues.
"Para o governo, a gangue está resolvendo um
problema", disse Benjamin Lessing, professor de ciências políticas na
Universidade de Chicago, especializado em estudos de gangues e prisões
latino-americanas. "Isso concede à gangue um tipo de poder que é difícil
de quantificar, mas também difícil de exagerar."
Entre 2010 e 2020, a população carcerária na América Latina
aumentou em 76%, ultrapassando em muito o crescimento populacional regional de
10%, de acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Vários países adotaram políticas mais severas de aplicação
da lei, resultando em penas mais longas e mais condenações por delitos de
drogas menores, levando a uma superlotação significativa nas prisões da região.
Enquanto isso, os governos priorizaram o investimento em
suas forças de segurança para combater o crime e demonstrar sua autoridade
perante o público, em detrimento dos gastos com as prisões, que têm menos
visibilidade.
Presos durante tumulto no Centro Penitenciário de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, Brasil, em 2017.Andressa Anholete/Agência France-Presse — Getty Images |
Brasil e México, os maiores países da América Latina com as
maiores populações carcerárias, investem pouco em seus sistemas prisionais: o
governo brasileiro gasta cerca de US$ 14 por prisioneiro por dia, enquanto o
México gasta cerca de US$ 20. Em contraste, os Estados Unidos gastaram cerca de
US$ 117 por prisioneiro por dia em 2022. Além disso, os salários dos guardas
penitenciários na América Latina são baixos, tornando-os suscetíveis a subornos
de gangues para facilitar o contrabando ou ajudar na fuga de detentos
importantes.
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As autoridades federais no Brasil e Equador não responderam
às solicitações de comentários, enquanto as autoridades federais no México
recusaram. Em geral, as prisões federais no México e no Brasil recebem mais
financiamento e oferecem condições melhores do que as prisões estaduais.
O governo do estado do Rio de Janeiro, responsável por
algumas das prisões mais conhecidas do Brasil, afirmou em comunicado que há
décadas separa os detentos com base em sua filiação a gangues "para
garantir sua segurança física", uma prática permitida pela legislação
brasileira.
Destacando o poder das gangues prisionais, alguns líderes
de grupos criminosos vivem relativamente confortavelmente atrás das grades,
gerenciando negócios como supermercados, brigas de galos e clubes noturnos, e
às vezes trazendo suas famílias para viverem com eles. Segundo especialistas,
as prisões do Equador são um exemplo clássico dos desafios enfrentados pelos
sistemas penitenciários na América Latina e da dificuldade em resolvê-los.
Os distúrbios em janeiro surgiram após o recém-eleito
presidente do Equador tomar medidas para reforçar a segurança nas prisões, após
uma investigação do procurador-geral revelar como um líder de gangue preso,
enriquecido pelo tráfico de cocaína, corrompeu juízes, policiais, guardas
prisionais e até mesmo o ex-diretor do sistema prisional.
O presidente, Daniel Noboa, planejava transferir vários
líderes de gangues para uma instalação de segurança máxima, tornando mais
difícil para eles operarem seus negócios ilícitos.
No entanto, esses planos foram vazados para os líderes de
gangues, e um deles escapou de uma grande prisão.
Uma busca pelo líder dentro da prisão desencadeou tumultos
em todo o país, com dezenas de detentos fugindo, incluindo o líder de outra
gangue poderosa.
Especialistas afirmam que as gangues também ordenaram
ataques fora das prisões, sequestrando policiais, incendiando carros, detonando
explosivos e brevemente ocupando uma importante emissora de televisão
Noboa respondeu declarando um estado de conflito armado
interno, autorizando os militares a combater as gangues nas ruas e a invadir as
prisões. Segundo relatos militares e vídeos nas redes sociais, os detentos em
pelo menos uma prisão foram despidos e tiveram seus pertences confiscados e
queimados.
As imagens evocavam lembranças de El Salvador, onde o
presidente Nayib Bukele decretou estado de emergência em 2022 para lidar com a
violência das gangues. Segundo grupos de direitos humanos, aproximadamente 75
mil pessoas foram detidas, muitas delas sem passar pelo devido processo legal.
Com dois por cento da população de El Salvador atrás das
grades, é o país com a maior proporção de encarcerados do mundo, de acordo com
o World Prison Brief, uma base de dados da Universidade de Londres, Birkbeck.
As medidas adotadas por Bukele dizimaram as gangues de rua
do país centro-americano, revertendo anos de violência intensa e contribuindo
para sua reeleição.
No entanto, especialistas apontam que milhares de
indivíduos inocentes foram detidos.
"Quais são as consequências disso?" questiona
Carlos Ponce, especialista em El Salvador e professor assistente da
Universidade de Fraser Valley, no Canadá. "Isso irá assombrá-los e suas
famílias pelo resto de suas vidas."
O uso frequente de prisão preventiva em toda a região para
combater o crime resultou em muitas pessoas languidescendo na prisão por meses,
e até anos, aguardando julgamento, afirmam grupos de direitos humanos. Essa
prática é particularmente prejudicial para os mais pobres, que não têm recursos
para contratar advogados e enfrentam um sistema judicial moroso, com casos
pendentes por anos.
Nos primeiros sete meses do estado de emergência em El
Salvador, 84% de todos os detidos estavam em prisão preventiva, enquanto quase
metade da população carcerária do México ainda aguarda julgamento.
"As prisões podem ser consideradas como locais de
exploração para os pobres", afirma Elena Azaola, acadêmica mexicana que
estuda o sistema prisional do país há 30 anos.
"Alguns são detidos por 10 ou 20 anos sem
julgamento", acrescenta. "Muitos saem piores do que entraram."
De fato, em alguns países latino-americanos, as prisões
funcionam, em certa medida, como uma porta giratória.
Aproximadamente 40% dos prisioneiros no Brasil, Argentina,
México e Chile são libertados apenas para serem reincarcerados. Embora a taxa
de reincidência seja muito mais alta nos Estados Unidos, na América Latina,
muitas pessoas detidas por crimes menores, por vezes não violentos, acabam por
cometer crimes mais graves. Isso ocorre principalmente porque os infratores de
menor gravidade compartilham celas com criminosos mais perigosos.
Ambas as maiores gangues do Brasil, o Comando Vermelho e o
Primeiro Comando da Capital, na verdade começaram dentro das prisões e
continuam sendo seus centros de poder.
Jefferson Quirino, um ex-integrante de gangue que passou
por cinco detenções distintas em prisões do Rio, revelou que as gangues
exerciam controle absoluto sobre todas as instituições prisionais em que
esteve, muitas vezes através da subornação de guardas.
No Brasil, as gangues possuem uma influência tão
significativa nas prisões que as autoridades frequentemente segregam os
detentos de acordo com suas afiliações ganguescas, obrigando os novos presos a
escolherem um lado para evitar confrontos violentos.
"Logo na chegada, a primeira pergunta que te fazem é:
'Qual é a sua gangue?'", compartilhou Quirino, que atualmente coordena um
programa voltado para manter crianças de comunidades carentes longe do mundo
das gangues. "Basicamente, eles precisam categorizá-lo dentro do sistema,
do contrário, você estará em perigo de vida."
Essa prática tem contribuído para o aumento dos números das gangues.
"A prisão serve como um campo de recrutamento de mão de obra", explicou Jacqueline Muniz, ex-responsável pela segurança no Rio de Janeiro, "e também para solidificar a lealdade dentro de sua base criminosa."
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